quinta-feira, 26 de março de 2015

.


Água: nossos direitos e deveres – O POPULAR 26.03

Foram inquietantes as notícias sobre a situação da água no País e no Centro-Oeste que cercaram as comemorações do Dia Mundial da Água. E pedem uma mudança radical nas posturas da sociedade e dos governantes.
Instituições meteorológicas informaram que as chuvas atuais devem prolongar-se até meados de abril – e daí por diante, até setembro, a probabilidade é de um período seco. Sem que se saiba ainda que consequência poderá ter o fenômeno El Niño previsto para este ano. Todo cuidado, portanto, será pouco. Ainda mais porque relatório mundial da ONU sobre desenvolvimento e recursos hídricos (O POPULAR, 21/3) alertou para a previsão de que o consumo mundial de água até 2050 aumentará em 55% – e, “se nada for feito, as reservas globais de recursos hídricos cairão 30% até 2030”.
Que vai acontecer então no Cerrado que nos cerca, quando sabemos que avaliações do Ministério do Meio Ambiente já indicavam há algum tempo que o estoque de água nos reservatórios subterrâneos do bioma – e que vertem água para formar os rios – já havia caído de sete anos de fluxo para apenas três anos? E ainda é preciso lembrar que no auge da última estação sem chuvas secaram até as cabeceiras do Rio São Francisco, em Minas Gerais. Em Goiânia, estudo divulgado na última segunda-feira por este jornal diz que 9 em 10 mananciais no município de Goiânia estão poluídos por esgotos, lixo e entulhos, além de assoreados e com fluxo reduzido por causa do desmatamento – ou extinto.
Também há poucos dias estudo da SOS Mata Atlântica informou, após pesquisar em 301 pontos, que 111 rios, córregos e lagos simplesmente desapareceram. E outro estudo, da Faculdade de Medicina Santa Marcelina, sobre políticas na área de saúde, concluiu que doenças veiculadas ou agravadas pela má qualidade da água (diarreias, dores abdominais, anemia, cardiopatia, hipertensão) podem avançar ainda mais. Já há alguns anos, outro levantamento dizia que 60% das internações de crianças na rede pública de saúde se deviam a doenças veiculadas pela água, assim como 80% das consultas pediátricas.
De fato, relatório da Agência Nacional de Águas, divulgado no final da semana passada, atesta que nas áreas urbanas brasileiras nada menos de 21% das amostras de água apontam a qualidade “ruim” e 4% a qualidade “péssima”. Água de boa (48%) ou ótima (4%) qualidade, portanto são apenas metade da disponível. Mesmo na zona rural quase 10% da água são de má qualidade. Mas temos, no País, uma demanda de 2.373 metros cúbicos por segundo de água. Geramos 8,5 bilhões de metros cúbicos de esgotos por ano, mas só coletamos 58,8% e tratamos 69,4% do que é coletado. Eles contribuem para as enchentes nas áreas urbanas, que já em 2013 atingiram 262 municípios maiores.
Efeitos econômicos já são visíveis. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, a falta de água deve reduzir o produto bruto da Grande São Paulo e em Campinas, onde estão 60 mil empresas do setor. E elas precisam, segundo a ANA, reduzir seu consumo em 30% (O Estado de S. Paulo, 27/1). Mas a situação estava prevista há uma década, pelo menos, diz o WWF Brasil (fevereiro de 2015). E acrescenta que em muitos poucos setores foram implementadas as leis, regulamentações e programas para reduzir o problema. Pior: em meio a toda a crise, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou (Eco 21, agosto de 2014), ao regulamentar o Código Florestal, projeto (219/14) que facilita o descumprimento da lei que obriga a recuperar áreas de proteção e matas ciliares.
Nem parece que neste exato momento a ONU pede que se avance na discussão do acordo global para enfrentar mudanças climáticas, que tem até o fim do ano para ser aprovado, sob pena de não conseguirmos conter o aumento da temperatura planetária em 2 graus Celsius – e essas mudanças têm efeitos dramáticos na área dos recursos hídricos. A ONU aponta a recente devastação do arquipélago de Vanuatu, no Pacífico, por um furacão, como exemplo do que pode acontecer em larga escala no planeta, se formos omissos. E convém não esquecer que a capacidade da Amazônia para absorver dióxido de carbono caiu pela metade em 20 anos (menos um bilhão de toneladas anuais), segundo a Universidade de Leeds (O Globo, 19/3).
Então, é fundamental mudar nossas posturas, como cidadãos, empresas, governos, proprietários rurais. Implantar legislação severa que proteja os recursos hídricos. Implementá-la sem perda de tempo. Punir quem não a cumpra. Lembrando palavras do jurista Paulo Affonso Leme Machado: “A gestão das águas realizada pelas cúpulas governamentais revelou-se um fracasso pela sua imprevisão, deixando de instituir usos econômicos da água, não investindo em represas ou instalações acumulativas desses recursos, não defendendo as nascentes de água, pela distorção das informações e pelo afastamento e alijamento dos usuários e das associações ambientais na tomada das decisões (...) Há regras legais para a distribuição (...) A outorga do direito de uso dos recursos hídricos anterior à situação de escassez poderá ser suspensa para que se chegue ao uso prioritário para o consumo humano (...) E esses recursos devem ser distribuído com equidade”.

Washington Novaes é jornalista
.


MARCELO AGNER »
Pobre educação --  CORREIO BzB 23.03

.
Há quem aplauda Cid Gomes e o considere um herói. Afinal, poucos teriam a coragem de entrar na Câmara e desafiar centenas de deputados, entre eles Eduardo Cunha, presidente da Casa e atual protagonista da política brasileira. Cid Gomes perdeu a queda de braço e deixou o governo pela porta dos fundos. O ministro da Educação trocou um dos cargos mais relevantes do país por lamentável bate-boca com parlamentares. Não deu importância à Pátria Educadora, lema do segundo mandato da presidente Dilma que, por enquanto, se resume ao discurso de posse e à propaganda oficial.

Cid Gomes sai da pasta sem acrescentar nem uma sala de aula ao ensino do país. Pelo contrário, deixa no ministério muitos problemas a serem resolvidos. O ano começou com incertezas no Fies e no Ciência sem Fronteiras. As universidades sofreram corte substancial de verbas e muitas tiveram dificuldades para abrir o ano letivo. Se Dilma realmente planejou priorizar a educação em seu segundo governo, esse início é preocupante, dois meses e meio foram desperdiçados e as estratégias não são claras.

Caso seja escolhido com critérios claramente políticos, como aconteceu com Cid Gomes, o próximo ministro dificilmente terá condições de liderar ampla discussão sobre o ensino do país. Ocorreram grandes mudanças na área nos últimos anos e muitas delas foram usadas como trunfo nas campanhas. Portanto, é preciso mais do que novos projetos e programas. Deve-se estabelecer debate mais amplo, longe das paixões e dos interesses eleitorais. E qualquer mudança efetiva só será possível bem longe do fisiologismo.

Admitir que os ensinos fundamental, básico e superior são deficientes, que a maioria dos alunos das escolas públicas não aprendem na velocidade adequada e que programas como o financiamento estudantil e o sistema de cotas precisam ser aprimorados é apenas o início de uma revolução na educação brasileira. A coragem — não a atribuída a Cid Gomes —, a ousadia, o conhecimento e a capacidade de articulação são qualidades fundamentais para quem vai liderar a Pátria Educadora anunciada por Dilma ou ela corre risco de ver as promessas desmoralizadas. E que o país jamais volte a ver um ministro num duelo tão deplorável como o da última quarta-feira.