segunda-feira, 22 de abril de 2013




VISÃO DO CORREIO »   Universidade sem doutores.  CORREIO BSB 22.04


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Pior do que errar é não reconhecer o erro. É colocar o medo do desgaste pessoal acima das consequências da falha cometida. Por isso mesmo, se errar é humano, corrigir é virtude para o comum dos mortais e obrigação irrecusável para a autoridade. Está, portanto, correto o Ministério da Educação (MEC) em reconhecer o absurdo patrocinado por lei de autoria do Executivo aprovada em 2012 e que entraria agora em vigor.

Ao regular a admissão de funcionários no serviço público federal, a norma impôs, sem reservas, que a entrada deve se dar pelo nível mais baixo das carreiras, sendo, portanto, vedada a exigência de diplomas de pós-graduação. O resultado é que as universidade federais somente poderiam fazer concursos para auxiliares de ensino, dos quais somente se pede a graduação.

Elas ficariam, então, impedidas de exigir ou dar pontuação extra para os candidatos a professores que tenham concluído mestrado, doutorado ou pós-doutorado. Uma trapalhada capaz de anular a liberdade que devem ter as universidades de preencher seus quadros docentes com o que de melhor e mais bem preparado houver na inteligência do país.

Um equívoco de consequências tão nefastas para a busca da qualidade do ensino superior no Brasil que é incompreensível que tal projeto tenha tramitado intacto pelo Congresso Nacional. Entidades representativas dos reitores e de professores universitários afirmam que tentaram chamar a atenção do MEC para a necessidade de intervir na redação do texto, mas não foram ouvidas.

Alertado para o desastre, o MEC reconheceu que lhe cabe providenciar que o governo envie com urgência um projeto de lei ou medida provisória corrigindo a falha e devolvendo a autonomia às universidades para que possam realizar concursos com todas as exigências para preencher seus quadros.

O episódio expõe o improviso e a falta de cuidado com as decisões relativas à educação, setor que deveria ser prioridade inquestionável de qualquer governo. De fato, não têm faltado demonstrações de que carecem de visão de longo prazo e de adequado planejamento várias medidas que introduzem mudanças operacionais e mesmo estruturais no sistema de ensino e nos processos de avaliação.

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) só agora vem ganhando confiabilidade, depois de anos de trapalhadas que refletiam improvisação e inexperiência de seus gestores. Mais recentemente, a atualização da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional estabeleceu que as crianças terão de ser matriculadas numa escola aos  4 anos de idade, a partir de 2016.

É medida que já vem tarde. Vai garantir acesso à pré-escola aos menos favorecidos e aumentar a média de anos de estudos no Brasil, uma das menores do mundo. Mas nem por isso deveria ter sido tomada sem levar em conta que faltam professores e tempo para prepará-lo adequadamente para essa delicada missão. Sem contar que se trata de tarefa e custo que recairá sobre os municípios, sabidamente a esfera de poder que fica com a menor fatia do bolo tributário.



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Em defesa da sala de aula
Vencedor do Nobel de Física propõe, na revista Science, que professores universitários não valorizem apenas a pesquisa e se dediquem mais à formação dos futuros cientistas. Para especialistas brasileiros, falta de interesse pelo ensino também é um problema no país.  CORREIO BSB 19.04

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Aula na Universidade de Brasília: especialistas apontam necessidade de maior contato entre mestres e alunos nas instituições brasileiras


Apesar de a educação ser reconhecida há um bom tempo como direito fundamental e essencial ao ser humano, ainda hoje existem vários desafios a serem superados. Os problemas não se limitam aos países mais pobres. As grandes potências econômicas também são confrontadas com a árdua tarefa de identificar e reverter os principais obstáculos ao progresso do ensino básico e superior. A renomada revista científica Science traz na edição desta semana um especial que discute vários aspectos envolvidos na aprendizagem e no processo de construção do conhecimento. Em artigos independentes, pesquisadores abordam as barreiras encontrados nas salas de aula, na estrutura do sistema de ensino, ou mesmo na sociedade envolvente.

Um dos grandes destaques da publicação é o trabalho do físico estadunidense Carl Wieman, que recebeu o Nobel de Física em 2001 pela criação experimental do condensado de Bose-Einstein. Reconhecido por desenvolver pesquisas de ponta, o físico também é engrandecido por seu empenho nas salas de aula. Segundo ele, a forma como a maioria dos centros de pesquisa na América do Norte ensina ciência aos alunos de graduação é pior do que ineficaz, “é anticientífico”. Desde que tomou para si a missão de educador, Wieman diz não entender por que as instituições de ensino superior ainda hoje desconsideram décadas de pesquisas que mostram a superioridade da aprendizagem ativa em relação aos tradicionais 50 minutos de palestra em que o professor fala, e os alunos somente escutam.

A aprendizagem ativa é o processo pelo qual um comportamento é modificado pela experiência, um método que pode ser aplicado em salas de aula presenciais ou a distância. Ela envolve atividades destinadas a promover o desenvolvimento físico, intelectual e emocional dos alunos. O que pode incluir jogos, educação sensorial, socialização, incentivo ao raciocínio lógico e mesmo educação física. Outro elemento ressaltado pelo vencedor do Nobel é a prática deliberada, que consiste, basicamente, em investir horas praticando aquilo que se quer aperfeiçoar ou aprender. A ideia, desenvolvida pelo psicólogo K. Ander Ericsson, da Universidade do Estado da Flórida, entende o cérebro como um músculo que precisa ser exercitado para funcionar em seu pico. Então, assim como um atleta treina rigorosamente para alcançar uma performance de elite, os alunos precisam ser incentivados a resolver um conjunto de tarefas ao mesmo tempo desafiadoras e factíveis para um bom desenvolvimento cognitivo.

Nisso, o papel do educador é fundamental. “Há toda uma indústria dedicada a medir o quão importante minha pesquisa é, ou em mensurar qual é o impacto de meus artigos. No entanto, nós nem mesmo coletamos informações sobre a maneira que eu ensino. Isso não recebe atenção nenhuma”, reclama Wieman em seu artigo na Science. Ele defende que, se o ensino permanecer ofuscado, as universidades se acomodarão a dedicar o mínimo possível para tornar o ensino eficaz e continuarão investindo a maior parte do tempo e dinheiro em pesquisa. Longe de desconsiderar a importância da produção de conhecimento a partir das pesquisas, o que o físico defende é uma equiparação das duas bases, que são fundamentais dentro da lógica do ensino superior.

Status
No Brasil, apesar das diferenças, muitas das críticas expostas por Wieman são compartilhadas por pensadores da educação. Remi Castioni, professor da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília (UnB), lamenta o fato de hoje o professor não ser valorizado porque dá aula. “Se pudesse, grande parte dos professores universitários não dariam aula. Ficariam trancados no laboratório produzindo artigos, porque é o que dá status. Você é valorizado pelo número de artigos em periódicos.” Nesse contexto, o mínimo de oito horas semanais de aulas efetivas para os professores das instituições federais — definidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional — acabam se tornando o máximo, diz Castioni. “Dificilmente, você consegue fazer um professor na universidade dar mais de oito horas aula por semana. O problema também é que poderíamos ter outro formato. Atividades como encontros e a organização dos alunos em grupos menores de tutoria também poderiam ser contabilizadas como horas-aula”, opina.

Para o pedagogo, o ideal seria uma combinação entre ensino e pesquisa, além de uma reorganização do espaço da ocupação docente. Uma das estratégias propostas por ele é estimular que as sumidades de cada curso, os professores com grande destaque, por sua evolução na carreira acadêmica, sejam colocadas para dar aulas introdutórias para os calouros, e não só para as disciplinas avançadas. Segundo ele, isso poderia estimular os jovens que acabaram de ingressar na universidade a se interessarem pelo curso. Outra questão é evitar a evasão dos alunos de destaque para os laboratórios logo no início de sua trajetória acadêmica. “Nas licenciaturas, o aluno que se destaca em química, física, biologia é imediatamente recrutado para o laboratório e abandona a licenciatura. Nossos cursos têm uma competição interna muito forte. Com isso, perdemos um potencial de grandes professores”, lamenta.

Clarilza Prado de Sousa, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP), acrescenta que, enquanto na pós-graduação, os professores pesquisam em conjunto com o aluno e estabelecem uma relação mais próxima, na graduação, o contrato do professor precisa equilibrar melhor as horas exigidas na sala de aula. “A estrutura de contrato do trabalho do professor tem que levar em consideração as horas que ele gasta para planejar as aulas.” Para ela, uma avaliação do ensino superior adequada não pode analisar somente o conteúdo ensinado em cada curso, mas é importante também avaliar as condições oferecidas pela universidade. Nesse ponto, entraria a qualificação do professor, se ele tem tempo para organizar as aulas e os próprios resultados de aprendizagem dos alunos.








Quatro perguntas para

           


Paulo Speller, secretário de Educação Superior do Ministério da Educação

No Brasil, também existe dificuldade de conciliar pesquisa e ensino, como está se debatendo nos Estados Unidos?
A própria definição de universidade implica na produção científica, e o locus privilegiado dessa produção são as universidades. Então, deve-se esperar que um professor, na sua carreira, busque a produção científica dentro da perspectiva da relação indissociável de ensino, pesquisa e extensão. Pesquisa aparece em primeiro lugar, porque, quando você fala em extensão e ensino, você necessita de uma base de produção que vai ser ensinada e estendida à sociedade. Então, o pilar da universidade é a pesquisa. Talvez o professor Carl Wieman, ao falar da realidade dos Estados Unidos, aponte uma situação relativamente diferenciada. Lá, você tem um processo que se aproxima da universalização do acesso ao ensino superior, que se dá fundamentalmente por meio dos colleges. Eles são, muitas vezes, a base inicial, um primeiro ciclo da formação superior. A maioria não tem laboratórios de pesquisa e programas de pós-graduação, que você vai encontrar nas universidades. Essa diferenciação existe, mas uma universidade sem pesquisa, sem produção científica, sem cursos de pós-graduação, não é uma universidade.

Qual é o desafio do Brasil para o ensino superior?
Um dos desafios é buscarmos atender o projeto que está tramitando no Congresso Nacional prevendo 30% dos nossos jovens adultos, de 18 a 24 anos, matriculados em cursos de nível superior. O Brasil começou muito tarde, nossa primeira universidade vem do século passado. Ainda que você tenha tido as primeiras universidades com a vinda da Corte portuguesa, em 1808, foram nos últimos 60 anos que começou o processo de criação de novas universidades. Por isso, essa questão quantitativa é importante. Junto, temos que ter a qualidade. Não adianta você expandir sem qualidade. Apesar de existir uma discussão sobre o que é qualidade, estamos falando de uma pertinência social e que atenda as demandas de crescimento do país. Você deve ter a preocupação de incluir os diferentes estratos da população e atingir todas as regiões e, ao mesmo tempo, atender demandas de crescimento econômico.

O senhor pode dar um exemplo?
Você pode pegar a discussão referente à necessidade de engenheiros. O país não tem um número suficiente. Então, você tem uma política de Estado com programas específicos, alocação de recursos para abertura de novos cursos. Os resultados já começam a aparecer. Na semana passada, tivemos a notícia de que a matrícula nos cursos de engenharia já supera a dos cursos de direito. Estamos caminhando paulatinamente para uma efetiva universalização do acesso ao ensino superior, com novas instituições, ensino a distância com maior qualidade, tecnologias de informação em comunicação. Ao mesmo tempo, você tem que trazer a preocupação de uma educação básica de qualidade, que é por onde passam a criança e o jovem antes de chegar à universidade.

E como evitar a evasão e garantir a permanência dos alunos no ensino superior?
Hoje, existe um programa nacional que investe R$ 500 milhões nas universidades federais para permitir programas de auxílio-moradia, transporte e alimentação. Não basta criar e interiorizar universidades, fazer lei de cotas, se você não dá condições objetivas para que o aluno permaneça até o fim do curso, um local para ele comer, morar e formas de se deslocar. É um desafio colocado para reverter os índices de evasão, que são preocupantes. São com ações desse tipo, materialmente identificadas, que você vai enxergar como reverter esse quadro. Esses recursos ainda precisam crescer, e vão crescer.



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Constituição sem avanços na proteção do mar
LEANDRA GONÇALVES E MARCIA HIROTA
Fundação S.O.S. Mata Atlântica.  CORREIO BSB 22.04

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Em outubro, a Constituição Federal completará 25 anos. Durante esse período, algumas diretrizes constitucionais se consolidaram e trouxeram benefícios concretos de sua existência. Maior prova disso é o caráter democrático, ao qual o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães, baseou-se para chamá-la de Constituição Cidadã. Outras ainda precisam ser fortalecidas, enquanto ainda temos questões fundamentais que nem sequer deram o primeiro passo de vida nesse um quarto de século. É o caso do meio ambiente.

Segundo o art. 225, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Porém, até os dias de hoje, em cumprimento ao que determina a Constituição Federal, o único bioma que possui uma lei específica é a Mata Atlântica.

 Os desafios ligados simultaneamente à proteção dos recursos naturais e à manutenção da qualidade de vida das populações estão associados à implementação de um modelo de desenvolvimento, com condições mínimas de sustentabilidade.

Vários estudiosos da questão ambiental defendem o estabelecimento de uma sociedade sustentável que incorpore o uso racional e criterioso dos recursos naturais, em sintonia com a melhoria da qualidade de vida. Essa posição, inevitavelmente, impõe a redefinição das relações homem–natureza, já que esse conceito pressupõe o reconhecimento de limites à intervenção econômica e a adoção de uma conduta mais equilibrada diante da natureza, uma vez que cada indivíduo (país ou sociedade), ao adotar seu estilo de vida, torna-se corresponsável pelos impactos que produz sobre o ambiente.

Hoje, a Mata Atlântica já foi incorporada aos valores da sociedade, o que contribui para sua proteção. Trata-se da região mais habitada do país e, dessa forma, os desafios ligados simultaneamente à proteção desses patrimônios da nação para as futuras gerações e à manutenção do bem-estar e da qualidade de vida das pessoas estão associados à implementação de um modelo de desenvolvimento, com condições mínimas de sustentabilidade, ainda não alcançado.

Ao ampliarmos o olhar para outra grande porção territorial brasileira — o mar — estamos realmente mais distantes do que a Terra está do Sol em termos de preservação. Embora 25% da população brasileira viva na zona costeira e mais de 4 milhões de brasileiros utilizem de seus recursos naturais para a sobrevivência, parece que o Brasil está de costas para o mar.

Toda política pública ambiental brasileira foi feita baseada em atividades terrestres, em uso da terra, em áreas protegidas na Amazônia, e faz-se sempre o difícil e praticamente impossível exercício de aplicá-las às questões marinhas.

Considerando o que temos até hoje de legislação, podemos encontrar pontos bastante positivos no Plano Nacional do Gerenciamento Costeiro, que também celebra bodas de prata. No entanto, estamos longe de poder comemorar. O plano carece de implementação e necessita de reforços estruturais e institucionais. Além disso, refere-se apenas ao território costeiro e à faixa marítima de até 12 milhas náuticas, ou seja, não inclui a zona econômica exclusiva (ZEE) — área de rica biodiversidade e abundância de recursos naturais.

As soluções para combater a degradação dos oceanos começam com a adoção de uma Política Nacional para os Oceanos, que seja acordada de forma participativa e que considere o papel dos oceanos em escala global para o lazer, locomoção, alimentação e para a preservação da biodiversidade e dos estoques pesqueiros.

Para que seja possível celebrar as grandes alegrias de uma bodas de prata, é necessário olhar para o mar. E, das páginas do Livro dos abraços, do uruguaio Eduardo Galeano, vem a lição do que precisa ser feito, tanto pelos governos como pela sociedade civil. Conta o escritor que, quando o menino Diego viu o mar pela primeira vez, ficou mudo. Quando finalmente conseguiu falar, pediu ao pai: “Me ajuda a olhar”.

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CINEMA »  A voz potente da Ceilândia
Longa-metragem discute o controverso papel de ocupação dos operários no Distrito Federal e que deu origem à cidade.  CORREIO BSB 19.04


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Adirley Queirós e Nancy Araújo em A cidade é uma só?: hoje, às 8h30, na Universidade de Brasília


Um protesto sem hasteamento de bandeiras foi feito na programação paralela do 44º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro contra as políticas culturais no DF. A cidade é uma só?, primeiro longa-metragem do diretor ceilandense Adirley Queirós, foi retirado pelo próprio realizador  da mostra paralela do festival. Desde então, o título que recebeu prêmios nos Festivais de Tiradentes, Rio e Fórum Doc de Belo Horizonte nunca foi exibido em Brasília. A primeira sessão oficial no Plano Piloto será feita em sessão matinal da mostra Luz, câmera, UnB 50 Anos em filmes, hoje, às 8h30, no auditório da FAC (ICC Norte). Em maio, está prevista a estreia em salas comerciais, com lançamento feito pela distribuidora Vitrine Filmes.

Uma aproximação temática entre A cidade é uma só? e o documentário Conterrâneos velhos de guerra (1990), de Vladimir Carvalho, promove um encontro entre duas gerações de cinema do Distrito Federal. Uma das vertentes do doc de Vladimir (lançado em DVD somente agora pelo Instituto Moreira Salles) é a marginalização dos trabalhadores da construção de Brasília, retirados da Vila IAPI, no centro da cidade, e movidos para a região que mais tarde viria a se chamar Ceilândia.

Quarenta anos depois, Queirós redescobre a Campanha de Erradicação de Invasões, cuja sigla CEI daria origem ao nome Ceilândia por meio da história real da cantora e radialista Nancy Araújo, recrutada ainda na escola primária para participar das gravações do jingle da campanha que a levaria com a família para a periferia do DF. O cineasta constrói narrativas paralelas com inclusão de dois personagens fictícios, correspondentes, a segunda geração de ceilandenses. Distanciando-se do recente ciclo da favela no cinema nacional (onde a questão da violência urbana era preponderante) e anos luz de distância do marxismo do cinema novo, A cidade discorre sobre a utopia de igualdade na nova capital pelo ponto de vista daqueles que não habitam nela e explícita o problema da novo arranjo urbano do DF, promovido pela gula da especulação imobiliária recente.



MOSTRA LUZ, CÂMERA, UNB 50 ANOS EM FILMES
Hoje, às 8h30, no Auditório da FAC (ICC Norte), exibição do longa-metragem A cidade é uma só?, de Adirley Queirós. Sessão seguida de debate “A política de cultura e de cinema no DF e no Brasil”, com Leopoldo Nunes, secretário Nacional do Audiovisual(MinC), Hamilton Pereira, secretário de Cultura do DF, o cineasta Adirley Queirós e o presidente da Associação Brasiliense de Cinema e Vídeo (ABCV), André Carvalheira. Mediado pelo diretor da FAC/UnB, David Renault. Entrada franca. Não recomendado para menores de 12 anos.


TRÊS PERGUNTAS// ADIRLEY QUEIRÓS

           

Como surgiu a ideia do Partido da Correria Nacional e do candidato a deputado distrital?
Queria mostrar o partido de um homem só. O candidato a deputado distrital (e presidente do partido) é um faxineiro e o empresário dele é tão f… quanto ele. O Partido da Correria Nacional é isso, um núcleo do proletariado que foi esquecido. A construção política nos espaços periféricos é muito confusa. Olhe para as representações das periferias no Senado e na Câmara? A esquerda que está aí não me representa. Por mais que tenha havido avanços no país, a esquerda assumiu o comportamento de centro direita.

A cidade e O som ao redor (Kleber Mendonça Filho) são dois filmes nacionais recentes pintados com as tintas dos contrastes sociais que não vitimizam os personagens marginalizados. Como encontrar o equilíbrio?
Nos dois filmes, os personagens conseguem se articular e experimentar o espaço, sem necessariamente depender do Estado. Não são coitados, não são mocinhos. Me incomoda muito quando o marginal (a pessoa que vive fora do centro) vira bom moço. Por que esse cara marginal tem de ser politicamente correto? É a ideia que o que tudo vai se acalmar no futuro e que o paciente vai ter paciência para sempre. O bom mocismo é um tipo de exclusão, esvazia o discurso político.

Como o coletivo CeiCine elabora as histórias sobre diferenças sociais, evitando o academicismo do cinema novo e sem exibir a violência explícita do ciclo de favela?
Desde Dias de greve (curta—metragem), a gente discutia na CeiCine como o operário se organiza e como essa discussão é feita de cima para baixo pela gramática política. No cinema novo, tem muito isso. os intelectuais jovens de elite tentam organizar o discurso da favela. O que a gente concluiu é que essa discussão tem de ser feita na nossa base. Temos mais dúvidas do que certezas, mas a gente quer que a discussão passe por aquelas formas e por aquele conteúdo. Se o personagem fala rápido, ele fala por que a gente quer. É acertar e errar. A partir daí, a gente constrói os personagens e a relação com o espaço e com o tempo.


Os personagens

Dildu (Dilmar Durães)
Morador de Ceilândia, Dildu dá duro como faxineiro no Plano Piloto. Fundador do Partido da Correria Nacional (PCN), concorre as eleições para deputado distrital com um jingle de campanha sincopado e gângster.

Zé Antônio (Wellington Abreu)
Um especulador imobiliário de pequeno porte. Mexe com compra e venda de lotes nas cidades satélites enquanto ajuda o cunhado, Dildu, durante a campanha para deputado distrital.

Nancy Araújo
A cantora e radialista Nancy Araújo foi uma das crianças recrutadas para gravar o jingle da Campanha de Erradicação de Invasões (CEI), na década de 1970. Adulta, Nancy compõe letras de música com visão crítica a respeito da expulsão dos moradores da Vila IAPI. É a única personagem real do filme.

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As histórias de Stefan Zweig
Os encantos e desencantos do escritor austríaco apaixonado pelo Brasil são analisados pela lente atual de alberto dines.  CORREIO BSB 19.04

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É preciso ler até a metade do capítulo 17 de Maria Antonieta — Retrato de uma mulher comum para entender o fascínio de Stefan Zweig por sua biografada. A rainha odiada pela população e símbolo da ostentação e do fim da monarquia francesa ganha uma dignidade muito humana quando percebe, finalmente, estar diante da história. Com o desterro antes da guilhotina, Maria Antonieta passa da rainha boba, mimada e alienada a uma grande mulher.

Que não se espere de Zweig uma análise de historiador sobre o personagem ou um ensaio crítico sobre a Revolução Francesa. É pela monarca austríaca que o autor se apaixona. Assim como se encanta pelo navegador em Fernão de Magalhães — O homem e sua façanha. Biógrafo com obsessões de arqueólogo, Zweig não precisa se declarar arrebatado pelos biografados para deixar claro o quão se envolveu com os personagens.

Essa relação foi de grande valia para o jornalista Alberto Dines quando começou a preparar a história da vida do escritor austríaco, ainda nos anos 1980. Como um biógrafo precisa das reticências para encerrar seus livros, a quarta edição de Morte no paraíso— A tragédia de Stefan Zweig chega aos 32 anos sem ponto final, mas reescrita e incrementada com informações que ajudam a desenhar um perfil mais preciso do austríaco.

Além do relançamento da biografia, Zweig retorna às prateleiras das livrarias brasileiras com uma série de reedições de títulos esgotados desde a década de 1980. É o caso de Maria Antonieta, a biografia mais apaixonada do escritor, Três novelas femininas, que inclui a celebrada 24 horas na vida de uma mulher e Mundo insone — Outros ensaios, organizado pelo próprio Dines. “Jornalisticamente é muito interessante porque tem ensaios inéditos. Tentei fazer uma espécie de biografia intelectual dele. Pego os primeiros ensaios e vou acompanhando até o último, escrito em Petrópolis”, avisa o jornalista. A Zahar tem ainda o projeto de reeditar a obra completa do escritor em colaboração com a Casa Stefan Zweig.

País do futuro
Zweig chegou ao Brasil em 1936. Judeu nascido em Viena, já havia emigrado para a Inglaterra em 1933, quando Adolf Hitler chegou ao poder e começou a esboçar as regras antisemitas que marcariam o nazismo. O escritor queria conhecer a América Latina e embarcou em um navio para participar de um congresso do Pen Clube, em Buenos Aires, mas antes parou no Rio de Janeiro e se encantou pelos trópicos. Quatro anos depois, com a Segunda Guerra já em andamento e a tragédia do Holocausto arquitetada, Zweig decidiu se mudar de vez para o Brasil. De tão sério, o compromisso com a ideologia pacifista afastava o escritor de qualquer situação relacionada à guerra. Zweig se recusava até mesmo a falar sobre o assunto. No Brasil, ele acreditava encontrar um paraíso protegido do conflito bélico disseminado pela Europa.

Durou dois anos o deslumbre com o suposto pacifismo brasileiro. Na visão ingênua do autor, o Brasil era um país tolerante e nada racista, uma nação multirracial capaz de inspirar a escrita de Brasil, um país do futuro. Publicado em 1941, o ensaio fez de Zweig — cujo rótulo de escritor famoso o transformou em celebridade em 1936 — um alvo para boa parte da crítica literária e da intelectualidade brasileira na época. Muitos encaram o livro como um elogio à ditadura de Getúlio Vargas.

Na biografia, Dines reproduz trechos de pelo menos cinco artigos destinados à desconstrução do texto do austríaco. “As pessoas queriam atacar o governo brasileiro, mas não tinham coragem, porque era uma ditadura, então preferiam atacar o Zweig, achando que era financiado pela ditadura. É uma das coisas terríveis: o cara se encanta pelo povo e logo vão achar que ele é financiado pelo governo”, lamenta. O curioso é ninguém ter lembrado dos motivos que levaram um judeu a fugir da Europa nem da condição pró-fascista de Vargas. Em 1936, enquanto o então presidente recebia o escritor famoso, Olga Benário, a judia comunista alemã casada com Luís Carlos Prestes, era deportada para a Alemanha para ser entregue aos nazistas.

Na casa em Petrópolis, na qual morou com a segunda mulher, Lotte, Zweig ainda escreveria o clássico Histórias de xadrez e a autobiografia O mundo que eu vi antes de se desiludir com o Brasil. Logo depois do carnaval de 1942, um navio brasileiro foi afundado por submarinos alemães e Zweig entendeu o prenúncio: o país entraria na guerra e apoiaria a Alemanha nazista. Dias depois, ele e Lotte decidiram se matar. Em fevereiro, os corpos foram encontrados abraçados na cama da casa em Petrópolis. Muitas teses surgiram desde então, inclusive a da frustração diante das críticas a Brasil, um país do futuro e a de uma suposta conspiração do governo Vargas para o assassinato do escritor. Mas Dines vai por outro caminho. “Cada vez avanço mais na doutrina de que ele se matou porque percebeu que o Brasil entraria na guerra e ele era um pacifista”, garante o jornalista, filho de judeus ucranianos que imigraram para o Brasil no início do século 20.


Cinema
Só a novela 24 horas na vida de uma mulher inspirou cinco filmes. O mais recente data de 2002 e é dirigido pelo francês Laurent Bouhnik. Zweig é um escritor bastante apreciado pelo cinema. Seus contos e novelas renderam 67 filmes. É mais, em títulos, do que os 55 livros escritos pelo austríaco. O último filme do ator Walmor Chagas, A coleção invisível, é baseado em uma história do Stefan Zweig.


Memorial
A Casa Stefan Zweig, em Petrópolis, foi fundada em 2006 por um grupo de admiradores que comprou o imóvel no qual o escritor morou e organizou uma espécie de memorial para o austríaco.



           

Morte no paraíso — A tragédia de Stefan Zweig
De Alberto Dines. Rocco, 736 páginas. R$ 69,50

           

Maria Antonieta — Retrato de uma mulher comum
De Stefan Zweig. Tradução: Irene aron. Zahar, 504 páginas. R$ 59,90.




Uma dívida nacional
Alberto Dines tinha 8 anos quando conheceu Stefan Zweig, convidado para conversar com os alunos da escola na qual estudava. O rosto do austríaco já era familiar ao garoto graças ao retrato autografado pendurado no escritório do pai. Aos 12 anos, ele ganhou dos pais os volumes que faltavam à coleção completa dos livros de Zweig. “Na biografia, tento provar que ele não veio ao Brasil por acaso, não caiu de paraquedas aqui, não foi um turista acidental. Ele queria descobrir a América do Sul e isso aconteceu exatamente um mês depois de voltar da Rússia, em 1928, desencantado com a violência do regime stalinista, da ditadura. Ele ficou muito perturbado, porque imaginava que um país socialista dirigido por intelectuais não seria uma ditadura, mas enganou-se. Um mês depois, ele escreve para seu agente, na Argentina, dizendo que queria conhecer a América do Sul. Isso em 1928”, explica.

Para Dines, o Brasil ainda deve uma homenagem decente a Stefan Zweig. “Acho que o governo brasileiro está em dívida com o Stefan Zweig. Não fez nada. O livro Brasil, um país do futuro, merecia uma homenagem, uma comemoração. Quando o livro completou 70 anos, sugeri, procurei pessoas e tal. Mas não fizeram nada”, lamenta o autor.

           


Quatro perguntas // Alberto Dines

Que impacto o Brasil teve na vida de Stefan Zweig?
Isso é muito importante e é um dos dados, digamos, novos. Tento provar que ele não veio ao Brasil por acaso, não caiu de paraquedas aqui, não foi um turista acidental. Em 1932, ele escreve essa carta (e manifesta vontade de conhecer a América Latina), logo depois de Hitler tomar o poder. A oportunidade de conhecer a América do Sul só se materializou em 1936, quando ele recebe um convite para participar de um congresso do Pen Clube na Argentina. Ele parou primeiro no Rio e aí aconteceu o contrário: o Brasil, que era secundário, passou a ser o grande protagonista do sonho dele. Ele começou a escrever sobre o Brasil, encantou-se com coisas às quais hoje ninguém dá importância. Nem o próprio governo brasileiro soube valorizar o livro que ele escreveu sobre o Brasil. E não foi a riqueza do Brasil, a extensão territorial, o que ele achou formidável é que o Brasil estava construindo uma sociedade multirracial, miscigenada, num momento em que a Europa estava dilacerada pelo racismo, pelos ódios. O governo Getúlio Vargas tirou partido do livro, mas, de lá para cá, ninguém soube reler e ver que ali tinha uma chave de um projeto. Ele fala do “experimento Brasil”: uma sociedade não violenta, tolerante, não racista. Isso é uma coisa extraordinária. Se alguém escrevesse isso hoje seria extraordinário, imagina em 1941?

Acha que ele teria o mesmo encanto hoje?
Hoje ele teria o contraste. Ele vinha com a impressão de uma sociedade tolerante, harmoniosa, e hoje a sociedade brasileira não é tolerante nem harmoniosa. O Zweig viveu uma experiência muito interessante em São Paulo, na primeira viagem. Ele foi levado a um presídio modelo, no qual era aplicada uma doutrina educacional de um psiquiatra alemão que acreditava na recuperação dos assassinos e criminosos. Ficou encantado, mencionou isso no livro, nas cartas. Embora a doutrina seja de um psiquiatra alemão, não era aplicada na Alemanha. Esse é o Brasil que o encantou, humanizado, ele é um humanista e encantou-se com a diversidade brasileira e a riqueza humana.

No livro, o senhor o chama de caçador de utopias? Por quê?
Porque, ao longo da vida, ele se amarrou em alguns idealismos. O pacifismo foi um deles, mas antes, com 20 e poucos anos, foi envolvido pelo sonho sionista, porque o criador do sionismo político era um jornalista vienense, que ele conhecia e que, aliás, o lançou literariamente. Ele embarcou nesse sonho por pouco tempo e percebeu, quando estourou a Primeira Guerra Mundial, que o grande problema da humanidade era o nacionalismo. O nacionalismo afastava os homens e não os aproximava. Ele era um internacionalista. Ele não repudiava as conquistas da comunidade judaica na Palestina, mas não achava que seria a solução.

Se ele visse a Israel de hoje,com acha que reagiria?
Morreria de novo. Ele era um internacionalista. E não era o único. Tinha uma série de grandes escritores de origem judaica que defendiam as mesmas posições, achavam que havia outras soluções para o problema judeu além da Palestina.


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90 anos de Lygia Fagundes Telles e eventos em torno de Hilda Hilst celebram dupla.  FOLHA SP 20.04

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A literatura ainda só usava calças compridas --e as mulheres só usavam saias-- quando as duas apareceram no então provinciano cenário das letras nacionais.

Livro, filmes e teatro revitalizam Hilda Hilst
Na Casa do Sol, Hilda Hilst deixou material para quatro obras
"Tenho pudor da loucura", diz Lygia Fagundes Telles, 90

Cada uma à sua maneira --uma, moça comportada e narradora de corte clássico; outra, desbocada e prosadora de viés experimental--, elas abriram caminho para as mulheres brasileiras na carreira literária, sem terem feito concessões ou se dobrado a uma ficção "feminina" de duvidosa qualidade.

Hilda Hilst e Lygia Fagundes Telles

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Reprodução
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As escritoras Hilda Hilst (esq.) e Lygia Fagundes Telles
Lygia Fagundes Telles chegou ontem aos 90 anos ainda na ativa e com sua obra "arrumadinha" em uma coleção da Companhia das Letras, editora para a qual acaba de transferir a obra de seu marido, o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes, morto em 1977.

"Recuperar a imagem do que foi, mas que ficou para sempre, é o esforço bem logrado da prosa ardente de Lygia Fagundes Telles", anotou o crítico Alfredo Bosi num famoso texto de 1979.

Já Hilda Hilst, morta em 2004, aos 73 anos, completaria 83 anos amanhã e atinge agora uma nova onda da projeção que sempre sonhou, mas não viveu para gozar.

Editada com rigor pela Globo, que lança no fim do mês um volume de entrevistas, a poeta é um hit dos estudos literários, tem dois filmes baseados em sua obra sendo produzidos e ganha traduções no exterior. Além disso, a Casa do Sol, onde morou, terá agora um teatro de arena.

Díspares e complementares, a "dama" e a "vagabunda" das nossas letras têm vida e obra revisitadas pela "Ilustrada". (RAQUEL COZER E PAULO WERNECK)

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HILDA HILST

Origem
Nasceu em Jaú (SP), em 21/4/1930, filha da portuguesa Bedecilda Vaz Cardoso e do fazendeiro e poeta Apolônio A. P. Hilst, esquizofrênico paranoico

Formação
Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1952

Estreia em livro
"Presságio", em 1950

Principais obras
"Júbilo, Memória, Noviciado da Paixão" (1974) e "A Obscena Senhora D" (1982)

Reconhecimento
Prêmios Pen (poesia), Anchieta (teatro), Cassiano Ricardo (poesia), Jabuti (poesia e prosa) e outros

Beleza
Despertou paixões e escandalizou a sociedade com namoros breves

Momento decisivo
O ano de 1965, quando constrói a Casa do Sol em Campinhas (SP)

Paixões
Várias e breves, incluindo Marlon Brando (que preferiu um amante francês) e Júlio de Mesquita Neto

Companhias inseparáveis
O escritor espanhol José Luis Mora Fuentes e dezenas de cachorros

Sobre sua literatura
"Quero ser lida em profundidade, não como distração. É a última coisa que se devia pedir a um escritor: novelinhas para ler no bonde"

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LYGIA FAGUNDES TELLES

Origem
Nasceu em São Paulo, em 19/4/1923, filha de Durval de Azevedo Fagundes, promotor público que perdeu tudo no jogo, e da pianista Maria do Rosário de A. Fagundes

Formação
Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1945

Estreia em livro
"Porão e Sobrado", em 1938

Principais obras
"Antes do Baile Verde" (1970), "As Meninas" (1973) e "Seminário dos Ratos" (1977)

Reconhecimento
Prêmio Camões (2005), dois prêmios Jabuti e a imortalidade na Academia Brasileira de Letras e na Academia Paulista de Letras

Beleza
Ficou em segundo lugar no concurso Rainha dos Estudantes de 1936

Momento decisivo
O ano de 1954, quando publica "Ciranda de Pedra" e nasce Goffredo, seu filho

Paixão
O crítico Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), com quem se casou em 1960

Companhia inseparável
O filho Goffredo Telles Neto (1954-2006), que dedicou o filme "Narrarte" à mãe

Sobre sua literatura
"O conto tem que desabrochar como uma fruta, como uma manga verde que você põe dentro da gaveta e espera amadurecer


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A vulnerabilidade e a força das mulheres negras. 
ELEONORA MENICUCCI
Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres
CORREIO BSB 20.04
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Basta um mínimo de sensibilidade para perceber que ser mulher no Brasil exige lutar o tempo todo, desde pelo direito à vida própria (autonomia) até o direito à própria vida (no enfrentamento à violência). Se a mulher for negra, essa exigência chegará ao absurdo. Isso, apesar do espaço conquistado por meio das lutas históricas das mulheres em geral, e das negras em particular. Lutas que conseguiram se traduzir em políticas públicas; aliás, razão de ser da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM): enfrentamento à violência, acesso a trabalho e renda, à educação e saúde e de empoderamento político.
Mas como a vulnerabilidade é mais aguda para as negras? Uma leitura das estatísticas, somada à escuta de narrativas delas, abre uma fresta para o entendimento dessa realidade.

As mulheres são mais da metade da nossa população (51,5%, ou 100,5 milhões). As negras são metade das brasileiras: 50,2 milhões (Pnad/IBGE, 2011). Além do peso do estigma sexista, elas, as mulheres negras, suportam sozinhas o peso da herança escravista. E a desigualdade trazida pelo sexismo é mais desigual ainda para com as negras. Por exemplo, no trabalho. Se para as mulheres em geral, a dedicação desigual às tarefas domésticas e aos cuidados com filhos e idosos dificulta seu ingresso e ascensão no mercado, para as negras essas barreiras tornam-se verdadeiros pedágios sociais.

Esses, se conseguido o acesso, geram diferença de ganho. Se as mulheres em sua grande maioria ganham menos do que os homens, e os negros também no geral ganham menos do que os brancos, essas duas condicionantes enfeixam-se perversamente nas negras e derrubam mais ainda os seus rendimentos. Para a sociedade, consideradas as mesmas funções, é “natural“ que uma negra ganhe 30% menos do que uma branca.

Acrescente-se que o mapa do país tem gradação de cor, determinada pela pobreza. Há mais negras nas regiões mais pobres: no Nordeste, 68,9% delas são negras; no Norte, 73,4%; no Centro-Oeste, 54,5%; no Sudeste, 42,1%; e no Sul, 20%.

É por tudo isso que, além das políticas públicas voltadas às mulheres, a SPM alinha todas as suas ações ao combate ao racismo. Uma dessas iniciativas terá seu ponto alto na terça-feira, quando se homenagearão as vencedoras do Prêmio Mulheres Negras Contam sua História.

O prêmio contempla relatos das negras e as tira do anonimato para assim reposicioná-las como sujeitos na construção da história do Brasil. Com isso, permite ao país conhecer (e se reconhecer num) um acervo de narrativas preciosas pelos dramas, pela coragem e pelas atitudes.

Cito três exemplos, dos 520 redações e ensaios inscritos:

— Uma menina foge da guerra em Angola, exila-se em Portugal e finalmente chega ao Brasil. Na dura vida de empregada doméstica no Paraná, sua moeda de troca com os patrões é o estudo. Ele será sua porta de saída para o escritório, isso, depois de fugir para Cuiabá. Já em Brasília, cursa jornalismo, contata a Embaixada de Angola e revê sua família. Hoje, essa angolana-brasileira é repórter da TV Angolana.

— Menina da periferia paulistana sonha com a USP — isso, antes das políticas afirmativas do governo Lula. Essa narrativa, em forma de ensaio, compara o antes e o depois dessas políticas para a população negra. No antes, as tentativas de entrar na USP, os cursinhos comunitários, a alimentação à base de pão e iogurte barato. Finalmente, enfermagem. Mas ali, de negros, só estudantes — e, mesmo assim, apenas 10%.

— O bullying marca o relato de uma pernambucana filha de famoso militante e poeta. Já no Rio, na mistura de militância e poesia do duro dia a dia, ela teve de conviver com o apelido dado a quem estudava na sua escola. Com o lanche ali resumido a mate e angu, viram-se todos e todas ainda por cima cruelmente carimbados de “mate com angu”.

É essa realidade, contada pela voz forte dessas mulheres e pelos números, que cabe a todos mudarmos. O que já foi conquistado, pela sociedade e pelo governo, deve ser cada vez mais consolidado — e como marca de compromisso, para banir de vez o preconceito racial. Por fim, lembro que o enfrentamento cotidiano à violência e aos preconceitos em nosso país tem três faces inseparáveis: gênero, raça e classe social — mulheres, negras e pobres, na grande maioria. Só será possível erradicá-los por meio de uma mudança de valores e comportamentos na sociedade, para que ela se torne mais justa, baseada no respeito, na autonomia e na igualdade entre homens e mulheres.

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POLíTICA CULTURAL »  Festival do FAC.  CORREIO BSB 20.04

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Desde o ano passado, a Secretaria de Cultura reúne as contrapartidas dos projetos aprovados no Fundo de Apoio à Cultura (FAC) numa espécie de mostra gratuita, que teve a primeira versão concentrada na Sala Martins Pena. Neste ano, o II FestFAC acorrerá em três cidades do Distrito Federal, de 4 a 15 de setembro, com objetivo de promover um maior alcance e visibilidade das ações culturais incentivadas pelo Fundo.

 Poderão inscrever-se os proponentes que possuírem contrapartida pendente de realização dos tipos: palestras; oficinas; seminários; workshops; espetáculos de dança, teatro, circo, música, cultura popular; exibição de filmes; leitura de textos e declamação de poesias; Exposições de artes plásticas entre outras manifestações artísticas. Os beneficiários que tiverem interesse em realizar a sua contrapartida no evento deverão preencher a ficha de inscrição e envia-la por e-mail para contrapartidas.fac@gmail.com.

Em tempo: foi ampliado o período de contribuições para o novo decreto do FAC até  1º de maio. A reunião presencial para debater as propostas ocorrerá nos dias 4 e 5 (sábado e domingo), a partir das 14h, no auditório da Biblioteca Nacional de Brasília. Só serão consideradas as contribuições feitas por escrito citando o artigo a ser alterado, justificativa e base legal (se houver) para o e-mail: consultapublicafac@gmail.com.

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EDITAIS

Compõem o primeiro bloco de 2013 do FAC com inscrições abertas.