quinta-feira, 28 de março de 2013


“Os fatos foram apresentados (pelo MP) tão somente com a intenção
de desacreditar a UEG”, Zilmene Manzolli, juíza, na decisão que manteve a UEG à frente dos concursos do Estado. O POPULAR GO 25.03
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"Jango" e o caminho para 1964
Festival terá debates e ciclos que analisam Jango e o contexto do golpe de 1964.  Site do festival: www.etudoverdade.com.br VALOR ECONÔMICO 28.03

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Daqui a um ano completa-se o cinquentenário do golpe militar de 31 de março de 1964, que derrubou o presidente João Goulart, estabelecendo a mais longa ditadura de nosso período republicano. Por razões de agenda e dever de ofício, a 18ª edição do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários antecipa o debate em sua retrospectiva brasileira deste ano.

O ciclo "'Jango' e o Caminho para 1964" concentra-se em torno de dois eixos. O primeiro elege "Jango" (1984), de Silvio Tendler, como o filme que melhor ilumina o processo de desestabilização do regime democrático que culminou com o levante militar. Além do convite para revisão de "Jango" em tela grande, o festival realiza duas mesas históricas, no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo no próximo dia 3 de abril e no CCBB do Rio no dia 4, em que promove o reencontro de Tendler com alguns de seus principais parceiros na realização do filme.

"Jango", nunca é demais frisar, foi corajosamente produzido ainda nos estertores do regime militar. João Goulart (1919 - 1976), o único presidente brasileiro a morrer no exílio, era assim ainda "persona non grata" para o poder. Toda uma geração - a minha - já havia nascido e sido formada sob um discurso oficial que o estigmatizava como o político fraco e esquerdista que escancarara o país para a eclosão de um regime autoritário sindicalista, apenas inviabilizado pelo movimento militar.

Um milhão de espectadores, número inimaginável hoje para qualquer documentário nacional nas salas, correu aos cinemas para assistir ao primeiro retrato fílmico do presidente deposto. Descobriu um filme emocionante e rigoroso, estruturado a partir de valiosos depoimentos de protagonistas do processo e de sons e imagens de arquivo de tirar o fôlego em seu ineditismo.

Com "Jango", Silvio Tendler começava a reconciliar o Brasil com Jango. Para compreender como o cineasta se formou para cumprir esse papel pioneiro em nossa produção audiovisual, é essencial revisitar seu documentário político anterior, "Os Anos JK - Uma Trajetória Política" (1980), também incluído no ciclo. Igualmente corajoso e desbravador, ao reconstituir a vida e a carreira do presidente Juscelino Kubitschek (1902 - 1976), "Os Anos JK" já apresentava uma leitura da experiência democrática brasileira entre 1945 e 1964 em tudo distinta da então propagandeada pelo regime militar.

O segundo eixo da mostra "'Jango' e o Caminho para 1964" reúne numa única sessão sete curtas-metragens realizados a partir de 1962 por encomenda do Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). Como o definiu seu principal estudioso, René Armand Dreifuss ("1964: A Conquista do Estado"), o Ipes operou como "centro estratégico" da "campanha politica, ideológica e militar travada pela elite orgânica" contra o governo Goulart.

Produzidos em sua maior parte sob o selo de qualidade da Jean Manzon Filmes, curtas com títulos como "O Brasil Precisa de Você" e "Que É a Democracia?" mal disfarçavam em seu formato pseudodidático seu propósito propagandístico de caracterizar o governo Jango como antidemocrático, incompetente e socializante. Precisam ser hoje revisitados, a um só tempo, como instrumentos modelares da campanha conspiratória e como típicos artefatos audiovisuais da Guerra Fria.

Para além de nossa retrospectiva, nos próximos meses dois novos documentários brasileiros contribuirão nas salas de cinema para o debate em torno dos 50 anos do golpe de 1964 e do destino trágico de João Goulart. Chega amanhã às telas de sete capitais o primeiro deles, "O Dia que Durou 21 Anos", de Camilo Tavares.

Desenvolvido a quatro mãos com seu pai, o jornalista Flávio Tavares, ex-preso político e exilado que se tornou um dos principais memorialistas da era Jango e dos anos de chumbo, o documentário radiografa o envolvimento do governo dos EUA na conspiração que levou ao golpe militar.

Por sua vez, em "Dossiê Jango", premiado pelo público do último Festival de Tiradentes e ainda sem data de estreia, Paulo Henrique Fontenelle investiga a hipótese de a morte por ataque cardíaco de João Goulart em dezembro de 1976 ter sido na verdade um assassinato por envenenamento conduzido dentro da famigerada Operação Condor.

Nada mais salutar do que assistir a dois cineastas nascidos após 1964 se lançarem ao exame de episódios tão cruciais e opacos da história contemporânea nacional. São os "filhos de Tendler" pedindo passagem.

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

E-mail: labaki@etudoverdade.com.br


Site do festival: www.etudoverdade.com.br


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Entre letras e números
Otávio Marques da Costa e Júlia Moritz: novos publishers da Companhia das Letras participam juntos de temporadas de imersão no grupo Penguin, que comprou 45% da editora.  VALOR ECONÔMICO 28.03

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Otávio Marques da Costa enviou o currículo pelo site. Advogado jovem num grande escritório de São Paulo, queria mudar de profissão. Começou a cursar outra faculdade, de história, aventava um mestrado no exterior e, enquanto não se decidia, passou a se ocupar nas horas vagas como preparador de texto, um tipo avançado de revisor. Pelo site, seu currículo chegou até a diretora editorial da Companhia das Letras, então Maria Emília Bender. Contratado como assistente por um salário que correspondia a metade do que ganhava, mudou de emprego sem hesitar.

Contado até aí, o enredo se presta a um livro sobre gestão de carreira, título que talvez tivesse boa acolhida sem alcançar as listas de mais vendidos. Com o desfecho, dá até best-seller: depois de cinco anos, o funcionário que se distinguiu por um comprometimento singular acaba de assumir o recém-criado cargo de publisher, o que representa chefiar o coração de uma das mais prestigiosas editoras do país. A virada representa bem a ousadia na hora de apostar e a velocidade para obter resultados que exige hoje o mercado editorial brasileiro, espelho de grandes praças estrangeiras.

A função é compartilhada. Ao lado de Costa, assumiu Júlia Moritz, filha do fundador, Luiz Schwarcz. Ambos têm 31 anos, dividiam a mesma sala e agora participam juntos de temporadas de imersão no grupo britânico Penguin, que comprou 45% da Companhia das Letras em 2011. A mudança no organograma levou à saída de gente que estava havia décadas na casa, como a própria Maria Emília, e à promoção de assistentes para cargos de editores, agora ocupados também com novos selos editoriais, como Paralela e Seguinte, que marcam a entrada em nichos comerciais. Coordenados pela dupla de publishers, oito editores na faixa dos 30 anos leem, aprovam ou descartam obras oferecidas por agentes, "scouts" ou os próprios autores. Antes se responsabilizavam pela edição do texto - encomendas de tradução, preparação e revisão -, que cabe hoje a um núcleo criado exclusivamente para a tarefa.

A renovação das equipes - não só a troca, o rejuvenescimento de seus componentes - é uma das mudanças por que passam editoras de médio e grande porte diante de um mercado que tende a ficar ainda mais aguerrido. Pelo menos cinco das mais importantes editoras do país reestruturaram recentemente seu corpo editorial - além da Companhia, Record, Objetiva, Globo, Cosac Naify - e duas se constituíram ou deram sua arrancada há pouco tempo - LeYa e Intrínseca. Não só mais jovens, os editores, mais envolvidos do que antes com a escolha dos títulos, precisam estar mais pragmáticos. Num ofício historicamente associado à ideia de arte e artesania, não parece mais possível sobreviver alheio aos números.

Marcos Strecker (no centro) e equipe de editores da Globo Livros: "A internet como meio de venda e de divulgação passa a ter um papel cada vez maior, talvez determinante", diz
O novo perfil de editor-gestor, que substitui o do editor que só atentava para o texto, e o formato de empresa mais diversificada, que não se acanha em abranger obras comerciais, são, em parte, a adaptação da editora de Schwarcz a um mercado que está modificado desde a criação de sua casa editorial, em 1986.

Nos últimos tempos, as vendas de livros têm crescido concentradas em poucos títulos comerciais, os chamados mega-sellers. Não são novidade na praça - o "Harry Potter", da Rocco, é de fins da década de 1990 -, mas agora praticamente dominam as listas de mais vendidos. O sucesso, que se dá em escala mundial, é levantado por estratégias de marketing agressivas.

Com a quantidade maior de títulos, operação com que as grandes ganham em escala, sobra pouco lugar nas vitrines para obras de arte ou não comerciais, os chamados long-sellers ou "fundo de catálogo", obras que, a despeito de sua qualidade e relevância, vendem aos poucos, sem instantânea pirotecnia. A vocação da grande literatura é sobreviver ao tempo. Num balanço de empresa, porém, é um valor dramaticamente não computável.

Costa e Júlia preferem não dizer qual é a nova cara da empresa. A pergunta é difícil e restritiva. "Um título talvez possa simbolizar a atual fase", sugere Costa. Da estante, pega a capa cítrica, o desenho de um imenso bigode. "Toda Poesia", de Paulo Leminski, cultuado poeta curitibano que morreu em 1989, cuja obra, dispersa em vários volumes, estava fora da praça. Saiu com tiragem atípica, alta para o gênero, 5 mil exemplares. Esgotou-se em dois dias. Uma nova tiragem de 5 mil foi encomendada e vendida. Na semana passada, o livro entrou na lista de mais vendidos na Livraria Cultura, rede com público mais intelectualizado, à frente da série pornô soft "50 Tons de Cinza", de E.L. James, publicada pela Intrínseca.

Um mega-seller exige ousadia e velocidade: para identificá-lo, oferecer nos leilões uma soma que os concorrentes não vão se arriscar em pagar, traduzi-lo a tempo e colocar nas livrarias em tiragens altas, indicando para livreiro e público que vale o negócio. Um pouco o "efeito-Tostines": vende mais porque é mais lido ou é mais lido porque vende mais.

"Sem dúvida vamos tentar fazer as coisas legais que as editoras de qualidade não vão mais conseguir", diz Florencia Ferrari, diretora-editorial da Cosac Naify
Atentas às listas, editoras montadas na virada para a década zero zero especializaram-se, com equipe enxuta e capital de giro, na busca de livros campeões. A pioneira é a Sextante, fundada no Rio pelos irmãos Marcos e Tomás Pereira, em 1998. "O Código Da Vinci", de Dan Brown, inaugurou a sequência de feitos. Entre as mais recentes nesse filão, há a Novo Conceito, de porte menor que a Sextante, criada pelo casal Milla e Fernando Baracchini, de Ribeirão Preto, em 2004. Colocou nas listas romances açucarados como os de Nicholas Sparks -"Querido John" e "Um Homem de Sorte" -, formato que antes só se encontrava nas bancas de jornal.

Ninguém parece simbolizar mais essa nova geração de editores, que percebe o potencial de vendas de uma história, do que Jorge Oakim, da carioca Intrínseca, dono do "blockbuster" "50 Tons de Cinza", da britânica E.L. James. Para vencer o leilão do livro, ofereceu baita soma: US$ 780 mil. Um quarto disso já é considerado alto valor no mercado editorial. Até agora, vendeu 3,1 milhões em menos de um ano, cópias vendidas a R$ 39,90.

O economista com experiência no mercado financeiro começou modestamente sua editora em 2003. Só após quatro anos deslanchou. Seu primeiro best-seller, "A Menina Que Roubava Livros", de Markus Zusak, chegou a 1 milhão de cópias. Depois veio a série romântica de vampiros "Crepúsculo", de Stephenie Meyer, 5,5 milhões. A concorrente Sextante se animou com o desempenho do jovem editor, hoje com 43 anos, e se associou à empreitada, adquirindo 50%. Com a parceria, Oakim continua a cuidar da aquisição, da edição, da produção e do marketing. À Sextante cabem "back office", distribuição e comercial, processos que, para pequenas e até médias editoras, são de execução dificílima: um mega-seller naufraga se uma dessas etapas emperra.

O sucesso não se deve apenas à juventude da empresa e de seu público, mas ao modelo de negócio: "Publicamos poucos e bons livros, o que nos possibilita trabalhar cada título em profundidade, com projeto digital completo, campanha de marketing e de divulgação cuidadosa", respondeu Oakim ao Valor quando adquiriu a obra de Elio Gaspari. Em média, são 30 livros por ano. O mesmo que a Companhia das Letras publica em um mês. Ainda menos do que os 60 lançados mensalmente por um grupo grande como o Record, sediado no Rio.

Uma sutileza que não deve passar despercebida: para descrever sua editora, Oakim não usa a palavra "comercial", termo que talvez soe pejorativo. Prefere "entretenimento".

Jorge Oakim, da Intrínseca: dono do "blockbuster" "50 Tons de Cinza", da britânica E.L. James
O catálogo é um misto de pop, ação e suspense, obras que saem com tiragens iniciais de 50 mil exemplares - numa editora de qualidade, são comuns títulos de 3 mil a 5 mil exemplares. O movimento de sofisticação da casa, como levar Elio Gaspari - ex-Companhia das Letras, diga-se -, não é isolado. Oakim, que garante só publicar aquilo que leu e de que gostou, passou a garimpar literatura e jornalismo de gabarito, vencedores de Pulitzer como Jeniffer Egan, de "A Visita Cruel do Tempo". Não são títulos para repetir façanhas vendedoras, mas podem render prestígio, com resenhas em cadernos de cultura e mesas em festas literárias, espaços ocupados por editoras de qualidade.

Esse cenário mais competitivo demanda um novo profissional. Não basta só entender de letras, como na tradição editorial brasileira. Tem de entender também de números. Usar a designação "publisher" em vez de "editor" é mais do que se adaptar a um jargão da cultura de língua inglesa. Editor relaciona-se ao conteúdo: lida com o autor e o texto, a produção editorial em suas diversas etapas. O publisher se vincula ao negócio: escolhe, compra e publica, etapas que envolvem ideias, ofertas, pagamentos, campanhas e promoções.

Uma década e meia atrás, "publisher" era a palavra usada na imprensa para definir o estilo de Roberto Feith, hoje com 60 anos, à frente da carioca Objetiva. No seu catálogo, o ecletismo e a atualidade dos títulos garantiam presença constante nas listas: biografias, grandes reportagens, livros com temas prementes do país e do exterior, temperatura alta associada ao jornalismo.

A investida em títulos abertamente comerciais ocorreu a partir de 2005, quando surgiram os selos Suma, de ficção, e Fontanar, de não ficção. "A diversificação da linha editorial, com novos selos voltados para cada gênero, é o novo paradigma", constata Feith, há sete anos parte do grupo espanhol Santillana/Prisa. A razão não é outra: "Dificilmente uma editora poderá manter-se saudável e vigorosa se estiver voltada para um único segmento ou nicho." Entre best-sellers recentes, "Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert, vendeu no país 500 mil exemplares. Com fôlego financeiro, mantêm-se selos como o Alfaguara, com autores com prestígio entre a crítica.

Não é sem preocupação que Feith acompanha a queda de vendas da boa literatura, clássica ou contemporânea. "A ênfase das redes de livrarias costuma ser no que vende rápido, caso contrário deixa de ser exposto", comenta. O risco é o de a literatura se tornar cada vez mais restrita. "A boa ficção literária ajuda-nos a entender quem somos e o tempo em que vivemos. Isso tem valor."

Pascoal Soto, da LeYa: novos leitores à vista com crescimento da economia
A avalanche dos comerciais nas listas coincide com o aparecimento de um novo leitor no país, "ingresso no mundo da leitura após o prolongado período de crescimento por que passa a economia", afirma Pascoal Soto, de 47 anos, diretor-editorial da LeYa Brasil, filial do maior grupo editorial português, com escritórios em São Paulo e no Rio. "Antes conhecíamos os leitores pelo RG e CPF, os habituais. Continuam a existir e a aumentar em número, mas não na mesma proporção em que cresce o de não habituais", observa.

A intenção de atender esse público menos afeito a títulos intelectualizados caracteriza a LeYa desde sua chegada ao país, em 2009. Cresceu rapidamente. Desocupou o pequeno escritório da avenida Angélica para se estabelecer numa grande casa do Pacaembu. O ritmo é de média-grande, são já 330 livros publicados, 40 figuraram em listas de mais vendidos. Entre os lançamentos que alcançaram as listas, a série de fantasia "Guerra dos Tronos", de George Martin, os cinco títulos com vendas de 1,4 milhão de exemplares.

Para o bolso do consumidor, o custo do livro se tornou menos pesado. Com a concorrência, que levou à multiplicação das edições pocket, o preço médio caiu 46% de 2004 a 2011, segundo a Fipe. A expectativa agora é que, com as novas tecnologias, se resolvam outros antigos entraves, como o da distribuição num país continental.

O crescimento do digital ainda está em curso e deve trazer novidades ao mercado brasileiro nos próximos anos, comenta Marcos Strecker, diretor-editorial da Globo Livros. A venda de e-book cresce exponencialmente, mas ainda de efeito irrisório no faturamento, segundo as editoras consultadas. "A internet como meio de venda e de divulgação passa a ter um papel cada vez maior, talvez determinante", observa Strecker. Potencial que tem sido explorado: como conta Oakim, da Intrínseca, em blogs e redes sociais identifica autores e enredos do gosto do seu público.

Há a necessidade de ver o livro num "contexto comercial e estratégico", afirma Marcos Strecker, diretor-editorial da Globo Livros

Depois do sucesso de obras como "Ágape", do padre Marcelo Rossi, 6 milhões de cópias em 13 meses, esperava-se que a Globo assumisse uma atuação bastante comercial. Não foi o que ocorreu. A empresa "continuará a ter títulos comerciais muito fortes, mas vai fortalecer seu catálogo de prestígio", esclarece Strecker. No último ano, reorganizou o catálogo em novos selos, como o Biblioteca Azul, que relançou os 17 volumes da "Comédia Humana", de Balzac, clássico entre os clássicos.

O mix qualidade + comercial não é novo. Alfredo Machado, que fundou a Record há 70 anos, costumava dizer que fazia um pouco como Robin Hood: com o dinheiro que faturava com os best-sellers, dava para publicar autores de qualidade desconhecidos ou, sendo conhecidos, de baixas tiragens. Parece ser a receita para toda editora pequena-média que começa a crescer, se quer se tornar grande.

Seu sucessor, o filho Sergio Machado, 64 anos, que divide a direção com a irmã, Sônia Jardim, diz que não há um percentual fixo - x% comercial, x% de qualidade - para alcançar o equilíbrio num catálogo. "É um pouco como receita de bolo: cada vez que você faz, altera um pouco algum dos ingredientes, livros de risco e livro de retorno certo." Em quatro décadas, diz que já viu um pouco de tudo, desde editoras de qualidade se abrindo para ter selos comerciais quanto o contrário, editoras de autoajuda investindo em autores de prestigio para diminuir a volatilidade. Não se deve esquecer, como lembra, que muitas vezes o de qualidade vende bastante bem, como Umberto Eco. "O que não se pode, mesmo, é ficar apenas num nicho, seja qual for."

A Record também passou por uma reestruturação em seu corpo editorial. Luciana Vilas-Boas, diretora editorial por 17 anos da Record e um dos nomes mais importantes no mercado, saiu no começo do ano passado. O cargo foi abolido, quatro pessoas repartem a função.

Os irmãos Marcos e Tomás Pereira, sócios da editora Sextante e netos do cultuado editor José Olympio: busca de livros campeões
Esse processe de rejuvenescimento nas equipes ocorre em meio à descoberta, depois do boom "Harry Potter", do chamado "leitor jovem adulto, faixa que vai até os 30 anos, que é antenado e está nas mídias sociais". Jovens editores em tese teriam mais convivência com esse público-alvo. Machado diz que as mudanças no mercado - os mega-sellers, os "players" internacionais - não alteraram a liquidez do grupo, que reúne seis editoras incorporadas ao longo de sua história, como a José Olympio, a Civilização Brasileira e, há poucos meses, a Paz e Terra. Ocupar a lista de mais vendidos às vezes significa pouco em relação ao balanço financeiro. Não há, por ora, a expectativa de a empresa, 100% nacional, vir a ter participação estrangeira. Não é, porém, hipótese que descarta.

Editoras de prestígio tentam recuperar parte do espaço tomado pelas abertamente comerciais. Essas, por sua vez, tentam adquirir um pouco da sofisticação das primeiras. Bons nichos podem ficar a descoberto - publishers que não querem perseguir best-sellers apostam nisso. "Sem dúvida vamos tentar fazer as coisas legais que as editoras de qualidade não vão mais conseguir", anima-se Florencia Ferrari, de 36 anos, diretora-editorial da Cosac Naify há quase um ano. O maior desafio da casa editorial paulistana, conhecida pelos livros de arte e humanidades de acabamento luxuoso, não é a concorrência, mas, sim, tornar os projetos financeiramente cabíveis. Em seus 15 anos, fez fama de vender livros caros e viver no vermelho, sobrevivência ajudada com aportes dos sócios, Charles Cosac e Michael Naify.

O símbolo da virada da Cosac é a "Coleção Portátil", de bolso e mais barata, com 20 títulos que incluem de Dostoiévski a Cacaso. Com design à Cosac Naify: um grande planejamento, coordenado entre as várias equipes, do editorial à produção, permitiu, por exemplo, o uso de papel importado, mais caro. O gasto foi compensado com economia feita na gráfica, rodando 20 títulos ao mesmo tempo. Uma gestão somente pragmática não combinaria com a filosofia da empresa, como reconhece Florencia: "Queremos ter projetos sustentáveis mantendo a nossa identidade". Fecharam o ano fiscal de 2012 no azul. "Se conseguirmos provar que uma editora assim pode funcionar, e se for um exemplo para que surjam outras editoras como a nossa, o Brasil vai ganhar", diz. A aposta é que, "assim como há cada vez mais consumidores exigentes, haverá cada vez mais leitores exigentes".

A literatura brasileira, na atual fase de novos autores com atenção na mídia, entusiasma a Cosac Naify. As tiragens são pequenas, se comparadas às de títulos comerciais - ainda mais se comparadas às dos mega-sellers -, mas editores ouvidos pelo Valor dizem que o autor nacional de qualidade tende a vender mais que seu colega estrangeiro de igual talento, porém desconhecido no país. O motivo para apostar nessas novas vozes não é só financeiro, como explica a diretora-editorial Florencia: "O autor brasileiro 'dá vida' a uma editora fincada em obras de referência como a nossa". A esse nicho se dedicam não só grandes-médias, também as editoras de porte menor, como a 34 e a Iluminuras, de São Paulo, que publicam autores que arrebatam júris especializados. A investida vai contar com gente que está há tempos no ramo. Como em qualquer campo, artilheiros são levados de um time a outro. Heloisa Jahn e Marta Garcia, com décadas de Companhia das Letras, agora são do time da Cosac Naify.

Roberto Feith e equipe de editores da Objetiva: "A diversificação da linha editorial, com novos selos voltados para cada gênero, é o novo paradigma", diz
O caminho até o cargo de publisher requer virtudes reconhecíveis pelos pares. É o caso de Luiz Schwarcz e Otávio Marques da Costa, da Companhia das Letras: quem convive nota a semelhança de perfil. Caxias. "Otávio é como meu pai era na idade dele", imagina Júlia. "Tirei uma foto dos dois parados na rua, de lado, iguaizinhos", acrescenta, entre risos. Costa repara: "Mas ele diz que é muito mais bonito".

A filha tentou evitar seguir o mesmo caminho. Receava que a decisão se devesse apenas à influência da família. Cresceu ajudando o pai a escolher capas, acompanhava-o nas visitas às livrarias nos fins de semana, quando ia à paisana saber se os livros da editora estavam vendendo bem. Via a mãe, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, também editora, anotar à caneta os originais que levava para ler em casa. Por fim estudou história e entrou como estagiária na empresa. Está lá há 12 anos. Parte da formação se deu como editora do selo infantil, período em que teve duas filhas, hoje com 6 e 4 anos, experiência que ampliou sua visão do público-alvo.

A carreira é chamada de "editoração" nas poucas universidades nacionais em que o curso é oferecido. Na Fundação Getúlio Vargas (FGV), é recente a pós-graduação de gestão editorial. Na tradição de arte e ofício, costuma passar de pai para filho. Além dos laços familiares citados até aqui, lembre-se que Marcos e Tomás Pereira, da Sextante, parceiros de Jorge Oakim, são netos de José Olympio, outro dos principais nomes da história editorial brasileira.

Editores-fundadores também elegem discípulos mesmo sem grau de parentesco. Os talentos são recrutados em áreas como letras, história, ciências sociais, filosofia e jornalismo. Começam cedo, em funções de assistente - a dupla de publishers e a equipe de oito editores da Companhia das Letras foram em maioria formados por Schwarcz e a diretora-editorial por décadas, Maria Emília Bender.

Sergio Machado, da Record: "O que não se pode é ficar apenas num nicho, seja qual for"
Florencia Ferrari concluía um mestrado em antropologia - é Ph.D. na área - quando se tornou, em 2002, ajudante de Augusto Massi, na época diretor-presidente da Cosac Naify. Seu crescimento na empresa se deu ao mesmo tempo em que a editora se desenvolvia. Não é apenas uma intelectual de sólida formação. A capacidade de gestão é elogiada desde a época de assistente. No caratê, chegou à faixa preta, esporte temporariamente interrompido - está grávida da segunda filha.

Pascoal Soto, da LeYa, tinha pouco mais de 20 anos em 1987 ao ingressar na Editora Moderna como ajudante de armazéns gerais: carregava e descarregava caminhões de livros e papéis. Passaria por quase todas as áreas nos 15 anos seguintes até chegar ao editorial. Foi editor-sênior na Salamandra, comprada pela Moderna, e na Planeta, quando a Moderna passou a integrar o grupo Prisa/Santillana. Entre seus mestres, cita Ricardo Feltre, ex-dono da Moderna, "empresário exemplar, construiu a Moderna à base de sacrifício e paixão pelo livro". Depois, Ricardo Arissa Feltre, "filho que herdou todas as qualidades do pai". A tradição perpassa até trajetórias que parecem não estar relacionadas.

Quando não são talentos nascidos nas casas editoriais, editores e publishers migram do jornalismo. Marcos Strecker, da Globo Livros, fez longa carreira em jornal impresso. Não é um neófito em gestão. Antes, administrou a própria empresa, da área de comunicação, e concluiu um MBA pela FGV. O cinema é uma de suas grandes paixões: publicou livros na área e fez um filme sobre a mãe de Thomas Mann, que era brasileira.

Roberto Feith, da Objetiva, vem de uma família de empresários e foi correspondente internacional da Rede Globo - na internet, entre outros, é possível ver a cobertura que fez da invasão soviética do Afeganistão, em 1979. O catálogo em que ressoa o jornalismo se explica. Como ressalta, "diversas das aptidões que fazem um bom repórter se aplicam ao editor". No jornalismo foi buscar editores seus, como Arthur Dapiève, que cuida do selo Objetiva nacional, e Marcelo Ferroni, do Alfaguara. Enumera essas aptidões: "A percepção dos assuntos que interessam ao leitor, uma sensibilidade sobre como abordá-los, saber o que configura um texto bem escrito, a capacidade de trabalhar em equipe; enfim, não é coincidência que tantos profissionais já fizeram a transição da imprensa para as editoras ou vice-versa".

Os requisitos básicos, as virtudes de fundo, continuam iguais. "Ser um bom leitor, ter um bom texto e um bom repertório", diz Florencia, da Cosac. De diferente, há a necessidade de ver o livro num "contexto comercial e estratégico", afirma Strecker, da Globo. Com as novas exigências do mercado editorial, Soto, da LeYa, diz acreditar que será cada vez mais receptivo aos profissionais de marketing. Não vê, no entanto, uma substituição completa do editor pelo gestor. "Há os que entendem muito de finanças e gestão e há os que entendem muito de livros. Ter um grande gestor à frente de uma editora não é garantia de sucesso no mercado editorial. Entretanto, sem um bom editor não há gestor que faça milagre." Apesar dos números, prevalecem as letras.




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INDúSTRIA CANDANGA »  É possível crescer
Parcerias entre o poder público e a iniciativa privada, além da identificação de oportunidades, são a chave para diversificar a agenda econômica e alavancar o desenvolvimento no Distrito Federal. Empreendedores relatam sucesso em negócios inovadores e sustentáveis. CORREIO BSB 28.03

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Brasília é uma cidade em busca de suas vocações. Nasceu predestinada à burocracia. Mas como uma cidade viva, as demandas por desenvolvimento apareceram. Experimentou tentativas de crescimento. Muitas delas fracassaram, conforme o Correio mostrou nos últimos quatro dias, ao longo da série Indústria Candanga. Outras iniciativas sinalizam que o espírito empreendedor pode superar falhas graves, vencer o atraso e criar oportunidades.
Pequenos e grandes empresários mostram que há progresso possível. Mas são uníssonos em reivindicar a atuação do poder público como um aliado no processo de gestão do crescimento econômico. A parceria entre público e privado beneficia o cidadão, que passa a ter acesso a mais postos de trabalho, à diversidade de produtos, à qualidade no consumo e a preços acessíveis.

O desafio é encontrar em quais atividades esse conceito de riqueza pode ser aplicado. “Temos uma inclinação às empresas do setor de serviços, mas precisamos incrementar segmentos complementares”, acredita o secretário de Desenvolvimento Econômico, Gutemberg Uchôa.

Tecnologia da informação e comunicação (TIC), biotecnologia, agricultura orgânica, insumos para sustentabilidade são exemplos da chamada indústria limpa que ganha projeção internacional. Mentor do Porto Digital de Recife, Sílvio Meira, saiu do zero e chegou a um projeto de faturamento de R$ 1 bilhão (leia entrevista na página 22). “Pode dar certo em qualquer cidade, mas há que se pensar grande, para um mercado, no mínimo, nacional”, aposta Meira.

Antes de abraçar o mundo, porém, o DF precisa dar as mãos ao Entorno. É impossível pensar em uma solução para a economia candanga sem envolver Goiás. Como área metropolitana, são 10 municípios. Como região integrada (Ride), 23. O Programa de Industrialização Mínima da Ride é a aposta da Superintendência de Desenvolvimento do Centro Oeste (Sudeco). O projeto prevê a criação de polos industriais e fortalecimento dos já existentes. Um deles seria em Formosa. A cidade tem distrito agroindustrial com 18 fábricas, entre elas uma das mais importantes beneficiadoras de grãos do mundo, a Syngenta. Outras 35 empresas começam a se instalar.

Alexânia (GO) também criou um distrito agroindustrial (Dial) que está em fase de prospecção de empresas. O terceiro polo do Entorno ainda não existe, mas deve ser construído em Luziânia, Cidade Ocidental ou em Valparaíso. “A ideia é que esses municípios abriguem indústrias mais pesadas como a de metal mecânica. O DF receberia os insumos dessas fábricas e produziria mercadorias de valor agregado mais elevado, como softwares”, planeja o superintendente da Sudeco, Marcelo Dourado. Brasília nasceu de uma concepção de vanguarda, mas perdeu a chance de contribuir para alavancar o desenvolvimento do país. Ideias bem executadas, talento empresarial e vontade política podem colocar Brasília nos trilhos.


Churrasqueiras lucrativas

        


Quando o perfil é de empreendedor, a cabeça não para nem no momento de diversão. Que o diga Alessandro Mendes. Um dia, ele estava reunido com os amigos e ficou observando a carne queimar na chapa de uma churrasqueira. Foi aí que ele teve a ideia de abrir o seu próprio negócio. O conhecimento de serralheria adquirido na época em que serviu o Exército foi primordial. A partir daí, buscou um ponto na Área de Desenvolvimento Econômico (ADE) de Samambaia e abriu a empresa. Atualmente, a fábrica emprega 12 pessoas e produz, em média, 30 churrasqueiras por dia, 900 por mês. Mas a quantidade poderia ser maior. “Um supermercado fez encomenda de 3 mil unidades e fica difícil cumprir os contratos porque tenho dificuldades para crescer.” Alessandro afirma que os principais problemas são: segurança, linhas de crédito e mão de obra qualificada. “Os meninos chegam aqui sem saber nada, perco tempo ensinando, não tem escolas profissionalizantes”, conta. O empresário afirma que nunca teve nenhuma ajuda do Estado. “O que eu percebo é que para nós, que somos pequenos e estamos querendo crescer, o governo não olha”.


Aposta na agricultura orgânica

        


Cidade de gente com alto padrão de consumo e poder aquisitivo, Brasília é um mercado de portas abertas para a agricultura orgânica. Foi por apostar nesse setor que o empresário Joe Valle saiu da falência, quando plantava com agrotóxico, para uma história de sucesso. É dono da marca Malunga, que comercializa 200 toneladas de alimentos por mês, entre hortaliças, leites, lacticínios. “Brasília reúne público que quer comer bem e tem condições para isso”, diz. A demanda está associada a uma qualidade da mão de obra no setor agroindustrial do DF: “Os produtores aqui são muito receptivos às novas tecnologias”. Na capital, há 400 agricultores vinculados a cinco cooperativas. Entre as medidas que impulsionam o setor, uma facilidade foi garantida por lei distrital, a da Agroindústria Artesanal, com adoção de critérios simplificados para o registro dos produtores.


Um polo para o chocolate

        


Brasília é a capital da arquitetura. Pode ser também a do chocolate. Por que, não? Um grupo de fabricantes locais se uniu com o propósito de convencer o poder
público a dar condições para a criação de um polo do produto em Sobradinho.
Seria uma forma de reunir um setor em ascensão na capital federal, mas que hoje trabalha de forma dispersa. “Brasília não é apenas a Esplanada dos Ministérios, o chocolate pode nos ajudar a mostrar isso”, considera Francisco Lacerda, um dos idealizadores do projeto, que reuniria várias fábricas cujas lojas se tornariam um atrativo. Dona da marca Kaebisch, Ana conta que o clima seco de Brasília é ideal para a produção de bombons, calcula que vende até 600 quilos por mês e chega a 3 toneladas nesta época de Páscoa. Confia que ainda há chance para crescer, desde que haja planejamento e espaço: “O polo de chocolate seria um caminho”.

Arena da sustentabilidade ambiental

        


 Qualidade e preço já foram fundamentais para definir quem fica e quem está fora do mercado. Representante do escritório responsável pela construção do Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, o arquiteto Vicente de Castro Mello diz que o diferencial hoje é competir pela sustentabilidade. “É um jogo em que não há perdedores”, confia. Com uma cobertura capaz de armazenar águas das chuvas e diminuir o desperdício em 80%, painéis solares e pisos impermeáveis, a obra da arena foi concebida para agregar preservação ambiental à arquitetura. O novo modelo cria demanda por insumos específicos para o setor. “Como o estádio é um palácio público, onde as pessoas vão circular e conhecer as novas tecnologias, será uma chance para que o cidadão comece a incorporar essas tendências em seu dia a dia.”

Produto ecologicamente correto

        


Os empresários Leandro de Conto Souza, 40 anos, e Carlos Cruz, 33, apostaram que o caminho do empreendedorismo no DF passa pela sustentabilidade. Os dois têm uma empresa que fabrica produtos com foco no meio ambiente. O carro-chefe é o sanitário ecológico portátil, que pretende substituir os banheiros químicos. Com pia e vaso de louça, pode ser levado para qualquer local, pois tem um sistema próprio de tratamento de esgoto e de reaproveitamento de água. Tecnologia candanga, que só passou a ganhar corpo quando a dupla conseguiu um empréstimo de R$ 120 mil da Agência Brasileira da Inovação. “O subsídio administrativo nos permitiu transformar a ideia em produto”, conta Leandro. Agora, começam a colher os frutos. “Precisamos de financiamento, de mais espaço, pois temos que construir algumas unidades na rua. Sem isso, não teremos fôlego para continuar.”


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POLíTICA CULTURAL »
Sai a lista dos contemplados pelo FAC
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A Secretaria de Cultura do Distrito Federal publicou hoje, no Diário Oficial do Distrito Federal, o resultado dos três últimos editais do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). As categorias divulgadas hoje, de criação e produção, registro e memória e montagem de espetáculos, contabilizam investimento de R$ 25, 8 milhões na produção artística local. CORREIO BSB 28.03

Somados aos outros três editais lançados em 2012 e já finalizados, fecha em R$ 48 milhões a conta de investimento do fundo em cultura, no ano passado. Os sete editais divulgados em 2013 devem destinar R$ 54 milhões para os projetos (mas este valor pode ser recalculado). Seis deles já estão na praça e o último, referente à manutenção de grupos, deverá ser publicado em abril.

No edital de criação e produção, foram contemplados 25 projetos de audiovisual e oito discos. Na área de registro e memória, serão produzidos três catálogos, duas publicações e 11 livros. Já a categoria montagem de espetáculos registra investimento em 52 produções circenses, operísticas, teatrais e musicais.

“A categoria mais acirrada é a musical e o teatro nos surpreendeu com a quantidade de projetos: foi o segundo campo mais procurado”, afirma o subsecretário do FAC, Leonardo Hernandes. O superavit, por outro lado, é calculado a partir do recurso não utilizado, que volta para o tesouro e é devolvido ao fundo. Geralmente, ocorre de a procura ser inferior nas áreas de literatura e artes visuais. Hernandes destaca uma novidade na seleção: a categoria inovação e transversalidades, direcionada a projetos de até R$ 200 mil que não se enquadrem em nenhuma das linhas anteriores. “A ideia é experimentar possibilidades diferentes”, frisa.

Na categoria musical, um dos escolhidos é Rodrigo Bezerra, guitarrista de jazz com um pé na música brasileira, parceiro de Ellen Oléria e larga experiência mundo afora. Com o dinheiro do fundo, vai gravar seu primeiro disco de canções, Tempo ilusão, ao lado do pianista Felipe Viegas e do baterista Renato Galvão. “Acho que o projeto pontuou bem por ser diferente. Faremos um aplicativo para smartphone no qual será possível baixar o conteúdo do disco, com curiosidades, informações e canal interativo”, explica.

O cineasta Otávio Chamorro foi selecionado para fazer um curta-metragem que dá continuidade à sua linha de trabalho: usar a comédia e a temática LGBT para revelar o lado criticável da sociedade.  “Uma das minhas contrapartidas é uma oficina de interpretação. Quero fazê-la antes do filme para descobrir parte do meu elenco em alguma comunidade que a Secretaria de Cultura sugerir”, avisa. A curadora Flávia Gimenes foi incluída no quesito registro e memória, com o catálogo da pintora Clarice Gonçalves. “Já contratamos um designer internacional e teremos textos de Graça Ramos e Mário Gioia ”, revela.

O outro lado
Enquanto os aprovados comemoram o êxito dos projetos, um grupo de artistas reverbera seu descontentamento com algumas mudanças no FAC. Embora reconheçam avanços e melhorias, como maior investimento financeiro, maior abrangência de contemplados, entre outros, apontam o que definem como dirigismo na seleção. “Esse dinheiro é uma conquista da sociedade, não pode ser usado para nenhum fim de política de governo. Ela não tem recursos, então acaba direcionado o fundo para ações que seu orçamento não permite”, destaca o maestro Rênio Quintas, 35 anos de militância cultural e integrante da Fórum de Cultura do DF.

Outra queixa é o fato de a Secretaria de Cultura ter aberto um canal de diálogo com a classe artista, convocando um seminário chamado O FAC que queremos, e nunca ter dado retorno sobre as reivindicações e opiniões expostas durante o encontro. Ontem de manhã, um grupo estava na secretaria para protocolar um pedido de impugnação da série dos editais em fase de inscrição.


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CINEMA »O diário do lobo solitárioMariana Brennand comenta o processo de produção do documentário Francisco Brennand, que tomou 10 anos de trabalho
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Aos 76 anos, o artista quebrou a reclusão para se deixar filmar pela sobrinha-neta: consciência de finitude e do que poderia deixar para o futuro.  CORREIO BSB 25.03

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A cidadela de Brennand, no Recife, abriga o ateliê e o acervo do artista



Há 40 anos, um homem habita um palácio, mas não é um rei. A cidadela vigiada por seres mitológicos de cerâmica, construída às margens do rio Capibaribe, no Recife, em projeto faraônico, abriga o ateliê e o acervo (resultante de décadas de trabalho) do artista plástico e escultor brasileiro Francisco Brennand. As imensas esculturas totêmicas imitam as formas de animais ou seres que existem apenas na imaginação do artista até ganharem estrutura sólida. Eles são testemunhas de um universo paralelo, existente no planeta Terra, e aberto à visitação do público.

Outros tesouros resistem ao efeito do tempo, escondidos na antiga fábrica da família Brennand, uma das mais abastadas do interior de Pernambuco. Porém, pouco conhecidas e talvez muito mais reveladoras das impressões e memórias do artista, as páginas de um diário guardam segredos íntimos. Nas mãos da documentarista Mariana Brennand Fortes, esses escritos ainda não publicados encontraram uma destinação interessante para o conhecimento do homem escondido sob o manto do artista.

A opulência das figuras de Brennand impressionavam igualmente a sobrinha-neta do artista, durante as visitas ocasionais que ela fazia ao tio durante a infância. O grau de parentesco nunca serviu para aproximá-la do “lobo solitário”. A arte, então, tratou de encurtar as distâncias afetivas. Depois de encerrar os estudos de cinema em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, Mariana começou a produção da cinebiografia documental Francisco Brennand, lançada no circuito comercial depois de 10 anos de trabalho.

“Muita coisa se passou comigo durante o período. Foram muitas transformações, eu tinha 22 anos quando comecei o projeto e tive de me modificar para entender a densidade do que estava na minha frente, daquilo que eu via na obra dele, o mergulho para conhecer os saberes de um mundo tão rico como o de Brennand, um intelectual, muito erudito. Tive de estudar muito para entendê-lo e isso significou um certo isolamento para mim, com necessidade de tempo para reflexão”, relembra Mariana. Hoje, aos 32 anos, ela detém os prêmios de melhor documentário e melhor filme eleito pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) na 36º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

» Três perguntas // Mariana Brennand

O recurso da leitura do diário escrito por Brennand, usado dentro do filme, parece com o desejo de apresentar um aspecto subjetivo do personagem. Em que momento foi decidido o uso desses escritos?
Com certeza, a razão pela qual usei o diário foi para permitir o acesso a uma carga emocional e psicológica muito grande. Poderia fazer um link com o artista e o homem, com a possibilidade de fazer um retrato profundo, muito humano do Brennand que as entrevistas que eu pesquisei não revelavam. Brennand é um homem muito recluso, fechado, e foi se abrindo aos poucos. Eu soube da existência do diário no meio do processo. Não poderia fazer o filme sem beber da água desse lago. Descobri também que a obra dele não estava catalogada e coordenei a publicação do livro Universo de Francisco Brennnand, com a apresentação das obras em ordem cronológica. Estamos tentando publicar o diário. É um sonho do Brennand publicar isso ainda em vida. Daí você tira a importância que o diário tem para ele.

As declarações extraídas do diário deixam escapar uma preocupação muito grande com o sentido de eternidade da obra e das memórias de Brennand. Você sentiu essa inquietação durante a convivência com seu tio-avô?
O filme é feito de significados simbólicos. Uma das mais importantes é a visão do homem Brennand como artista. A obra dele está totalmente ligada ao renascimento, à ideia de vida e morte. No momento em que eu o encontrei, com 76 anos, ele tinha uma consciência muito real da finitude e do que ele poderia deixar para o futuro. Foi uma das razões para as quais ele se abriu muito, quebrou a reclusão de alguma maneira e se aproximou de mim por meio do filme, através de uma cineasta que foi lá documentar a vida dele.

A participação da atriz Hermila Guedes como narradora e personagem não quebra um pouco essa esquematização?
A voz da Hermila é a minha voz dentro do filme, um alterego. Chegamos ao formato de adaptação do diário usando a voz da Hermila para contar a história por mim. Ela entra um pouco para fazer o que o Brennand fez no diário dele. O diário segue uma escrita livre, natural e de muita proximidade. Alguém que está contando uma história muito íntima do que vivenciou. Ao mesmo tempo, a Hermila é a voz de uma das modelos posando para o Brennand. Ela foi fotografada por ele. Em certo momento, o documentário é sobre Brennand e sobre a Hermila.