quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Manchetes do Edu


A cinco minutos da meia-noite ( MEIO AMBIENTE)
Já não se passa mais um dia sem que notícias muito impactantes das áreas de clima e energia venham soprepor-se às fortes preocupações de quem já acompanha o panorama do mundo, as ameaças crescentes, os dramas em tantas partes, inclusive entre nós.    Washington Novaes, Jornalista -  O POPULAR GO 19.09

Mesmo nesse quadro, ainda surpreendem notícias como a de que o governo brasileiro vai financiar, ele mesmo, através de bancos oficiais, recursos para as novas etapas da usina nuclear Angra 3, depois que um consórcio de bancos europeus recusou-se a conceder o financiamento pedido, porque não lhe foram apresentados os planos de segurança e garantia no empreendimento, que havia exigido. Além dos riscos inerentes aos projetos nucleares, inclusive da falta de destinação para o lixo altamente perigoso, Angra situa-se em área do litoral sul fluminense, onde já está acontecendo a elevação do nível do mar, como admitiu o respeitado professor Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento, do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, em entrevista no programa Roda Viva, da TV Cultura. Nobre disse que o projeto de expansão em Angra “deveria ser revisto”.

A notícia do financiamento também chega no momento em que o governo japonês decide assumir, diretamente, o controle do combate às radiações na acidentada usina de Fukushima, mais de dois anos após o tsunami. O governo japonês afasta a empresa concessionária da usina que não consegue evitar que a radiação ali possa matar em quatro horas uma pessoa, pois está mais de 100 vezes acima do que já fora registrado antes. Fukushima já levou também o governo japonês a rever, com altos custos, sua matriz de energia, e a implantar um “muro de gelo”, congelando o mar ao redor dos reatores nucleares.

Nessa hora, em que vários países (como Alemanha, Suécia, Itália e outros) adotam cautela ou restrições à energia nuclear nos planos nacionais, nós seguimos intrepidamente essa senda, até planejando mais quatro usinas no Nordeste. Ignorando, como diz o prof. Ildo Sauer, diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, “tratar-se (a energia nuclear) de um dos maiores fiascos tecnológicos da história da humanidade” (revista Estudos Avançados, nº 27, de 2013). E ignorando – o que já foi comentado várias vezes neste espaço – as possibilidades únicas de um país como o Brasil, que pode ter uma matriz energética absolutamente limpa, renovável e segura, com hidreletricidade, energias eólica, solar, de biomassas, de marés, geotérmicas.

Deixamos de lado também as questões relacionadas com o clima, as influências que nele têm as emissões de poluentes no processo energético e as consequências que o País sofrerá nas próximas décadas, segundo estudo de 345 cientistas para o Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Há poucos dias eles informaram que a temperatura no nosso Semiárido poderá subir entre 3,e 4,5 graus até o fim do século, com redução de chuvas entre 40 e 50%; na Amazônia, que já perdeu a cobertura florestal em 725 mil quilômetros quadrados, a temperatura poderá elevar-se em até 6 graus Celsius. A vazão de rios poderá diminuir e os prejuízos para a agropecuária poderão ser de até R$ 7 bilhões a partir de 2020 (jornal Valor, 10/9).

Serão os temores apenas “fantasias de ambientalistas”, preocupações de “profetas do apocalipse”? Há poucos dias, numa discussão em que países industrializados analisavam formatos para “salvar” as ilhas do Pacífico Sul – ameaçadas pela elevação do nível do oceano, consequência da maior temperatura gerada pelas emissões de poluentes –, o próprio secretário de Estado norte-americano, John Kerry, confirmou publicamente a situação dramática (as Ilhas Maldivas, por exemplo, planejam implantar ilhas artificiais e transferir para elas suas populações); também disse que o quadro climático é “extremamente grave” – comentando ainda as previsões da Agência Internacional de Energia, sobre aumento das temperaturas nas próximas décadas.

Nada disso impede, entretanto, que os Estados Unidos estejam implantando oleoduto para transportar petróleo do Ártico, onde o degelo que está acontecendo poderá significar – também é a AIE que diz – custos de US$ 60 trilhões nos próximos tempos. Ou que a China já esteja implantando a primeira rota de navegação atravessando o próprio Ártico, para reduzir o tempo de viagem até a Europa.

“Estamos a cinco minutos da meia-noite”, diz o secretário-geral da Convenção do Clima, Rajendra Pashauri. Quem ouve? Talvez console saber-se nos bastidores que o Brasil vai mudar de posição na próxima reunião da Convenção, em dezembro. E propor compromissos obrigatórios de redução das emissões para todos os países, proporcionalmente a sua contribuição histórica e atual para o aumento da concentração de gases poluentes na atmosfera. É um retorno à posição brasileira em 1997, abandonada depois. Mas é um avanço bem-vindo.

Nesta hora de tantas aflições no campo da energia, dos materiais radioativos e do clima, convém não nos esquecermos também de mais um aniversário do acidente com o césio em Goiânia. Ainda na presença de tantas vítimas sofrendo ao nosso lado.

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Mudanças também precisam ocorrer "da porta para dentro"
Por Betania Tanure é doutora e professora da PUC Minas e consultora da BTA
O que você acha de um presidente afirmar que, no seu time, uma boa parte das pessoas está apenas parcialmente comprometida com os desafios? E se ele disser ainda que são poucos os que têm as competências necessárias para entregar resultados diferenciados? VALOR ECONÔMICO 19.09


Não é difícil medir o que isso significa para as empresas, em especial no atual cenário macroeconômico brasileiro, de muita incerteza, baixo nível de crescimento e uma taxa de impostos que se situa entre as mais altas do mundo.

Esse é o Brasil de boa parte das nossas grandes empresas. Em relação às decisões macroeconômicas elas têm pouco a fazer individualmente, porém muito a fazer no coletivo, nas associações e nas federações. E podem ter muito a mudar também "da porta para dentro".

Devo dizer que achei terríveis os resultados revelados por uma pesquisa que fizemos no 13º Fórum de Presidentes, promovido em agosto pela Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH). Para os 114 CEOs entrevistados, que comandam cerca de 30% do PIB brasileiro, 41% dos executivos de sua equipe estão apenas parcialmente comprometidos com os desafios e somente 37% apresentam as competências necessárias para entregar no presente resultados que sustentem a construção do futuro.

Para esses presidentes, a primeira pergunta é: como você faz o seu "dever de casa"? Se o seu time tem problemas, não tenha dúvida de que esses problemas, ou boa parte deles, começam em você. Dificuldade de ser meritocrático? Autoritarismo? Ego avantajado? Falta de tempo para trazer as pessoas para o jogo? Falta de acreditar genuinamente que elas fazem a diferença? Talvez a herança do seu antecessor seja ruim - mas o que você fez a partir daí?

Analise em que medida seus executivos entregam resultados excepcionais. Aqueles que satisfazem as necessidades imediatas provavelmente não são demitidos, mas, se o estratégico não vem junto, ainda assim eles são promovidos? Avalie se você está promovendo os que entregam a qualquer custo, sem semear o longo prazo, ou os que, com visão de futuro, também desenvolvem estratégias e pessoas. Sei que são raros os executivos nesse segundo grupo. Nossas pesquisas indicam que apenas 8% combinam com equilíbrio resultados de curto prazo, construção do futuro e pessoas.

Para alguns falta a mobilização, o significado, a causa. Reflita se você sabe com clareza qual a causa que o move e que move cada pessoa do seu time. Invista tempo nisso. Para outros, que já se sentem mobilizados, falta saber se têm as competências adequadas. Elas não se desenvolvem em um passe de mágica ou pela simples vontade pessoal. Vontade não é tudo. É preciso estruturar um caminho, uma jornada de aprendizagem entrelaçada com o negócio, coisa tão rara no meio empresarial - e também no mundo acadêmico.

No Brasil são raríssimos os processos de desenvolvimento com resultado real na dinâmica do negócio. Não por acaso, em momentos de incerteza como o atual, muitas iniciativas de desenvolvimento são canceladas ou postergadas. Algumas porque, apesar de "lindas", estão distantes do mundo real - são úteis para o currículo do indivíduo, mas têm pouco efeito na vida empresarial. Outras porque não se acredita que são as pessoas que viram o jogo e que garantem, ou não, resultados diferenciados. Claro que um terceiro grupo de empresas corta iniciativas porque já está morrendo, mas esse, felizmente, não é o caso da maioria.

A que grupo sua empresa pertence? Analise isso com honestidade e, se preciso, aja para mudar essas estatísticas. Caso contrário, sua empresa poderá ser uma das que fatalmente são levadas ao fracasso. Mude o jogo, com o compromisso do seu time. Tenha a humildade e a sabedoria de criar condições para aumentar as competências individuais e organizacionais de sua empresa. Mãos à obra!

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José Paulo Cavalcanti Filho: Toga no chão  -  Tendências / Debates  FOLHA SP 18.09
Adaucto Lucio Cardoso apoiou o golpe militar, foi fundador da Arena e, em 1966, era presidente da Câmara dos Deputados. Mas não se curvava, diferentemente da grande maioria dos homens daquele tempo. E de hoje, também. Mesmo aqueles a quem nos referimos como vossas excelências. LJOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade

Quando o general Castelo Branco cassou o mandato de alguns deputados, reagiu altivamente. E declarou considerar sem efeito as cassações. Por pouco tempo. Que, no fim daquele mesmo dia (20 de outubro de 1966), o Exército ocupou o Congresso Nacional.

Na reabertura dos trabalhos (em 22 de novembro), Adaucto disse não aceitar a humilhação de ver o Parlamento fechado. Uma resposta rara dada por quem apoiava o governo. Nenhum dos outros presidentes, do Senado ou da Câmara, neste e nos dois outros momentos em que o Congresso foi fechado (em 13 de dezembro de 1968 e 1º de abril de 1977), sequer protestou.

Renunciou à presidência. Mas acabou indicado para o Supremo Tribunal Federal.

Adaucto honrou a casa. Respeitava as leis. Mas sabia ouvir, também, a voz das ruas.

Tanto que concedeu habeas corpus ao líder estudantil Vladimir Palmeira e a Darcy Ribeiro, então preso. Para desgosto dos ocupantes do Palácio do Planalto, que cobravam subserviência. E a recebiam de (quase) todos. Até de juízes. Estamos falando de tempos idos, claro.

Carvall         

Segue a vida e, em 1971, o general Médici editou o decreto-lei nº 1.077 --que estabelecia a censura prévia de jornais, revistas e livros. Em aberta violação à Constituição de 1969, que não admitia qualquer censura. Deve ter rido, ao assinar. O general gostava de rir, senhor meu. Eram negros anos.

Naquele tempo, apenas o procurador-geral da República podia questionar a constitucionalidade das normas jurídicas. O MDB, então único partido de oposição, pediu que impugnasse o decreto-lei. E o procurador-geral, subserviente, teve o desplante de declarar que não via qualquer violação à Constituição. Nada a estranhar que haja sempre homens assim, dispostos a pagar, com decisões e votos, suas nomeações aos cargos.

O MDB entrou com reclamação diretamente no Supremo. Adaucto pôs em julgamento. Mas fez, antes, discurso afirmativo, indicando que os brasileiros esperavam um gesto do Supremo. Discurso de quem, ao contrário de alguns pares seus, tinha coragem cívica.

Ao fim da votação, apenas ele votou contra a censura. Os demais ministros exercitaram a vilania se refugiando em tecnicalidades. De onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo, ensinava Millôr.

Adaucto declarou que seus pares envergonhavam a casa. Que não se sentia mais à vontade para conviver com eles. E jogou sua toga na curul (assim se chama a cadeira dos ministros), segundo uns; ou no chão do plenário, segundo outros. Após o que foi embora. Saiu do Supremo para entrar na história, dá vontade de repetir a frase de Getúlio. Evandro Lins e Silva, mestre querido, disse que "sua atitude foi única, continua única e provavelmente nunca se repetirá". Será?

P.S. Hoje, não estarão em julgamento os embargos infringentes. Hoje, quem será julgado é o Supremo.

JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade






quarta-feira, 18 de setembro de 2013

De Guimarães Rosa à resistência do circo
Primeiro dia da Mostra Competitiva traz uma ficção do Ceará e um documentário do Espírito Santo. CORREIO BSB 19.09



A história de um circo que perambula por cidades do sertão e as dificuldade dos artistas envoltos por pobreza, mas cientes do valor da arte, são o mote do longa da ficção que abre a Mostra Competitiva do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A produção é dirigida pelo cearense Rosemberg Cariry. “É um filme com uma dimensão humana muito marcada. Da precariedade, mas ao mesmo tempo do sonho, da arte, e é essa mistura que deixa o filme legal”, define o diretor.

Cariry é formado em filosofia, mas, mesmo antes de ingressar na faculdade, já estava completamente envolvido pelo cinema, em carreira iniciada em 1975. Concorrente habitual aos Candangos distribuídos no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, o cineasta mantém o foco em enredos  populares.

Os pobres diabos têm em seu elenco Chico Diaz, que participou da última adaptação de Gabriela, e Sílvia Buarque, do longa Gonzaga. Além deles, Everaldo Pontes (sempre uma forte presença no festival), Gero Camilo, Zezita Matos, Sâmia Bittencourt e Nanego Lira integram a trupe de Cariry.

O diretor, que também é escritor e poeta, pesquisa temas ligados à cultura popular e tem vários livros publicados. Em sua obra mais recente, que será exibida no Cine Brasília, hoje, às 21h, escreveu o roteiro e participou da montagem. Os pobres diabos é um longa sobre o circo e seus percalços, mas também se anuncia como um filme sobre encantamento que, como visto anteriormente no trabalho de Cariry, retoma aspectos do povo que vive no interior do país, mas tudo embalado por tragédia conduzida de maneira direta.

O diretor tem produtora própria, a Cariri Filmes, e sempre filma no Nordeste. Esse detalhe tem interferência direta na estética das produções de Cariry. Segundo ele, o público pode esperar de Os pobres diabos um filme “brasileiríssimo”, em que as dificuldades lutam com o amor pela arte. “Todo filme em festival é valorizado sobretudo pelo momento de encontro com o público. Brasília tem espectadores apaixonados por cinema e é sempre especial mostrar filmes aqui”, diz Cariry.


Os pobres diabos
(CE, ficção, 98min, 14 anos); às 21h

Outro sertão
(ES, documentário, 73min, 10 anos); às 19h

Cine Brasília (R$6,00 e R$12,00) Teatro Sesc Newton Rossi (Ceilândia), Espaço Cultural Paulo Autran (Sesc Taguatinga), Teatro do Sesc Gama, Teatro de Sobradinho e Teatro do Guará – entrada franca


           

Deixem Diana em paz  (PE, Animação, 10min, 16 anos); De Julio Cavani
Aos 30 anos, Diana resolve largar tudo para se dedicar apenas ao mar e ao sono

           

Sylvia  (PR, Ficção, 17min, livre). De Artur Ianckievicz
Sylvia é camelô e passa grande parte do tempo em uma academia de boxe, onde conhece Nathalia.


Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha      
Filme conta período em que o escritor morou na Alemanha


Sertão Nazista
O primeiro documentário da Mostra Competitiva é resultado de uma parceria das diretoras Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. Ambas se debruçaram sobre período em que João Guimarães Rosa esteve diretamente exposto aos efeitos da Alemanha nazista. O diplomata de carreira foi vice-cônsul em Hamburgo entre 1938 e 1942. O filme adentra essa experiência.

O longa é, para Adriana, uma novidade histórica. “O documentário trata de um assunto importante para a história do país e pouco conhecido do público em geral. É produto de longa pesquisa na Alemanha, no Brasil e em Israel, mostrando uma série de imagens e documentos inéditos que vão surpreender o espectador. O filme remonta, por meio de imagens e sons de arquivo, a atmosfera em Hamburgo nos anos 1940. Dividido em capítulos, Outro sertão aborda vários aspectos da vida do escritor e diplomata brasileiro em um período tão conturbado da história mundial”, diz a diretora.

Soraia destaca outros aspectos, como testemunhos de pessoas que tiveram suas vidas salvas graças a vistos emitidos pelo consulado brasileiro de Hamburgo na época, e belas e raras imagens de arquivo. “Além da cuidadosa trilha sonora assinada pelo duo O Grivo”, destaca Soraia.


Ambas as diretoras têm proximidade com a Alemanha. Adriana estudou comunicação na Universidade Livre de Berlim e vive se dividindo entre o Brasil e a Alemanha. Soraia é jornalista graduada pela PUC (MG), mas estudou cinema na Universidade Humboldt de Berlim e, hoje, mora em Belo Horizonte.

A realização do documentário estendeu-se por quase uma década e as diretoras estão ansiosas para a exibição. “O Festival de Brasília é a plataforma ideal para a estreia de Outro sertão, por ser uma mostra de amplitude nacional. Esperamos que a divulgação em Brasília sirva para provocar debate e inspirar mais filmes históricos e biográficos”, diz Adriana.


           

Luna e Cinara  (RJ, Documentário, 14min, livre) De Clara Linhart Sinopse: O curta mostra a relação atípica da aposentada Luna e sua empregada, Cinara.

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Sociedade
Uma nova espiritualidade
A busca da felicidade deve ocorrer onde pode se concretizar: no amor, no idealismo, na solidariedade. E não em um consumismo desenfreado e irrefletido  -    por Ciro Gomes —  CARTA CAPITAL 18.09
 
 felicidade
Ser feliz hoje parece resumir-se a responder a uma pergunta tosca: quanto atendemos de uma expectativa de consumo?


Não gosto, mas constato que a fugidia busca da felicidade que mais ou menos lucidamente nos guia na vida transitou da minha para a atual geração de um ambiente espiritual para um ambiente puramente materialista. E um materialismo em seu pior significado, o consumismo.

Não estou, claro, falando de religião quando me refiro à dimensão imaterial, idealista, espiritual, onde se buscava encontrar a tal felicidade. Era a poesia, a seresta, a boemia, o amor romântico, mas, acima de tudo, uma crença confiante de que éramos capazes de enfrentar não só o cabo da esquina, mas de mudar tudo que quiséssemos mudar, mesmo que fossem as estruturas da família mononuclear ou até mesmo – o maior talvez de todos os equívocos – a superação dos limites psicofísicos de nosso cérebro pela viagem lisérgica. Tal era ser feliz! Ou ao menos havia uma bastança enorme nessa busca em nossas almas.

Hoje em dia, e nisso não há nenhuma nostalgia, mas um diagnóstico para uma nova e generosa frente de luta, ser feliz, parece, resume-se a responder a uma pergunta tosca: quanto de uma expectativa de consumo dramaticamente excitada por uma infinda e maravilhosa oferta global damos conta de saciar com a renda apertada de que dispomos? Sim, pois, na mesma proporção que nossa renda possa evoluir, muito mais velozmente evoluem os encantos do consumismo.

E a única coisa efetivamente globalizada é a informação, o resto é mera manipulação ideológica imposta pela perversão liberal, tal como o “Consenso de Washington” a definiu.

Não é a miséria, por exemplo, como uma generosa, porém equivocada, opinião esquerdista sustenta, a causa da violência que explode em nossas cidades – todas na mesma ocasião em que o País retira da pobreza mais de 20 milhões de indivíduos. É, penso eu, o desdobramento natural do que reparto aqui: os jovens atuais, desespiritualizados, são induzidos a referir sua felicidade a um conjunto de elementos iconográficos do consumo moderno de massa, seja para portar os símbolos do êxito, seja para ser aceitos pelos seus grupos ou pelas meninas... E não têm dinheiro para adquiri-los. Frustração no primeiro momento. No seguinte, em consequência da justaposição da opulência, revolta e violência. A droga nada mais é que um escapismo anestesiante de uma vida vazia e careta. De um vácuo espiritual.

Dessa constatação resultam consequências muito práticas e concretas para quem imagina que estou divagando à beira de filosofia barata: se ser feliz modernamente é acessar ao bom, bonito e barato, cuja notícia global (sem trocadilho) nos chega pela televisão ou pela internet, trata-se de perguntar se as condições de produzir esse padrão desejado, como o próprio ser feliz, são globais.
Óbvio: a taxa de juros campeã mundial, o retardo tecnológico extenso e a economia baseada (ao menos sob o ponto de vista do emprego) em pequenas empresas que por definição trabalham em pequena escala não fazem do Brasil um país propriamente protagonista mundial desse ideal de consumo. Essa assimetria competitiva arbitrada por um consumidor desespiritualizado e com renda precária merecerá mais reflexões aqui, sob o ponto de vista econômico.

É, porém, uma batalha mundialmente perdida. O que quer dizer que, ao lado de modelos econômicos e de inserção internacional rebeldes à corrente dominante, há de se fortalecer uma luta global, especialmente entre nós, brasileiros, tanto mais com os jovens e as crianças, por uma nova espiritualidade.

É a tarefa histórica que os estetas, intelectuais, artistas (pensei muito em você, Patrícia) e especialmente políticos que não tenham só minhocas na cabeça e compulsão eleitoral devem realizar: temos de devolver a busca ansiosa pela felicidade onde ela tem alguma chance de se revelar real: ao amor, ao idealismo, à solidariedade, à austeridade, à parcimônia e ao respeito verdadeiro à natureza.

O novo consumidor deverá ser capaz de fazer três e não apenas uma pergunta no seu ato de consumo. Hoje só perguntamos quanto custa, seja para ter, seja para se frustrar. É preciso que perguntemos sempre quanto custa, pois a vida é dura, mas é preciso mais duas perguntas: quem se aproveita economicamente do meu ato de consumo e se esse meu ato é amistoso em relação à natureza na origem e nos rejeitos. Seria o começo de uma nova revolução.





segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Manchetes do Edu

Chorinho de menino
Ian Coury, de 11 anos, toca todos os domingos em um café na Asa Norte. Há quem se espante com a pouca idade, mas todos se rendem ao seu talento
CORREIO BSB 15.09
Yan Coury se encantou com o bandolim depois de assistir a um show de Armandinho Macêdo


Admiradores da boa música ficam rendidos com o som extraído do bandolim por Ian Coury, 11 anos. Os dedos se movem rapidamente no braço do instrumento colado ao peito de menino. O garoto encanta os frequentadores do Café do Chef (108 norte) no domingo à tarde. Quando começou ali, há quatro meses, era acompanhado apenas pelo pai, ao pandeiro, e por um amigo, ao violão. Hoje, a roda de choro em volta do jovem talento aumentou. Músicos aproveitam a oportunidade para praticar, trocar experiências e se divertirem. O maestro dessa brincadeira traz a leveza da infância e convida quem passa a ficar para ouvir.

“Maravilhoso! Um garoto tão novo tocando daquele jeito é impressionante”, fala Katherine Limonge, cliente conquistada pela música da turma. Não foi só o número de músicos que aumentou no últimos meses. A clientela tem sido atraída pelo bom som. “Todo mundo gosta muito. Estamos até pensando em fechar mais tarde aos domingos devido aos pedidos”, comenta Nádia Carvalho, gerente do café.

Tristeza só no nome. O choro ou chorinho é um ritmo que expressa a alma do brasileiro. É uma música boa, alegre e cheia de sentimento, segundo Hamilton de Holanda, um dos maiores nomes dessa escola e o grande ídolo de Ian Coury. Não é o estilo preferido da maioria dos jovens, muito menos das crianças. Tanto Ian quanto outros talentos da música brasileira seguem os passos de quem fez e faz história com o choro e preservam a cultura do país. Quem mostrou o chorinho para Ian foi Carlos, o pai, um dos exemplos que o menino segue.

Hamilton de Holanda também começou a tocar ainda pequeno. “Fico feliz de saber que ele vem estudando música, mas sem deixar de brincar com ela. E tem que ser assim mesmo nessa idade, fazer algo mais lúdico. Pela musicalidade que ele apresenta, tem futuro. Mas isso depende muito da dedicação dele”, afirma o músico. Hamilton convidou Ian, no fim do ano passado, para tocar em um show aqui em Brasília, no evento Bandolim Solidário. “Convidei para participar do show e ele arrasou, foi super aplaudido”, lembra Hamilton. A primeira vez que o músico ouviu o garoto foi por meio de um vídeo que um amigo enviou. “Fiquei impressionado com o jeitão dele para tocar e com a intimidade que tem com a música”, fala o bandolinista.

Iniciação
Começou a ter aula de cavaquinho aos 7 anos de idade, com apenas três meses se apresentou pela primeira vez. Continuou os estudos, mas queria mesmo era tocar guitarra. O pai disse que esperasse mais um pouco que lhe apresentaria um novo instrumento. Na época, o músico Armandinho Macêdo se apresentou no Clube do Choro. Ian foi com o pai e se apaixonou pela sonoridade do bandolim. Ouviu um conselho de um mestre e seguiu. “O Armandinho disse: larga o cavaquinho, pega o bandolim”, lembra. Esqueceu também da guitarra. Até tem uma, mas fica esquecida no canto do quarto.

O primeiro bandolim foi de oito cordas. Hoje, toca com um de 10. A diferença, em termo práticos, é o acréscimo de duas cordas mais graves. Elas possibilitam novas sonoridades, permitem um som mais completo. Quem desenvolveu e aprimorou o instrumento foi Hamilton de Holanda. “Pode até existir um dia alguém que toque como Hamilton, mas não melhor”, fala Ian sobre o músico que o inspira.

Todas as manhãs são reservadas para as lições. Intercala os dias com aulas de teoria musical, harmonia, improviso, coral e técnica. À noite, pratica um pouco antes do cansaço do dia abater. Além das aulas na escola de música, tem lições particulares com mais três professores. A rotina tão puxada não é um peso. Ian leva o chorinho com prazer. A grande escola foi participar da roda de choro Vila Madá, no Deck Shopping (Lago Norte), aos sábados. Já são dois anos ali aprendendo e brincando. Há muita diferença entre tocar somente para o professor e acompanhar outros instrumentos. Ali, o menino aprendeu a tocar em grupo. “Perdi o medo, fiquei mais solto para tocar”, conta.

Enquanto não sai pelo Brasil afora se apresentando, Ian segue com os estudos. O cuidado agora é com a técnica. Aprimorar cada vez mais o som. Ian Coury quer entrar na Universidade de Brasília e cursar composição. O futuro está todo desenhado, ou melhor, musicado pelo menino.


“Convidei o Ian a participar do show e ele arrasou, foi superaplaudido. Fiquei impressionado com o jeitão dele para tocar e com a intimidade que ele tem com a música”
Hamilton de Holanda, bandolinista

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A presença de Glauber
A diretora Paula Gaitán, última mulher do cineasta e mestre, traz ao Festival de Brasília o longa Exilados do vulcão. CORREIO BSB 16.09

“É sempre um prazer falar dele”, admite, ao telefone, a multiartista Paula Gaitán. O “ele” em questão — na conjuntura de vida da cineasta, fotógrafa e poeta — foi seminal: entre 1976 e 1981, Glauber Rocha viveu ao lado dela como marido e incentivador. A satisfação é completa, nesse sacudir de memórias que, por sinal, formatam a obra, em cinema, de Paula Gaitán.

“As pessoas falam do Glauber com muito carinho porque sabem que o afeto nosso se mantém muito vivo. Pra mim, não tenho resistência de falar dele, porque sempre foi uma pessoa muito importante na minha vida. Ele representa um pensamento vivo, rico e luminoso do cinema brasileiro. Glauber só traz alegria, para quem vê seus filmes ou lê seus livros”, analisa. A cineasta teve dois filhos com o diretor baiano. Em Diário de Sintra, feito há seis anos e assinado pela diretora, traz “uma reflexão, em voz alta” da intimidade do casal.

Diretora de arte de A idade da Terra (1980), fita glauberiana com tomadas em Brasília (locação em que o cineasta esparramou o intelecto pelas páginas do Correio Braziliense, onde trabalhou nos anos 1970), Paula Gaitán voltará à capital que alimentou a paixão por Glauber, na disputa por prêmios Candango, com a abertura, terça-feira, do 46º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. “Exilados do vulcão, que será apresentado, é meu quinto longa. Como dirijo filmes há 25 anos, as pessoas sabem dividir muito bem minha vida com Glauber: já tenho um espaço próprio.”

Na nova passagem por Brasília, Paula traz na bagagem (e na equipe, ao lado da filha Maira Senise), “uma herança compartilhada” com Glauber: os filhos Eryk Rocha (produtor do longa) e Ava Rocha (presente na trilha e à frente da câmera, como atriz). “Nós somos muito unidos, nos respeitamos bastante. Tentamos nos encorajar nessa vida tão difícil de cineasta”, comenta a mãe, aos 59 anos. Brasília traz à lembrança ainda a exibição do primeiro longa, Uaka (1988), feito no Xingu e vencedor de cinco prêmios, na extinta mostra de 16mm.

“Tinha uma sequência com índios kamaiurá no Teatro Nacional. O filme trata do Quarup e é meio um pioneiro dessa série de documentários comandados por diretores jovens como o Leonardo Sette (As hipermulheres). Tornou-se uma referência cult, mas nunca foi lançado — pela fatídica época de Fernando Collor. A situação era bastante dramática”, relembra. No exterior, Paula, “cem por cento brasileira” (apesar de nascida em Paris), foi atrás de um segmento de identidade. Na trilha do pai, o escritor colombiano Jorge Gaitán Durán (criador da emblemática revista cultural Mito), Paula fez 40 documentários para tevê colombiana entre 1993 e 2000.

Memória pessoal
“Acho que, no Brasil, as pessoas começaram a perceber meu trabalho, a partir de 2000, com meu regresso. Com a mãe, brasileira, envolvida em teatro, Paula congrega “as misturas, como todo brasileiro”, diante da ascendência eslava. As raízes prometem despontar em Exilados do vulcão, concorrente ao Festival de Brasília centrado no drama de um fotógrafo que vê a memória esvanecer. “Meus filmes transitam muito pelo campo da memória; são carregados da minha história pessoal”, demarca.

Ainda que fuja da narrativa mais conservadora em cinema, a diretora acredita ter cacife para gerar amplo interesse do público. “Meus filmes deixam a completa abstração, na medida em que venho do documentário. Mas, ainda que, aparentemente, antagônicas, ficção e realidade são forças que se complementam: minha proposta acaba impregnada pelo real”, defende. Mais do que meras biografias, Vida (2008) e Agreste (2013), respectivamente centrados nas atrizes Maria Gladys e Marcélia Cartaxo, confirmam a tese. “Quando a gente trabalha com emoções e sinceridade, a energia é passada para o público, que se vê contagiado”, entrega, em torno de seu cinema.

Numa corrente dinâmica — “a minha idade criativa é jovem; muitos se aposentam, mas estou em pleno movimento”, garante —, a última companheira de Glauber Rocha deixa entrever a origem de Exilados do vulcão, movido “à força entranhada em nós e que balança nossa aparente placidez”. Desde já, o que agita a diretora é o encontro com o público da cidade e com “responsável e séria, crítica; sempre muito boa”. Em tempo de reconhecimento (“sem vaidades”), a moeda de retribuição é favorável. “Evito ficar ilhada no meu ego: como professora de workshops, percebo lidar com uma energia muito recompensadora”. Seguramente, um estímulo glauberiano. “Tenho pelo Glauber uma enorme gratidão. Ele era tão, tão generoso, que tivemos uma bênção: ele abria espaço e se dava. Quem esteve perto dele só tem gratidão”, conclui.
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Sinopse
Exilados do vulcão conta a história de uma mulher que perdeu o homem amado. Um incêndio em sua casa destrói diversos objetos, mas fotos e um diário escrito por ele são resgatados. É a partir desses pequenos objetos que ela tenta recuperar a lembrança do companheiro ao percorrer o caminho feito por ele, conhecendo as mesmas pessoas e vivendo as experiências indicadas nas fotos e nas frases do diário.


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Unha encravada -  FOLHA SP 15.09  ( Sobre a burocracia no Brasil - Muito bom)
Finda, em 1945, a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a viver sob a ameaça de guerra nuclear. Foram anos terríveis, que levaram muita gente ao pânico, a ponto de construir abrigos antiatômicos, providos de alimentos para tentar sobreviver a uma possível hecatombe atômica.  Ferreira Gullar é cronista, crítico de arte e poeta. Escreve aos domingos na versão impressa de "Ilustrada". 

Felizmente, a guerra nuclear não houve. De fato, dificilmente haveria, uma vez que os dois lados em conflito possuíam bombas e foguetes suficientes para se liquidarem mutuamente. Terminaram por instalar, em Washington e Moscou, telefones que lhes permitiriam evitar o desastre.

O fim do sistema comunista pôs termo à histeria nuclear. Só quem viveu aqueles anos pode avaliar o quanto é bom livrar-se de semelhante pesadelo. E pode dizer a quem não o viveu: você é feliz, cara, e não sabe!

É verdade. Sucede que o homem é um bicho especial, particularmente porque o que lhe interessa é ser feliz agora. Se a vida poderia ser pior --como naqueles anos-- pouco importa. Importam mesmo as aporrinhações de agora. A ameaça nuclear se foi, mas ficaram outros problemas, menos assustadores, mas, ainda assim, chatos para cacete.

Um deles é a burocracia. E você dirá: não dá para comparar uma coisa com a outra. Tem razão, mas que a unha encravada dói, dói. Claro, é melhor ter unha encravada do que câncer no estômago, mas bom mesmo é não ter nem uma coisa nem outra. Noutras palavras: a ameaça nuclear era terrível, mas passou, e a burocracia, não; pelo contrário, nos aporrinha cada dia mais.

Não estou querendo dar uma de terrorista, mas às vezes me pergunto aonde vai chegar a burocracia que silenciosamente continua se infiltrando e tomando conta de todos os setores de nossa vida.

Você vai achar que eu exagero, mas a gente só se dá conta do problema quando se vê anulado por ele.

Um pequeno exemplo foi o que ocorreu comigo no banco onde recebia minha aposentadoria. Ia lá todo mês, apresentava meu cartão de aposentado, a carteira de identidade e recebia o dinheiro.

A senhora que me atendia já sorria para mim quando eu chegava ao guichê, reconhecendo-me. Mas eis que um dia esqueci a carteira de identidade e essa mesma funcionária não me pagou a aposentadoria.

Argumentei: mas a senhora me conhece, recebo esse pagamento de suas mãos todos os meses. E ela: "Sim, claro, mas mediante a apresentação de sua carteira de identidade; sem ela, de acordo com as normas do banco, não posso pagar". E não pagou.

O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja do Ministério da Fazenda, seja do inferno. Quando me chega uma carta de qualquer dessas entidades, entro em pânico: é aporrinhação na certa.

A burocracia emperra nossa vida e a própria vida do país. Outro dia, vi na televisão uma reportagem que mostrava toda uma rede de turbinas tipo cata-ventos instaladas no Nordeste para a geração de energia eólica. Dezenas de turbinas espalhadas por milhares de quilômetros, que custaram uma fortuna e não produzem energia nenhuma. Sabem por quê? As linhas de transmissão não foram construídas porque o processo burocrático, que autorizaria sua instalação, nunca chega ao fim.

Enquanto isso, grande parte da energia que consumimos está sendo produzida por geradores movidos por óleo e carvão, que são caros e altamente poluidores. A produção de energia limpa, essa a burocracia inviabiliza.

Não sei se você se lembra do ministro Hélio Beltrão, que foi nomeado com o objetivo de desburocratizar o Brasil. Criou-se o Ministério da Desburocratização, faz mais de 30 anos. Eu, como sempre, otimista que sou, vibrei. Pois bem, esse ministério não existe mais e, em vez da desburocratização do Estado brasileiro, o que aconteceu foi exatamente o contrário: nada mais burocrático no Brasil do que o nosso serviço público.

Outro dia soube de mais uma: um pequeno produtor de cinema conseguiu aprovar pela Lei Rouanet o projeto para um filme, mas antes de terminá-lo, achou que era melhor mudar-lhe o nome.

Quem disse que pôde? A resposta dos burocratas foi a seguinte: se trocar o nome do filme, perde o financiamento, vai ter que entrar com outro pedido que será aprovado ou não. Como tinha levado quase um ano para conseguir a aprovação do tal projeto, desistiu de mudar o nome do filme.

Ferreira Gullar