quarta-feira, 18 de junho de 2014

Manchetes do Edu


Manifesto assinado por centenas de cientistas foi enviado a governos de todo o mundo
Da Redação
Cientistas de todo o mundo, preocupados com os perigos que os transgênicos representam para a biodiversidade, a segurança alimentar, a saúde humana e animal, exigem uma moratória imediata sobre este tipo de cultivo em conformidade com o princípio da precaução.
Eles escreveram uma carta abera, assinada por 815 cientistas de 82 países, na qual se opõem aos cultivos transgênicos que intensificam o monopólio corporativo, exacerbam as desigualdades e impedem a mudança para uma agricultura sustentável que garanta a segurança alimentar e a saúde em todo o mundo. Os cientistas fazem um apelo à proibição de qualquer tipo de patentes de formas de vida e processos vivos que ameaçam a segurança alimentar e violam os direitos humanos básicos e a dignidade. Eles também querem apoio maior à pesquisa e ao desenvolvimento de uma agricultura não corporativa, sustentável, que possa beneficiar as famílias de agricultores em todo o mundo.
Confira abaixo a carta:
"Nós, cientistas abaixo-assinados, pedimos a suspensão imediata de todas as licenças ambientais para cultivos transgênicos e produtos derivados dos mesmos, tanto comercialmente como em testes em campo aberto, durante ao menos cinco anos; as patentes dos organismos vivos, dos processos, das sementes, das linhas de células e genes devem ser revogadas e proibidas; e exige-se uma pesquisa pública exaustiva sobre o futuro da agricultura e a segurança alimentar para todos.
As patentes de formas de vida e processos vivos deveriam ser proibidas porque ameaçam a segurança alimentar, promovem a biopirataria dos conhecimentos indígenas e dos recursos genéticos, violam os direitos humanos básicos e a dignidade, o compromisso da saúde, impedem a pesquisa médica e científica e são contra o bem-estar dos animais.
Os cultivos transgênicos não oferecem benefícios para os agricultores ou os consumidores. Em vez disso, trazem consigo muitos problemas que foram identificados e que incluem o aumento do uso de herbicidas, o desempenho errático e baixos rendimentos econômicos para os agricultores. Os cultivos transgênicos também intensificam o monopólio corporativo sobre os alimentos, o que está levando os agricultores familiares à miséria e impedindo a passagem para uma agricultura sustentável que garanta a segurança alimentar e a saúde no mundo.
Os perigos dos transgênicos para a biodiversidade e a saúde humana e animal são agora reconhecidos por várias fontes dentro dos Governos do Reino Unido e dos Estados Unidos. Consequências especialmente graves se associam ao potencial de transferência horizontal de genes. Estes incluem a difusão de genes marcadores de resistência a antibióticos a ponto de tornarem doenças infecciosas incuráveis, a criação de novos vírus e bactérias que causam doenças e mutações danosas que podem provocar o câncer.
No Protocolo de Biossegurança de Cartagena negociado em Montreal em janeiro de 2000, mais de 120 governos se comprometeram a aplicar o princípio da precaução e garantir que as legislações de biossegurança em nível nacional e internacional tenham prioridade sobre os acordos comerciais e financeiros da Organização Mundial do Comércio.
Sucessivos estudos documentaram a produtividade e os benefícios sociais e ambientais da agricultura ecológica e familiar, de baixos insumos e completamente sustentável. Ela oferece a única forma para restaurar as terras agrícolas degradadas pelas práticas agronômicas convencionais e possibilita a autonomia dos pequenos agricultores familiares para combater a pobreza e a fome.
Instamos o Congresso dos Estados Unidos a proibir os cultivos transgênicos, já que são perigosos e contrários aos interesses da agricultura familiar; e a apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de métodos de agricultura sustentável que podem realmente beneficiar as famílias de agricultores em todo o mundo.
* * *
1. As patentes de formas de vida e de processos vivos deveriam ser proibidas porque ameaçam a segurança alimentar, promovem a biopirataria dos conhecimentos indígenas e os recursos genéticos, violam os direitos humanos básicos e a dignidade, o compromisso com a saúde, impedem a pesquisa médica e científica e são contrários ao bem-estar dos animais. (1) As formas de vida, tais como organismos, sementes, linhas celulares e os genes, são descobertas e, portanto, não são patenteáveis. As atuais técnicas GM, que exploram os processos vivos, não são confiáveis; são incontroláveis e imprevisíveis e não podem ser consideradas como invenções. Além disso, estas técnicas são inerentemente inseguras, assim como muitos organismos e produtos transgênicos.
2. Cada vez está mais claro que os atuais cultivos transgênicos não são nem necessários nem benéficos. São uma perigosa distração que impede a mudança essencial para práticas agrícolas sustentáveis que podem proporcionar a segurança alimentar e a saúde em todo o mundo.
3. Duas características simples contam para os quase 40 milhões de hectares de cultivos transgênicos plantados em 1999 (2). A maioria (71%) é tolerante a herbicidas de amplo espectro, desenvolvidos, por sua vez, para serem tolerantes à sua própria marca de herbicida, ao passo que o resto é projetado com as toxinas Bt para matar pragas de insetos. Uma estatística baseada em 8.200 testes de campo do cultivo transgênico mais popular, a soja, revelou que a soja transgênica rende 6,7% menos e requer duas a cinco vezes mais herbicidas que as variedades não modificadas geneticamente. (3) Isso foi confirmado por um estudo mais recente realizado na Universidade de Nebraska. (4) No entanto, foram identificados outros problemas, tais como: o desempenho errático, suscetibilidade a doenças (5), o aborto de frutas (6) e baixos rendimentos econômicos para os agricultores. (7)
4. De acordo com o programa para a alimentação da ONU, há alimentos suficientes para alimentar o mundo uma vez e meia. Enquanto a população cresceu 90% nos últimos 40 anos, a quantidade de alimentos per capita aumentou em 25%, e assim mesmo um bilhão de pessoas passam fome. (8) Um novo relatório da FAO confirma que há alimentos suficientes ou mais que suficientes para satisfazer as demandas globais sem levar em conta qualquer melhora no rendimento proporcionado pelos transgênicos até 2030. (9) É por conta do crescente monopólio empresarial, que opera sob a economia globalizada, que os pobres são cada vez mais pobres e passam mais fome. (10) Os agricultores familiares de todo o mundo foram levados à miséria e ao suicídio e pelas mesmas razões. Entre 1993 e 1997 o número de propriedades de tamanho médio nos Estados Unidos reduziu-se em 74.440 (11), e os agricultores recebem menos do custo médio da produção por seus produtos. (12) A população agrícola na França e na Alemanha diminuiu em 50% desde 1978. (13) No Reino Unido, 20.000 empregos agrícolas sumiram no último ano, e o primeiro Ministro anunciou um pacote de ajuda de 200 milhões de libras. (14) Quatro empresas controlam 85% do comércio mundial de cereais no final de 1999. (15) As fusões e aquisições continuam.
5. As novas patentes de sementes intensificam o monopólio empresarial mediante a proibição dos agricultores de guardarem e replantarem as sementes, o que a maioria dos agricultores continua a fazer no Terceiro Mundo. A fim de proteger suas patentes, as empresas continuam desenvolvendo tecnologias terminator para que as sementes colhidas não germinem, apesar da oposição mundial dos agricultores e da sociedade civil em geral. (16)
6. A Christian Aid, uma importante organização de caridade que trabalha no Terceiro Mundo, chegou à conclusão de que os cultivos transgênicos provocam desemprego, agravam a dívida do Terceiro Mundo e são uma ameaça para os sistemas agrícolas sustentáveis, além de prejudicar o meio ambiente. (17) Os governos africanos condenaram a afirmação da Monsanto de que os transgênicos são necessários para alimentar os famintos do mundo: “Nós nos opomos firmemente... ao fato de que a imagem dos pobres e famintos dos nossos países esteja sendo utilizada pelas grandes empresas multinacionais para desenvolver tecnologia que não é segura nem para o meio ambiente, nem economicamente benéfica para nós... Nós acreditamos que vai destruir a diversidade, o conhecimento local e os sistemas agrícolas sustentáveis que nossos agricultores desenvolveram durante milhares de anos e... minar a nossa capacidade de nos alimentar”. (18) Uma mensagem do Movimento Camponês das Filipinas dirigida à Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) dos países industrializados, declarou: “A entrada dos organismos geneticamente modificados seguramente intensificará a falta de terras, a fome e a injustiça”. (19)
7. Uma coalizão de grupos de agricultores familiares dos Estados Unidos divulgou uma lista completa das suas exigências, entre as quais estão a proibição da propriedade de todas as formas de vida; a suspensão das vendas, licenças ambientais e outras aprovações de cultivos transgênicos e dos produtos derivados, pendentes de uma avaliação independente e exaustiva dos impactos ambientais, da saúde e econômico-sociais; e que se obrigue as empresas a se responsabilizarem por todos os danos e prejuízos derivados de seus cultivos geneticamente modificados e produtos para o gado, sobre os seres humanos e o meio ambiente. (20) Também exigem uma moratória de todas as fusões e aquisições de empresas, do fechamento da granja, e o fim das políticas que servem aos grandes interesses agroindustriais à custa dos agricultores familiares, dos contribuintes e do meio ambiente. (21) Eles montaram uma ação judicial contra a Monsanto e outras nove empresas por práticas monopólicas e por impingir os cultivos transgênicos sobre os agricultores sem avaliações de segurança e de impacto ambiental adequadas. (22)
8. Alguns dos perigos dos cultivos transgênicos são reconhecidos abertamente pelos Governos do Reino Unido e dos Estados Unidos. O Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação do Reino Unido admitiu que a transferência dos cultivos transgênicos e o pólen para além dos campos plantados é inevitável (23), e isso já deu lugar a ervas daninhas resistentes aos herbicidas. (24) Um relatório provisório sobre os testes de campo patrocinados pelo Governo do Reino Unido confirmou a hibridação entre propriedades adjacentes de diferentes variedades de colza tolerante aos herbicidas modificados geneticamente, o que deu lugar a híbridos tolerantes a múltiplos herbicidas. Além disso, a colza transgênica e seus híbridos foram encontrados como praga nos cultivos de trigo e cevada posteriores, que estavam sendo controlados com herbicidas convencionais. (25) Pragas de insetos resistentes ao Bt evoluíram em resposta à contínua presença das toxinas nas plantas transgênicas durante todo o ciclo de cultivo e a Agência de Proteção do Meio Ambiente dos Estados Unidos está recomendando aos agricultores para que plantem até 40% de cultivos não geneticamente modificados com a finalidade de criar refúgios para não pragas de insetos resistentes. (26)
9. As ameaças à diversidade biológica dos principais cultivos transgênicos já comercializados são cada vez mais claras. Os herbicidas de amplo espectro utilizados com os cultivos transgênicos tolerantes a herbicidas não apenas dizimam espécies de plantas silvestres de forma indiscriminada, mas também são tóxicos para os animais. O glufosinato provoca defeitos congênitos em mamíferos (27) e o glifosato está ligado ao linfoma de Hodgkin. (28) Os cultivos transgênicos Bt-toxinas matam insetos benéficos como as abelhas (29) e os crisopídios (30) e o pólen do milho Bt é letal para as borboletas monarca (31), assim como para os papiliônidos. (32) A Toxina Bt é exalada das raízes do milho Bt na rizosfera, onde se une rapidamente às partículas do solo e se converte em parte do mesmo. À medida que a toxina está presente de forma ativada, não seletiva, espécies objetivas e não objetivas no solo se verão afetadas (33), causando um enorme impacto sobre todas as espécies acima do solo.
10. Os produtos resultantes dos organismos geneticamente modificados também podem ser perigosos. Por exemplo, um lote de triptofano produzido por microorganismos geneticamente modificados está associado a pelo menos 37 mortes e 1.500 doenças graves. (34) Um hormônio geneticamente modificado de crescimento bovino, que é injetado em vacas com a finalidade de aumentar a produção de leite, não provoca apenas o sofrimento excessivo e doenças nas vacas, mas também aumenta o IGF-1 no leite, que está vinculado ao câncer de mama e da próstata em seres humanos. (35) É vital para o público ser protegido de todos os produtos transgênicos e não apenas os que contêm DNA transgênico ou proteína. Isso porque o próprio processo de modificação genética, pelo menos na forma praticada atualmente, é inerentemente perigoso.
11. Memorandos secretos da Administração dos Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos revelaram que foram ignoradas as advertências dos seus próprios cientistas de que a engenharia genética é um novo ponto de partida e introduz novos riscos. Além disso, o primeiro cultivo transgênico liberado para sua comercialização – o tomate Flavr Savr – não passou nos testes toxicológicos requeridos. (36) Desde então, nenhum teste de segurança científica abrangente havia sido feito até que o Dr. Arpad Pusztai e seus colaboradores no Reino Unido levantaram sérias preocupações sobre a segurança das batatas GM que eles estavam testando. Eles chegaram à conclusão de que uma parte significativa do efeito tóxico pode ser devido à transformação genética ou ao processo utilizado na fabricação das plantas geneticamente modificadas ou ambos. (37)
12. A segurança dos alimentos transgênicos foi abertamente contestada pelo professor Bevan Moseley, geneticista molecular e atual presidente do Grupo de Trabalho sobre Novos Alimentos no Comitê Científico da União Europeia sobre a Alimentação. (38) Ele chamou a atenção sobre os efeitos imprevistos inerentes à tecnologia, enfatizando que a próxima geração dos alimentos geneticamente modificados – os chamados ‘nutracêuticos’ ou ‘alimentos funcionais’, como a vitamina A ‘enriquecida’ do arroz – ira representar riscos ainda maiores para a saúde devido ao aumento da complexidade das construções de genes.
13. A engenharia genética introduz novos genes e novas combinações de material genético construído em laboratório nos cultivos, no gado e nos microorganismos. (39) As construções artificiais são derivadas do material genético de vírus patógenos e outros parasitas genéticos, assim como bactérias e outros organismos e incluem códigos genéticos para resistir aos antibióticos. As construções estão projetadas para quebrar as barreiras das espécies e para superar os mecanismos que impedem de inseri-lo em genomas de material genético estranho. A maioria deles nunca existiu na natureza ao longo de bilhões de anos de evolução.
14. Estes constructos são introduzidos nas células por métodos invasivos que levam a inserção aleatória dos genes estranhos aos genomas (a totalidade de todo o material genético de uma célula ou organismo). Isto dá lugar a efeitos aleatórios imprevisíveis, incluindo anormalidades em animais e em toxinas e alérgenos inesperados em cultivos alimentares.
15. Uma construção comum a praticamente todos os cultivos transgênicos já comercializados ou submetidos a testes de campo envolve um interruptor de gene (promotor) do vírus mosaico da couve-flor (CaMV) emendado ao gene estranho (transgene) para torná-lo sobre-expresso de forma contínua. (40) Este promotor CaMV está ativo em todas as plantas, em leveduras, algas e no E.coli. Recentemente descobrimos que é ainda está ativo no ovo de anfíbio (41) e no extrato de células humanas. (42) Ele tem uma estrutura modular e pode ser intercambiado, em parte ou na sua totalidade, com os promotores de outros vírus para dar aos vírus infecciosos. Ele também tem um “ponto quente de recombinação”, assim que é propenso a romper-se e unir-se a outro material genético. (43)
16. Por estas e outras razões, o DNA transgênico – a totalidade das construções artificiais transferidas para o OGM – pode ser mais instável e propenso a transferir-se novamente para espécies não relacionadas; potencialmente, para todas as espécies que interagem com o OGM. (44)
17. A instabilidade do DNA transgênico em plantas geneticamente modificadas é bem conhecida. (45) Genes transgênicos são, muitas vezes, silenciados, mas a perda de parte ou da totalidade do DNA transgênico também ocorre, inclusive nas gerações posteriores de propagação. (46) Estamos cientes de nenhuma evidência publicada para a estabilidade a longo prazo de inserções transgênicas em termos de estrutura ou localização no genoma da planta em qualquer das linhas de transgênicos já comercializados ou testados em campo.
18. Os perigos potenciais da transferência horizontal de genes de GM incluem a propagação de genes resistentes a antibióticos aos patógenos, a geração de novos vírus e bactérias que causam a doença e as mutações devido à inserção aleatória de DNA estranho, alguns dos quais podem provocar o câncer em células de mamíferos. (47) A capacidade do promotor CaMV para funcionar em todas as espécies, incluindo os seres humanos, é particularmente relevante para os perigos potenciais da transferência horizontal de genes.
19. A possibilidade de o DNA nu ou livre ser absorvido por células de mamíferos é explicitamente mencionado pela Administração dos Alimentos e Medicamentos (FDA), dos Estados Unidos, em um projeto de orientação à indústria sobre os genes marcadores de resistência a antibióticos. (48) Em seus comentários sobre o documento da FDA, o Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação do Reino Unido assinalou que o DNA transgênico pode ser transferido não apenas por ingestão, mas pelo contato com a poeira e o pólen de plantas transmitidas pelo ar durante o trabalho agrícola e o processamento de alimentos. (49) Esta advertência é ainda mais significativa com o recente relatório da Universidade de Jena, na Alemanha, segundo o qual os testes de campo indicaram que genes transgênicos podem ser transferidos via pólen transgênico para as bactérias e leveduras no intestino das larvas das abelhas. (50)
20. O DNA da planta não se degrada facilmente durante a maior parte do processamento comercial de alimentos. (51) Procedimentos como a moagem e o trituramento de grãos deixaram o DNA em grande parte intacto, assim como o tratamento térmico em 90deg.C. O processo da silagem mostrou pouca degradação do DNA e um relatório especial do Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentação do Reino Unido desaconselha o uso de plantas geneticamente modificadas ou de resíduos vegetais na alimentação animal.
21. A boca humana contém bactérias que se mostraram capazes de assumir e expressar DNA nu que contém genes de resistência a antibióticos e bactérias transformáveis similares estão presentes nas vias respiratórias. (52)
22. Verificou-se a transferência horizontal de genes marcadores de resistência aos antibióticos de plantas GM bactérias e fungos do solo no laboratório. (53) O monitoramento de campo revelou que o DNA da beterraba GM persistiu no solo por até dois anos após a sua colheita. E há evidências sugerindo que as partes do ADN transgênico podem ser transferidas horizontalmente para as bactérias do solo. (54)
23. Pesquisas recentes na terapia de genes e vacinas de ácidos nucleicos (DNA e RNA) deixam poucas dúvidas de que os ácidos nucleicos livres/nus podem ser tomados, e, em alguns casos, incorporados ao genoma de todas as células de mamíferos, incluindo os dos seres humanos. Os efeitos adversos já observados incluem choque tóxico agudo, reações imunológicas tardias e reações auto-imunes. (55)
24. A Associação Médica Britânica, no seu relatório provisório (publicado em maio de 1999), pediu uma moratória por tempo indeterminado nas libertações de OGM à espera de novas pesquisas sobre novas alergias, sobre a disseminação de genes resistentes a antibióticos e os efeitos do DNA transgênico.
25. No Protocolo de Biossegurança de Cartagena negociado com sucesso em Montreal, em janeiro de 2000, mais de 130 governos concordaram em aplicar o princípio da precaução, e em garantir que as legislações de biossegurança nos níveis nacionais e internacionais têm precedência sobre acordos comerciais e financeiros na OMC. Da mesma forma, os delegados da Conferência da Comissão do Codex Alimentarius, em Chiba, no Japão, em março de 2000, concordaram em preparar procedimentos regulamentares rigorosas para os alimentos geneticamente modificados que incluem avaliação prévia à comercialização, monitoramento de longo prazo dos impactos sanitários, testes de estabilidade genética, toxinas, alérgenos e outros efeitos indesejados. (56) O Protocolo de Biossegurança de Cartagena foi assinado por 68 governos em Nairóbi, em maio de 2000.
26. Pedimos a todos os governos para tomarem na devida conta as evidências científicas já substanciais dos riscos reais ou supostos decorrentes da tecnologia GM e muitos de seus produtos, e impor uma moratória imediata sobre novas licenças ambientais, incluindo testes em campo aberto, de acordo com o princípio da precaução, assim como dados científicos sólidos.
27. Estudos sucessivos documentaram a produtividade e a sustentabilidade da agricultura familiar no Terceiro Mundo, bem como no Norte. (57) Evidências do Norte e do Sul indicam que pequenas propriedades são mais produtivas, mais eficientes e contribuem mais para o desenvolvimento econômico do que as grandes fazendas. Os pequenos agricultores também tendem a cuidar melhor dos recursos naturais, da conservação da biodiversidade e salvaguardar a sustentabilidade da produção agrícola. (58) Cuba respondeu à crise econômica provocada pela ruptura do bloco soviético em 1989 pela conversão de convencional para grande escala, da alta monocultura de entrada para a pequena agricultura orgânica e semi-orgânica, dobrando assim a produção de alimentos com a metade da entrada anterior. (59)
28. As abordagens agroecológicas são uma grande promessa para a agricultura sustentável nos países em desenvolvimento, combinando o conhecimento agrícola local e técnicas ajustadas às condições locais com o conhecimento científico ocidental contemporâneo. (60) Os rendimentos duplicaram e triplicaram e continuam aumentando. Estima-se que 12,5 milhões de hectares em todo o mundo já são cultivados com sucesso desta maneira. (61) É ambientalmente saudável e acessível para os pequenos agricultores. Ela recupera terras agrícolas marginalizadas pela agricultura intensiva convencional. Ela oferece a única forma prática de recuperar as terras agrícolas degradadas pelas práticas agrícolas convencionais. Acima de tudo, ela capacita os pequenos agricultores familiares para combater a pobreza e a fome.
29. Pedimos a todos os governos para rejeitarem os transgênicos pela razão de que são perigosos e contrários a um uso ecologicamente sustentável dos recursos. Em vez disso, eles devem apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de métodos agrícolas sustentáveis que podem realmente beneficiar os agricultores familiares em todo o mundo.
A carta aberta está publicada no sítio Ecocosas, 07-06-2014. A tradução é de André Langer e é  carta é assinada por 815 cientistas de 82 países, entre os quais estão:
Dr. David Bellamy, Biólogo e artista, Londres, Reino Unido;
Prof. Liebe Cavalieri, Matemática Ecologista, Univ. Minnesota, EUA;
Dr. Thomas S. Cox, geneticista, Departamento de Agricultura de EUA. (aposentado), Índia;
Dr. Tewolde Egziabher, porta-voz para a Região da África, Etiópia Dr. David Ehrenfeld, biólogo / ecólogo da Universidade de Rutgers, EUA.;
Dr. Vladimir Zajac, Oncovirologista, Geneticista, Cancer Reseach Inst., República Checa;
Dr. Brian Hursey, ex-oficial superior da FAO para as doenças transmitidas por vetores, Reino Unido;
Prof. Ruth Hubbard, geneticista da Universidade de Harvard, EUA. Prof. Jonathan King, biólogo molecular, MIT, Cambridge, EUA.;
Prof. Gilles-Eric Seralini, Laboratoire de Biochimie y Moleculaire, Univ. Caen, França;
Dr. David Suzuki, geneticista, David Suzuki Foundation, Univ. Columbia Britânica, Canadá;
Dra. Vandana Shiva, física teórica e ecologista, Índia;
Dr. George Woodwell, Diretor, Centro de Pesquisa Woods Hole, EUA.;
Prof. Oscar B. Zamora, Agrônomo, U. de Filipinas, Los Baños, Filipinas.
Notas:
1. See World Scientists’ Statement, Institute of Science in Society website 
2. See Ho, M.W. and Traavik, T. (1999). Why Patents on Life Forms and Living Processes Should be Rejected from TRIPS 
– Scientific Briefing on TRIPS Article 27.3(b). TWN Report, Penang. See also ISIS News #3 and #4 
3. James, C. (1998,1999). Global Status of Transgenic Crops, ISAAA Briefs, New York.
4. Benbrook, C. (1999). Evidence of the Magnitude and Consequences of the Roundup Ready Soybean Yield Drag from University-Based Varietal Trials in 1998, Ag BioTech InfoNet Technical Paper No. 1, Idaho.
5. “Splitting Headache” Andy Coghlan. NewScientist, News, November 20, 1999.
6. “Metabolic Disturbances in GM cotton leading to fruit abortion and other problems”<">>'; document.write('http://www.fao.org/es/esd/at2015/toc-e.htm
10. This is now admitted in an astonishing series of articles by Shereen El Feki in The Economist (March 25, 2000), hitherto generally considered as a pro-business right-wing magazine.
11. Farm and Land in Farms, Final Estimates 1993-1997, USDA National Agricultural Statistics Service.
12. See Griffin, D. (1999). Agricultural globalization. A threat to food security? Third World Resurgence 100/101, 38-40.
13. El Feki, S. (2000). Trust or bust, The Economist, 25 March, 2000.
14. Meikle, J. (2000). Farmers welcome £200m deal. The Guardian, 31 March, 2000.
15. Farm Aid fact sheet: The Farm Crisis Deepens, Cambridge, Mass, 1999.
16. US Department of Agriculture now holds two new patents on terminator technology jointly with Delta and Pine. These patents were issued in 1999. AstraZeneca are patenting similar techniques. Rafi communique, March, 2000
17. Simms, A. (1999). Selling Suicide, farming, false promises and genetic engineering in developing countries, Christian Aid, London.
18. “Let Nature’s Harvest Continue” Statement from all the African delegates (except South Africa) to FAO negotiations on the International Undertaking for Plant Genetic Resources June, 1998.
19. Letter from Kilusang Mgbubukid ng Pilipinas to OECD, 14 Feb. 2000 
20. Farmer’s Declaration on Genetic Engineering in Agriculture, National Family Farm Coalition, USA, <">>'; document.write('http://plab.ku.dk/tcbh/PusztaiPusztai.htm>
38. Pat Phibbs, P. (2000). Genetically modified food sales ‘dead’ In EU Until safety certain, says consultant , The Bureau of National Affairs, Inc., Washington D.C. March 23, 2000.
39. See Ho, M.W. (1998,1999). Genetic Engineering Dream or Nightmare? The Brave New World of Bad Science and Big Business, Gateway, Gill & Macmillan, Dublin.
40. See Ho, M.W., Ryan, A., Cummins, J. (1999). The cauliflower mosaic viral promoter – a recipe for disaster? Microbial Ecology in Health and Disease 11, 194-197; Ho, M.W., Ryan, A., Cummins, J. (2000). Hazards of transgenic crops with the cauliflower mosaic viral promoter. Microbial Ecology in Health and Disease (in press); Cummins, J., Ho, M.W. and Ryan, A. (2000). Hazards of CaMV promoter. Nature Biotechnology (in press).
41. Reviewed in Ho, 1998,1999 (note 37); Ho, M.W., Traavik, T., Olsvik, R., Tappeser, B., Howard, V., von Weizsacker, C. and McGavin, G. (1998b). Gene Technology and Gene Ecology of Infectious Diseases. Microbial Ecology in Health and Disease 10, 33-59; Traavik, T. (1999a). Too early may be too late, Ecological risks associated with the use of naked DNA as a biological tool for research, production and therapy, Research report for Directorate for Nature Management, Norway.
42. N Ballas, S Broido, H Soreq, A Loyter (1989) Efficient functioning of plant promoters and poly(A) sites in Xenopus oocytes Nucl Acids Res 17, 7891-903.
43. Burke, C, Yu X.B., Marchitelli, L.., Davis, E.A., Ackerman, S. (1990). Transcription factor IIA of wheat and human function similarly with plant and animal viral promoters. Nucleic Acids Res 18, 3611-20.
44. Reviewed in Ho, 1998,1999 (note 37); Ho, M.W., Traavik, T., Olsvik, R., Tappeser, B., Howard, V., von Weizsacker, C. and McGavin, G. (1998b). Gene Technology and Gene Ecology of Infectious Diseases. Microbial Ecology in Health and Disease 10, 33-59; Traavik, T. (1999a). Too early may be too late, Ecological risks associated with the use of naked DNA as a biological tool for research, production and therapy, Research report for Directorate for Nature Management, Norway.
45. Kumpatla, S.P., Chandrasekharan, M.B., Iuer, L.M., Li, G. and Hall, T.c. (1998). Genome intruder scanning and modulation systems and transgene silencing. Trends in Plant Sciences 3, 96-104.
46. See Pawlowski, W.P. and Somers, D.A. (1996). Transgene inheritance in plants. Molecular Biotechnology 6, 17-30.
47. Reviewed by Doerfler, W., Schubbert, R., Heller, H., Kämmer, C., Hilger-Eversheim, D., Knoblauch, M. and Remus, R. (1997). Integration of foreign DNA and its consequences in mammalian systems. Tibtech 15, 297-301.
48. Draft Guidance for Industry: Use of Antibiotic Resistance Marker Genes in Transgenic Plants, US FDA, September 4, 1998.
49. See Letter from N. Tomlinson, Joint Food Safety and Standards Group, MAFF, to US FDA, 4 December, 1998.
50. See Barnett, A. (2000). GM genes ‘jump species barrier’. The Observer, May 28.
51. Forbes, J.M., Blair, D.E., Chiter, A., and Perks, S. (1998). Effect of Feed Processing Conditions on DNA Fragmentation Section 5 – Scientific Report, MAFF; see also Ryan, A. and Ho, M.W. (1999). Transgenic DNA in animal feed. ISIS Report, November 1999 
52. Mercer, D.K., Scott, K.P., Bruce-Johnson, W.A. Glover, L.A. and Flint, H.J. (1999). Fate of free DNA and transformation of the oral bacterium Streptococcus gordonii DL1 by plasmid DNA in human saliva. Applied and Environmental Microbiology 65, 6-10.
53. Reviewed in Ho, 1998,1999 (note 37).
54. Gebbard, F. and Smalla, K. (1999). Monitoring field releases of genetically modified sugar beets for persistence of transgenic plant DNA and horizontal gene transfer. FEMS Microbiology Ecology 28, 261-272.
55. See Ho, M.W., Ryan, A., Cummins, J. and Traavik, T. (2000). Unregulated Hazards, ‘Naked’ and ‘Free’ Nucleic Acids, ISIS Report for Third World Network, Jan. 2000, London and Penang 
56. Viewpoint, Henry Miller, Financial Times, March 22, 2000
57. See Pretty, J. (1995). Sustainable Agriculture, Earthscan, London; also Pretty, J. (1998). The Living Land – Agriculture, Food and Community Regeneration in Rural Europe, Earthscan, London; see also Alternative Agriculture: Report of the National Academy of Sciences, Washington D.C., 1989.
58. Rosset, P. (1999). The Multiple Functions and Benefits of Small Farm Agriculture In the Context of Global Trade Negotiations, The Institute for Good and Development Policy, Policy Brief No. 4, Oakland.
59. Mruphy, C. (1999). Cultivating Havana: Urban Agriculture and Food Security in the Years of Crisis, Institute for Food and Development Policy, Development Report No. 12, Oakland.
60. Altieri, M., Rosset, P. and Trupp, L.A. (1998). The Potential of Agroecology to Combat Hunger in the Developing World, Institute for Food and Development Policy Report, Oakland, California.
61. Peter Rosset, Food First Institute."

segunda-feira, 2 de junho de 2014


Porque os empresários não gostam de Dilma
.
Coluna Econômica de Luis Nassif - 30/5/2014

O jornal "Valor Econômico" tentou entender a razão dos empresários paulistas não gostarem de Dilma Rousseff. Entrevistou 15 deles. Não se trata de uma pesquisa científica, por refletir apenas a opinião de quinze executivos de grandes empresas e por não informar sequer os segmentos em que atuam. Mas é fidedigna.

Entre as críticas principais, o fato de Dilma ter deixado de formular um projeto para o país; de ter nomeado uma equipe ministerial medíocre; de ter centralizado as decisões tirando o poder dos Ministérios; de ter abandonado as reformas estruturais.

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Não se duvida de seu espírito desenvolvimentista. Tanto que alguns deles temem que, com Aécio Neves, por exemplo, volte o padrão de FHC, de não articular nenhum forma de política industrial. Mas a maioria demonstra desconhecimento sobre o que pensam e o que fariam Aécio e Eduardo Campos.

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Dilma tem, portanto, a vantagem (para esse meio) de depender apenas dela para ganhar o jogo. É reconhecida como desenvolvimentista, séria, patriota e bem intencionada. Mas com uma teimosia e uma insensibilidade política tal, que gera ou desânimo ou revolta.

O último voluntarista que morou no Planalto foi Itamar Franco. Apesar de um ser humano agradabilíssimo, um tio neurastênico e querido, a irracionalidade de sua teimosia gerava um desânimo profundo.

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Como as críticas contra ela não são de fundo, mas de forma, esperar-se-ia que, mudando o estilo, Dilma pudesse ser melhor aceita. Mas o dado mais desanimador da pesquisa é que apenas 3 dos 15 entrevistados acreditam em um segundo governo Dilma melhor que o primeiro.

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Esse mesmo sentimento de desânimo é compartilhado por outros setores da sociedade e até mesmo pelos corpos técnicos do governo - sempre dispostos a abraçar grandes causas legitimadoras. Até agora, Dilma não deu o menor sinal de que entendeu as vulnerabilidades gerenciais de seu estilo de governar.

Esta semana, por exemplo, assinou um conjunto de decretos institucionalizando comissões de cidadãos para ajudar a opinar em temas ligados às políticas sociais. Poderia ser um grande avanço para aprofundar a democracia social.

Qual o significado desse gesto? Com toda sinceridade, nenhum. Em momentos críticos, de desgaste, Dilma apelou recorrentemente para encontros com empresários, sindicalistas e até líderes de movimentos sociais. Mas foram encontros sem continuidade, como se bastasse a mera honraria de serem recebidos pela Presidente da República para aplacar mágoas e desesperanças.

Esse método não cola mais.

Se quiser recuperar legitimidade, fazer renascer as esperanças para um segundo mandato mais profícuo, Dilma terá que avançar muito mais. Terá que dar mostras efetivas de que a Dilma racional conseguiu dominar a fera teimosa que habita dentro dela. Que o voluntarismo, que a fez colocar em xeque desde o modelo elétrico até políticas de inclusão de crianças com deficiência, pertencerá efetivamente ao passado.

Terá que mostrar intolerância para com os auxiliares medíocres, entender a necessidade de montar um Ministério com oficiais generais, e não com cabos e sargentos que não sabem dizer não.



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CONSTITUIÇÃO E PODER
Paradoxos atuais e individualismo
sem limites pervertem a democracia

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO 02.06, 02 de junho de 2014, 14:21h
Por Marco Aurélio Marrafon

Tempos paradoxais
Ao estudarmos as características da civilização atual, aprendemos com Gilles Lypovetsky que os pilares da modernidade estariam hipertrofiados, de modo que vivemos a época do hiperindividualismo, da hiperciência e do hipermercado[1]. Contudo, de outro lado, considerável parcela de pensadores contemporâneos defende leituras diametralmente opostas e postulam a existência de uma crise da subjetividade e da racionalidade moderna, típicas do que se denomina de período pós-moderno.

Assim, a filosofia e a ciência passaram a ser caracterizadas pela complexidade e fragmentação, onde não mais subsiste uma fundamentação metafísica clássica que dê conta do todo. Teria se instaurado um ambiente niilista, no qual a verdade é uma metáfora do intelecto, perdendo sua superioridade ante ao erro.

Nesse contexto, revela-se a impossibilidade de se compreender o humano e explicar o mundo a partir de um único sistema filosófico, de modo que as noções de provisoriedade, temporalidade e comprometimento histórico do saber ganham força, mostrando que vivemos um momento de crise ou de transição paradigmática, conforme terminologia consagrada de Thomas Kuhn.

E os paradoxos multiplicam-se. Em época tão rica, propícia para a criatividade e para a livre de produção de ideias, ou seja, para o exercício da liberdade individual, a dissolução tecnológica da privacidade faz com a essa liberdade sofra grande controle social. Ideias tidas como inconvenientes são ridicularizadas. Reproduzem-se nas redes sociais mensagens e “memes” linchando pessoas e queimando reputações. Vivemos em um país democrático, mas professores dão aulas medindo palavras, temerosos com as consequências de suas falas. Qualquer mal-entendido ou dissabor ofende e tem potencial para gerar processo judicial. Dissolve-se a autorictas. Tudo é permitido e nada é permitido. Justamente por ser tudo permitido, a ausência de limites aniquila a liberdade do próximo.

Mundo sem limite
Na tentativa de entender esses fenômenos, os psicanalistas, em especial Jean-Pierre Lebrun e Charles Melman, fazem o diagnóstico de que há uma nova formação da economia psíquica, promotora de um mundo sem limite.

Na obra Um mundo sem limite — ensaio para uma clínica psicanalítica do social, Lebrun explica que essa situação é oriunda da perda do que se entende, em psicanálise, por figura do Pai (que não é necessariamente pessoa física, mas antes o lugar do limite, a função da castração que, ao mesmo tempo, institui a ordem psíquica do sujeito e fixa o desejo)[2].

Como decorrência, há um esvaziamento de autoridade que tem proporcionado o que, segundo Melman, pode ser pensado como uma nova economia psíquica, isto é, um modo egocêntrico de pensar, viver, trabalhar, relacionar-se com a família e com as instituições sociais, assentado na exibição do prazer, que é buscado a qualquer preço[3].

Ora, na leitura psicanalítica clássica, a formação do sujeito se dá com a interdição/limite imposto pelo Outro, negatividade que gera ausência e, ao mesmo tempo, desejo. Nesse processo, baseado no recalque, o sujeito cresce e amadurece socialmente. Já a nova economia psíquica é caracterizada por uma lógica que evita a subjetivação, o desprazer, abrindo o primado das sensações sobre os limites sociais e, assim, inibe a formação para a cidadania.

Em um mundo sem limites, qualquer forma de desprazer (ainda que imediato, temporário e educativo) é rechaçada, pois importa o gozo-espetáculo, o amor midiático e, para alcançá-lo, todos os meios são permitidos, até mesmo o imbróglio, a fraude.

Nesse novo quadro, não há mais referenciais éticos que direcionem as condutas das pessoas.

Uma democracia pervertida
No campo sociológico, o individualismo originado da perda da subjetivação clássica gera um forte relativismo ético que se verifica no pluralismo axiológico, multiculturalismo com grande diversidade nas expectativas normativas e o reconhecimento geral do aumento da complexidade sistêmica, formando um conjunto de fatores que consome a possibilidade de tradições estáveis e impede a formação de uma imagem antropológica coerente do homem atual[4]. Daí a resistência ao cumprimento de regras sociais básicas e o excessivo egocentrismo de muitos que possuem grande dificuldade de lidar com o “não”. “O céu está vazio” e “não há mais impossível”, diz Melman[5].

A partir desses pilares, a nova economia psíquica tem levado a profundas consequências no modo de realizar a democracia. Na obra A perversão comum — vivendo juntos sem o outro, Lebrum conclui que houve a morte da sociedade hierárquica e, nesse contexto, o coletivo não serve mais à castração, ao lugar do Outro. Operou-se, assim, a dissolução entre o singular e o coletivo sem que houvesse novo substituo ao individualismo que ele diagnostica como perverso[6].

Perverso porque, conforme suas palavras, “a perversão é uma estrutura psíquica que visa essencialmente à satisfação. Ela se serve do outro, sem perguntar o ponto de vista, se estar de acordo, o que quer que seja. Ela desmente também a diferença de sexo ou de geração. Esse é o perverso doente. Mas hoje existe essa noção de perversão que pode também designar sujeitos sem serem doentes, mas organizados por este funcionamento. Trata-se de uma tendência, sem que haja uma patologia” (disponível neste link).

Forma-se, assim, o neosujeito que, ante ao vazio da existência e a ausência de limites, busca grande quantidade de sensações intensas, aderindo de maneira incontrolável à lógica do consumo (da ostentação?).

Essa conduta, uma vez generalizada, ocasiona a perversão comum que solapa as possibilidades de uma democracia forte, já que, com o esfacelamento do coletivo, prevalece o espírito de facção, a defesa irrestrita de próprios interesses, por mais fugazes e imediatos que sejam. Eis uma das chaves da intolerância, da indiferença com as vítimas do sistema, da negação/encobrimento do diverso/diferente. Uma democracia em que se vive junto, sem o outro.

Todavia, essa tensão com o outro é inevitável e imprescindível para uma democracia saudável. Não há possibilidade eficaz de representação legítima em uma sociedade hiperfragmentária formada por neossujeitos, com plena dificuldade de aceitar regras.

Como consequência promove-se grave crise de legitimidade nas instituições e torna-se bastante problemática a adequação das convicções individuais a sistemas normativos gerais, que perdem legitimidade em função da distância entre “ser” e “dever-ser”.

Sem referenciais éticos e limites compartilhados socialmente, prevalece o individualismo — correto é fazer aquilo que eu acredito que seja correto — donde a grande dificuldade da imposição de normas, seja ela a reprovação por insuficiência no rendimento acadêmico, a proibição de se espancar mendigos ou atear fogo em índios ou mesmo a compreensão de que direitos fundamentais também admitem restrições e que, não é porque se tem uma boa causa, que grupos minoritários podem fazer tudo que desejam, causando transtorno e prejuízos a milhares de pessoas.

Daí o desafio da era contemporânea: fazer com que o sujeito encontre seus limites e reconheça seu laço com o coletivo a partir de sua singularidade e sem recorrer à tradicional estrutura hierárquica. É o que Lebrun chama de uma nova responsabilidade sujeito — com os outros, sem perversão — pois a responsabilidade apenas será eficaz se comprometida com a dimensão coletiva e a subjetividade do próximo.

Nesse processo, penso que a reconstrução da legitimidade normativa e o resgate da importância de se observar regras gerais é um sofrimento que não pode ser dispensado.

[1] LIPOVESTSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. Trad. Mário Vilela. 2 reimp. São Paulo: Barcarolla, 2005.
[2] LEBRUN, Jean-Pierre. Um mundo sem limite. Ensaio para uma clínica psicanalítica do social. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora, 2004.
[3] MELMAN, Charles. O Homem sem gravidade: gozar a qualquer preço - Entrevistas por Jean-Pierre Lebrun. Trad. Sandra Regina Felgueiras. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2006.
[4] VAZ, Henrique Cláudio Lima. Escritos de Filosofia II: ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1988. p. 169.
[5] MELMAN, Charles. Op. cit., p. 16-17.
[6] LEBRUN, Jean-Pierre. A perversão comum. Viver juntos sem outro. Trad. Procópio Abreu. Rio de Janeiro: Companhia de Freud Editora, 2008.
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Marco Aurélio Marrafon é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, Professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Advogado.