segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Primeiro livro de história da arte sai em português. "Vidas dos Artistas" reúne trajetória e técnicas de produção de pintores FSP 30.10

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"O contorno das pernas é belíssimo, enquanto os flancos esbeltos têm inserções divinas; nem se viu jamais pose tão suave e graciosa que se lhe equipare."

A descrição um tanto apaixonada não faz parte de um romance: é como Giorgio Vasari (1511-1574) apresenta o famoso Davi, de Michelangelo, esculpido entre 1501 e 1504.

Seu livro "Vidas dos Artistas", publicado em 1550, lançado, agora, na íntegra, pela primeira vez no Brasil, e mesmo em língua portuguesa, foi o primeiro grande compêndio sobre os artistas do Renascimento, num misto de relato biográfico e considerações pessoais.

Muito do que se sabe sobre Leonardo da Vinci (1452-1519) e sobre o próprio Michelangelo (1475-1564), de quem Vasari era amigo, é conhecido por conta de sua narrativa preciosista e empolgada.

A primeira parte do livro aborda as diferentes técnicas de produção da arquitetura, escultura e pintura da época e a vida de mais de cem artistas, divididos em três fases.

Na primeira fase dos relatos biográficos, que tem início com Giovanni Cimabue, Vasari fala de artistas que começaram a imitar os antigos.

Na segunda, o autor trata dos que inventaram o uso da perspectiva, como Botticelli e Andrea Mantegna.

Finalmente, na terceira fase, ele aborda de Da Vinci até Michelangelo, porque depois dele, deixa claro, nada restava a um imitador fazer.

A narrativa, recheada de adjetivos, nem de longe coloca dúvidas sobre a pesquisa minuciosa para a publicação de 500 anos. Sobre "A Última Ceia", de Da Vinci, o afresco na parede de um convento em Milão, apontada como uma das obras seminais do Renascimento, o autor chega a relatar detalhes de bastidor:

"A nobreza da pintura [...] provocou no rei da França o desejo de levá-la ao reino, coisa que ele tentou por todos os meios, pensando em recorrer a arquitetos que com vigas de madeira e ferros a sustentassem de tal maneira que ela pudesse ser levada incólume". O esforço, conclui, foi em vão.

Vasari foi também pintor e arquiteto, mas o que de fato o fez fundamental foi ter iniciado uma narrativa tão bem articulada a ponto de ser tido como pai da história da arte.

VIDAS DOS ARTISTAS

AUTORA Giorgio Vasari

EDITORA WMF Martins Fontes

TRADUÇÃO Ivone Castilho Bennedetti

QUANTO R$ 125 (856 págs.)

AVALIAÇÃO ótimo

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O sentimento do mundo. Dia D, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade, se espalha pelo país. Em Brasília haverá pocket shows e recitais de poesia. CORREIO BSB 31.10

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Há 109 anos, Carlos Drummond de Andrade nascia na pequena Itabira, cidade mineira de noites brancas e ferro nas calçadas, que um dia viraria um doloroso retrato da saudade dependurado em sua parede. A nostalgia do poeta é experimentada pela legião de leitores que até hoje reverenciam sua vasta produção literária, composta de poesia, prosa, crônicas e contos. Homenagens ao poeta ocorrerão em vários pontos do país. Para celebrar o aniversário desse gênio que lutou toda a vida com as palavras, o Sebinho, localizado na CLN 406, decidiu dedicar dois dias (hoje e amanhã) de programação especial a ele. Batizada de Dia D, a celebração contará com pocket shows, recitais de poesia, exibição de filme e até um cardápio recheado de quitutes típicos de seu estado natal.

A programação começa às 18h, com Hugo Lacerda e a pianista Jéssica Macoratti comandando um pocket show que mistura músicas (Eu te amo, de Chico Buarque, e Praias desertas, de Tom Jobim, por exemplo) com poemas como Amar e O amor bate na aorta, de autoria do itabirano. Em seguida, tem início uma roda de conversa sobre a poesia de Drummond, mediada por Luiz Carreira e Alexandre Pilati, ambos do Departamento de Literatura da Universidade de Brasília (UnB).

Pilati lançou o livro Nação Drummondiana, sobre a presença do Brasil na obra do mestre. “Sua grande contribuição é ver o Brasil e escrevê-lo a partir de um prisma fortemente crítico. Não uma crítica fácil, mas algo que envolve as forças vigorosas da dinâmica brasileira, e que parecem não passar. Ele enfrenta essas questões por dentro”, avalia ele. Para encerrar a noite, que ainda terá iguarias como costelinha de porco, tutu de feijão, couve, pães de queijo e café saindo da cozinha a todo momento, o poeta Hézio Teixeira fará a declamação de poemas clássicos, como Confidência do Itabirano e José. Amanhã, o tributo continua, no mesmo horário, com a leitura de poemas e exibição de filme.

Camisetas

A loja estará repleta de murais e livros do poeta. Uma coleção de camisetas, de autoria da artista plástica Michelle Cunha (com uma caricatura de Drummond e trecho do poema Sentimento do mundo), também estará à venda no local. Para completar os mimos, os funcionários da loja desenvolveram uma linha de guardanapos com poemas e desenhos, feitos à mão. “Fizemos o Bloomsday, em homenagem ao James Joyce, e pensamos em fazer o mesmo para celebrar os escritores brasileiros”, destaca a proprietária do Sebinho, Cida Caldas, que pretende incluir a comemoração “drummondiana” no calendário cultural de Brasília.

A cidade não é a única a se curvar diante da saudade do poeta. Até mesmo os representantes máximos da literatura nacional se voltam hoje para o que sua pena produziu. Às 15h30, a Academia Brasileira de Letras (ABL) fará uma sessão especial, com a leitura de poemas, interpretados pelos acadêmicos Ivan Junqueira, Antonio Carlos Secchin e José Murilo de Carvalho. “Ninguém imaginava que aquela poesia poderia ser escrita. Drummond tinha uma capacidade de tornar lírico todo o cotidiano. Ele também mergulhou na vida política, era reflexivo, um grande pensador. Não à toa foi considerado o poeta maior”, destaca o jornalista, poeta e crítico literário Ivan Junqueira, que lerá o poema O caso do vestido durante a sessão na ABL, no Rio de Janeiro.

Tributos em várias cidades

O Rio, cidade que abrigou o poeta por mais de cinco décadas, também preparou suas homenagens. Além da leitura na ABL, o Instituto Moreira Salles, na Gávea, preparou seu Dia D. O projeto tem a curadoria de Eucanaã Ferraz e Flávio Moura, e inclui a participação de diversos famosos e anônimos lendo poesias de Drummond. Na capital fluminense, livrarias, escolas e universidades também prestarão loas à lírica de Drummond. Os tributos se espalham ainda por São Paulo, Belo Horizonte, Itabira (MG)

e Paraty (RJ).

Poemas

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência, essa ausência assimilada,

ninguém a rouba mais

de mim.

Memória

Amar o perdido

deixa confundido

este coração.

Nada pode o olvido

contra o sem sentido

apelo do não.

As coisas tangíveis

tornam-se insensíveis

à palma da mão

Mas as coisas findas

muito mais que lindas,

essas ficarão.

Três perguntas // Armando Freitas Filho

Severino francisco

O carioca Armando Freitas

Filho, considerado um dos maiores poetas brasileiros vivos, começou a ler Carlos Drummond aos 15 anos e nunca mais parou. Ele classifica a poesia de Drummond como a sua segunda pele e fala sobre a perenidade da poesia do vate mineiro.

Podemos falar de Carlos Drummond

à queima-roupa?

É sempre melhor falar dele à queima-roupa. Drummond é a minha segunda pele. Quando eu tinha 15 anos, ganhei um disco do meu pai em que no lado A havia Manuel Bandeira recitando os poemas dele e, no lado B Carlos Drummond. Bandeira era considerado o grande poeta, que de fato era, e Drummond, um poeta encrencado. Acho que a grande façanha intelectual de minha vida foi ter passado do lado A para o lado B. Nunca terminei, ler Drummond é uma tarefa infinita. Agora mesmo, estou escrevendo um texto e preciso consultar Drummond nas minhas estantes caóticas.

O que considera mais espantoso

em Drummond?

O fato de que ele é um poeta multifacetado. O texto que abre o seu primeiro livro chama-se Poema de sete faces. Mas ele foi modesto, pois tem muitas mais faces e interfaces. Há um verso dele que expressa muito bem essa condição: ‘De todos os prismas de uma joia/Quantos há que não presumo?!’ Representa não apenas as multifaces de sua poesia como também de sua personalidade humana, que era interessantíssima. Sou um dos poucos que o conheceram e ainda está vivo.

Como vê o confronto da poesia

dele com o nosso mundo

pós-moderno?

Acho que a poesia dele se sai muito bem no confronto porque foi escrita para sempre. Ilumina o que é mais cotidiano e menos excepcional. Você lê um poema como A bomba e parece que foi escrito hoje.

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DRUMMOND. Debates, filmes e saraus lembram poeta

O Instituto Moreira Sales (IMS) promove hoje, em Rio, SP, BH, Brasília e outros localidades, mesas-redondas, debates, saraus e exibições de filmes em torno de Carlos Drummond de Andrade. A ideia é transformar o 31/10 num Dia D anual de tributo ao poeta. Programação em diadrummond.com.br. FSP 31.10

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LITERATURA. Marcelo Mirisola lança romance hoje

O escritor paulistano Marcelo Mirisola retoma a fusão de ficção e biografia em seu novo livro, o romance "Charque", da editora Barcarolla. O lançamento acontece hoje, a partir das 19h, na Mercearia São Pedro (r. Rodésia, 34, Vila Madalena, São Paulo, tel. 0/xx/11/3815-7200). FSP 31.10

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LUIZ FELIPE PONDÉ. Disneylândia de Jesus. Logo teremos em Jerusalém Judas-Patetas, Tio Pôncio-Patinhas e, para completar, Mickey-Jesus-Mouse FSP 31.10

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O mundo acabou. Não viaje. Assista a filmes em casa ou vá para cidades sem graça do interior. O mundo foi tomado por um tipo de praga que não tem solução: os gafanhotos do sucesso da indústria do turismo.

O horror começa nos aeroportos, que, graças ao terrorismo fundamentalista islâmico, ficaram ainda piores com seus sistemas de segurança infernais. Esse mesmo terrorismo fundamentalista que faz as "cheerleaders" dos movimentos sociais sentirem "frisson" de prazer na espinha.

Uma grande figura do mercado de análise de comportamento me disse recentemente que, em poucos anos, só os pobres (de espírito?) viajarão.

Tenho mais certeza disso do que da aritmética de 2 + 2 = 4. Aeroportos serão o último lugar onde você vai querer ser visto. Gostar de viajar hoje pode ser um forte indício de que você não tem muita imaginação ou opção na vida.

Veja, por exemplo, o que aconteceu com os lugares sagrados de Jerusalém. Aquilo virou uma Disneylândia de Jesus. Imagino que, dentro de alguns anos, teremos atores fracassados do Terceiro Mundo vestidos de Judas-Patetas, Maria-Branca de Neve, Tio Pôncio-Patinhas, Pedro-Duck e, é claro, Mickey-Jesus-Mouse.

Locais religiosos sempre atraíram todo tipo de histeria. A proximidade com ela pode fazer você duvidar da existência de Deus.

Ateus são fichinha em comparação à histeria religiosa como argumento contra a viabilidade de um Deus bom e generoso. Nesse caso, a náusea faz de você um ateu.

Às vezes, tristemente, a diferença entre visitas belas a locais sagrados parece ser apenas o número maior ou menor de nossos semelhantes crentes em Deus.

Ou, dito de outra forma, o inferno é um lugar onde tem muita gente em surto místico.

Jesus deve ter uma paciência de Jó, com seus fiéis cheios de máquinas digitais e filmadoras chinesas querendo devassar a intimidade de sua mãe e de seus discípulos mortos já há tantos séculos.

Aliás, estou seguro de que, em breve, Jesus será "made in China", "at last". Se assim acontecer, terão razão aqueles que afirmavam ter sido ele um Messias "fake"?

Pessoalmente, torço para que Jesus sobreviva a essa "nova paixão", por obra da qual ressuscitar deverá ser algo como um show de efeitos especiais feitos por computação gráfica barata. Os fiéis pós-modernos deram um novo significado à expressão nietzschiana "Deus está morto". Nesse caso, Deus virou batata chips de free shop.

No início dos anos 90, ainda era possível ir à catedral de Córdoba, na Espanha, e experimentar sua beleza moura. Já em meados dos anos 2000, ela era um terreno baldio para as invasões de gafanhotos.

Hoje, estive (escrevo dias antes de você ler esta coluna) na igreja da Agonia, em Jerusalém, conhecida também como igreja de Gethsêmani, local onde Jesus teria suado sangue antes de ser preso. Um belíssimo local.

Em seguida, alguns passos descendo a ladeira do monte das Oliveiras (onde fica Gethsêmani), fui a outro local, maravilhoso, que não vou dizer qual é porque espero que ninguém fique sabendo; assim, quem sabe, esse lugar ainda durará algum tempo antes de virar mais um Hopi Hari de Jesus com seu ruído de famílias de classe média em excursões místicas.

É importante dizer que já fui a esses locais inúmeras vezes e que, portanto, tive o desprazer de ver Jerusalém virar uma cidade devastada pela horda de tarados com máquinas digitais e filmadoras chinesas. Além de suas camisetas com slogans pela paz mundial.

Depois da destruição de Jerusalém pelos romanos por volta do ano 70 d.C., vemos agora a infestação da cidade santa pelos histéricos pentecostais e seus berros em nome do Espírito Santo.

Além, é claro, dos judeus ortodoxos obsessivos mal-educados e dos muçulmanos fanáticos com seu grito bárbaro "Allah Akbar" (Deus é grande). A população secular de Jerusalém é cada vez mais oprimida pelos homens de preto da ortodoxia judaica.

Alguns desses são mesmo contra o Estado de Israel, porque só o Messias pode reconstruir o "verdadeiro Estado judeu". Acho que deveriam ser todos despachados para o Irã. Enfim, um filme de horror estrelado por fanáticos, batatas e patetas.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

A confusão urbana, acima e abaixo do solo. O Estado de S. Paulo - 28/10/2011

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Quem se dá ao trabalho de acompanhar as notícias é provável que se impressione com a desarticulação entre várias políticas que regem a vida dos cidadãos nas maiores cidades - cada uma atira para um lado e, somadas, provocam complicadas e indesejáveis consequências na vida das pessoas. É o caso, entre muitas, das políticas de transportes, construção de veículos, expansão urbana, combustíveis, controle da poluição do ar, manutenção de infraestruturas urbanas.

Pode-se começar pela área dos transportes. Segundo este jornal (20/10), só na primeira quinzena de outubro foram fabricados no País mais de 150 mil veículos e se espera para o mês todo que as vendas atinjam patamar semelhante ao de setembro (311,6 mil veículos); no ano, com aumento de 7% em relação a igual período de 2010, já são 2,83 milhões, mais 7%, nível recorde. A frota nacional já está além de 35 milhões. Só em São Paulo, mais de 7 milhões. E até 2015 novas fábricas e ampliação das atuais deverão acrescentar mais 2 milhões de veículos à produção anual, que hoje está em torno de 4,3 milhões, incluindo também caminhões, ônibus e comerciais leves. Ótimo para a economia, pensarão muitos. Mas que acontecerá nas cidades?

São Paulo, por exemplo, já tem um dos mais baixos índices de mobilidade urbana no País (Mobilidade Brasil, 14/10), pior que os de todas as cidades maiores, onde as questões já são graves. Uma das razões decorre de a frota de coletivos estar estagnada há anos, enquanto a população aumenta e sobe o número de automóveis. No Recife, onde a frota de veículos se aproxima de 1 milhão, um deslocamento de 22 quilômetros em transporte público leva duas horas. Em Goiânia (O Popular, 15/10), a velocidade média da frota de ônibus caiu 28% em três anos, para menos de 20 quilômetros por hora. Nesse período, a frota de automóveis e motocicletas na cidade cresceu 75%. E ainda há incentivos fiscais para a compra de veículos novos.

Também contribui para o drama dos transportes o fato de a rede ferroviária nacional responder hoje por menos de 30% do transporte de cargas - inclusive por causa do sucateamento a que foi submetida em parte, após as privatizações. Com isso é cada vez maior o transporte por caminhões, ajudando a atravancar o trânsito das cidades: em nove meses deste ano, o licenciamento desse tipo de veículo aumentou 15,9%, segundo a Anfavea (Estado, 16/10), e chegou a quase 130 mil unidades. Mas a frota, na média, ainda é muito antiga (média de 22 anos) e contribui fortemente, por esse motivo, para a poluição do ar urbano.

Quem acha que motos são um complicador no trânsito se assusta ao saber que suas vendas superarão as de automóveis em 2012 e que em dez anos haverá mais motos que carros nas ruas, segundo o Ipea (Estado, 26/5). Lembrando que uma moto pode emitir até 40 vezes mais poluentes que um automóvel e que esses veículos já são responsáveis pelo maior número de mortes em acidentes.

Nem mesmo caminhos legais são aproveitados para enfrentar questões da mobilidade e da poluição. Na cidade de São Paulo, 30% a 35% dos carros e motos estão em situação irregular e poderiam ser retirados das ruas. Mas apenas 100 mil estão apreendidos. O vice-governador Afif Domingos, segundo quem "a mobilidade em São Paulo é zero" (Estado, 21/2), promete que em dois anos serão implantadas "desmontadoras" para enfrentar o problema. Como? E até lá?

Chega-se aos combustíveis, com a redução do etanol na mistura com gasolina de 25% para 20% - o que aumentará a poluição do ar -, mesmo com o Brasil agora importando etanol de milho dos EUA. Nossos produtores de etanol responsabilizam por isso a política de energia, que mantém o preço do seu produto vinculado ao da gasolina, mantido em níveis considerados irreais para não estimular a inflação. Mas continuamos exportando etanol para a Califórnia (Estado, 20/10) e importando de outras áreas norte-americanas. E mantendo o Cerrado excluído das áreas onde não pode haver expansão da cana-de-açúcar. Com isso o bioma já perdeu a vegetação originária em metade de sua área e contribui com parcela relevante das emissões brasileiras que ajudam a intensificar mudanças climáticas.

Por aí entra mais um ângulo das relações com as políticas urbanas. Segundo a Cetesb, 11 de 14 regiões da cidade apresentaram padrões inadequados de poluição, principalmente material particulado. Na Grande São Paulo, a qualidade do ar foi considerada imprópria em 259 dias de um ano. As emissões de dióxido de carbono entre 1990 e 2008 no Estado de São Paulo aumentaram 58% (Estado, 26/4), passaram de 60,7 milhões de toneladas anuais para 95,7 milhões, e os veículos respondem por quase metade do aumento. Em um único ano os veículos emitiram 14,1 milhões de toneladas, mais que a indústria (13,4 milhões de toneladas). Registraram-se índices 392% mais altos que os recomendados pela Organização Mundial da Saúde (Estado, 1.º/8). No ano que vem entra em vigor resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente que pretende baixar o nível tolerável de enxofre para um décimo do atual. Será cumprida?

Nossas grandes cidades, em meio a tudo isso, ainda vivem atormentadas por enchentes, que também nos levam ao andar de baixo e aos problemas que ali estão. Este jornal informou (16/10) que sob as calçadas paulistanas estão 115 mil quilômetros de tubulações (quase três vezes e meia a volta à Terra), incluindo redes de água e esgotos (34 mil km), 4.700 km da rede de gás, 38 mil km da rede telefônica, 2,7 mil da energia elétrica, 1,5 mil das telecomunicações, etc. Dividem o espaço com 9,2 milhões de passageiros que usam o transporte subterrâneo. Cáspite!

Muitos administradores repetem (sem dar consequência) a frase dita há muito tempo por um sociólogo: o Estado tornou-se pequeno para resolver os megaproblemas de hoje; e, grande demais, não consegue chegar perto das questões que afligem o cidadão comum no seu cotidiano. É isso aí.

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ARTES VISUAIS » Naïf brasiliense. Trabalhos de Carla Pompeu, morta em 2008, serão expostos em galerias de Paris e Nova York. Lisbela participará do Salão Nacional de Belas Artes de Paris. Correio Web 28.10

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O caso de Carla Pompeu era com a vida. De preferência, uma vida alegre colorida. A artista sabia muito bem que o mundo não era lá tão colorido como ela gostaria, mas tratou de construí-lo de acordo com suas próprias fantasias. Nascida em Brasília em 1961, Carla só começou a pintar aos 30 anos, depois de formada em geologia e de uma carreira bem-sucedida em empresa de aviação. Aí, descobriu o universo colorido que hoje a irmã Claudia Pompeu quer revelar ao mundo. Em dezembro, uma tela da artista consagrada a Lisbela e o prisioneiro, um clássico de Osman Lins, participa do Salão Nacional de Belas Artes de Paris. Em 2012, o destino é Nova York. A artista Lêda Maria, curadora da Ward-Nasse Gallery, selecionou cinco telas da série Através da janela para uma coletiva de artistas mulheres. São os primeiros passos de uma tentativa de Claudia para divulgar a obra da irmã, morta em 2008.

Carla cresceu e trabalhou em Brasília, mas no início da década de 1990 decidiu mudar de vida. Largou emprego e carreira, viajou pelo mundo e trocou de cidade. Deixou para trás o concreto brasiliense e se instalou em Arraial d’Ajuda, na Bahia. O colorido das casas da cidade litorânea seduziu a geógrafa, que em poucos anos se tornou pintora. Carla pintou primeiro tabuleiros de gamão com a paisagem urbana local. Depois, passou para as telas. Céu, terra e mar se tornaram temas constantes. Carla gostava de cores e, principalmente, de retratar o cotidiano.

Igreja Arraial: imagens da cidade baiana retratadas por Carla Pompeu

Mercado

Muitas telas concentravam várias referências do dia a dia e do local no qual a artista vivia. São composições naïf, mas Carla nem sequer sabia ser uma pintora do gênero até ver seu trabalho circular no mercado de arte. A combinação do pictórico com o naïf é muito atrativo no exterior, por isso Lêda Maria decidiu realizar a exposição em Nova York. “Tenho grandes planos para o trabalho dela”, diz. “É uma obra que me passa seriedade e tem uma pesquisa de cores. As pessoas podem aprender a pintar, mas ser artista é nato e, para mim, Carla Pompeu não era pintora, era uma artista.” E também uma escritora. Carla produziu mais de 30 peças de teatro, entre elas muitas comédias.

Além de Arraial d’Ajuda, pintou Brasília e os arredores. Passou dois anos em São Jorge, na Chapada dos Veadeiros, para registrar as flores do cerrado, e fez uma série de pinturas dedicadas à capital, com paisagens como o Congresso Nacional. A cultura brasileira era outra fonte de inspiração e a irmã da artista ainda possui uma coleção intitulada MPB.

“Ela queria, na verdade, fazer uma instalação, em que as pessoas ouvissem as músicas retratadas”, conta Claudia, que agora se esforça para conseguir patrocínio para o transporte das telas para Paris e Nova York.

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Nelson Rodrigues vira enredo de Carnaval da Viradouro. Samba que homenageará o centenário do dramaturgo e jornalista foi escolhido no sábado; escola tenta voltar ao Grupo Especial. FOLHA SP 28.10

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No último sábado, dia 22, centenas de pessoas foram à quadra da Unidos da Viradouro, escola de samba de Niterói, para acompanhar a escolha da música que a representará na Sapucaí em 2012.

O evento se repete ano após ano -e seria trivial, não fosse o fato de a letra vencedora conter as palavras "engraçadinha", "sobrenatural", "bonitinha" e "ordinária".

O homenageado é o jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues (1912-1980).

Enredos de samba costumam prestar honras póstumas a baluartes da cultura brasileira. No próximo ano, a Imperatriz Leopoldinense lembrará o escritor Jorge Amado (1912-2001). A Mocidade, o pintor Candido Portinari (1903-1962).

O problema é que Nelson Rodrigues -dono de frases como "o pudor é a mais afrodisíaca das virtudes" e "o biquíni é uma nudez pior que a nudez"- não era exatamente um entusiasta do Carnaval.

Nos anos 60, escreveu: "O Carnaval tornou-se uma festa coletiva em que o casal não tem função nem destino. Os pares que se beijam para milhões de telespectadores são falsos casais."

Ainda assim, essa é a terceira vez que ele figura como tema de um samba-enredo.

Gustavo Clarão, presidente da Viradouro (campeã em 1997, rebaixada em 2009), explica a ideia: "Pensei em fazer um enredo sobre os cem anos do Fla-Flu."

Procurou então Antônio Jorge Pinheiro, diretor de uma produtora que capta recursos para filmes nacionais.

"Quando o Gustavo falou sobre o Fla-Flu, lembrei a ele que estávamos produzindo 'Bonitinha, mas Ordinária', filme baseado na peça do Nelson, que era tricolor fanático", contou Pinheiro.

Foi batata: a Viradouro cita o filme no enredo, a produtora capta os recursos.

A partir disso, o carnavalesco Alexandre Louzada pediu aos compositores da Viradouro "que se despissem de todo pudor" para escrever letras sobre futebol, teatro e, principalmente, "sobre cornos, donas de casa, vagabundas, suicidas enlouquecidas e personagens do universo feminino libidinoso".

Surgiram os versos "A Dama do Lotação mandou avisar que a Cabra Vadia na noite das noivas vai festejar", ou "Sou Nelson Rodrigues, (...) quisera o mundo me ver atual, um pierrô apaixonado pelo Carnaval".

Levado pela Folha à quadra da Viradouro, Ruy Castro, autor da biografia "O Anjo Pornográfico", comentou: "Você não pode exigir dessas letras um entendimento científico. Elas têm melodias anódinas e letras malucas, repletas de referências. Mas o que importa é a capacidade de causar empatia."

É o que se pretende checar em fevereiro, quando a Viradouro atravessar a Sapucaí.

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O servidor público. Correio Braziliense - 28/10/2011

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A organização do Estado, tema que mobilizou a trindade da filosofia grega — Sócrates, Platão e Aristóteles —, é, sem dúvida, um dos principais marcos civilizatórios da história humana. Ali, surge pela primeira vez a figura anônima do servidor público, o servidor da pólis, personagem que, no exercício da função, devotava-se ao interesse coletivo, personificando o Estado, o ente comum, que, sendo de todos, não era privativo de ninguém.

Desde então, o servidor público tornou-se personagem central na organização das cidades e na vida dos cidadãos. Não havia ainda um padrão comum na distribuição das funções nos diversos Estados que, a partir de então, se organizaram.

Somente com o advento da burocracia, a partir do século 18, é que se começou a racionalizar a distribuição de funções, em busca de maior eficácia. Max Weber, fundador da teoria sociológica, elaborou um conceito de burocracia baseado em elementos jurídicos do século 19, concebidos por teóricos do direito.

O termo foi empregado para indicar funções da administração pública, guiadas por normas, atribuições específicas, esferas de competência bem delimitadas e critérios de seleção de funcionários. Designava o aparato técnico-administrativo, formado por profissionais especializados, selecionados segundo critérios racionais, de modo a cumprir com maior eficácia as diversas tarefas dentro do sistema estatal.

Houve, no curso do tempo, em função de governos mais ou menos centralistas, distorções no uso da estrutura burocrática, chegando ao ponto de a burocracia deixar de ser um meio para constituir um fim em si mesmo. Mas essa é outra história.

Cumpre registrar que o advento da burocracia especializou a mão de obra do funcionalismo, favorecendo a que o Estado melhor cumprisse sua missão. Se, em diversas situações históricas, isso não se materializou, deve-se à ação política de governos, que, na ânsia por mais poder, distorceram seu papel social e moral.

No Brasil, a modernização do serviço público deu-se tardiamente, ao tempo do Estado Novo, de Getúlio Vargas, nos anos 40 do século passado. Antes, prevaleciam critérios subjetivos que, no Império, levaram a elite aristocrática a ocupar postos-chaves na administração e, na República, as oligarquias a nomear pessoas com pouco ou nenhum espírito público.

Mesmo assim, grandes figuras da cultura, no Império e na República — entre outros, Machado de Assis, Olavo Bilac, Lima Barreto, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto, para citar só alguns —, fizeram do serviço público seu ganha-pão e contribuíram para elevar seu padrão de serviços.

A modernização varguista tornou o Estado atraente aos meios acadêmicos. Estabeleceu carreiras e propiciou remunerações mais dignas. Não obstante o perfil autoritário daquele regime, o Estado passou a funcionar com maior eficiência.

Na sequência, o Brasil se democratizaria e se industrializaria, com o surgimento de empresas estatais de grande porte, como Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco, Eletrobras e outras mais. O Estado passa a contar com uma elite funcional, que inaugura nova fase de desenvolvimento, que chegaria ao apogeu no governo JK. O país, é verdade, beneficiou-se de expressivos financiamentos e investimentos externos. Mas nada disso funcionaria sem a qualificação e a dedicação do servidor, peça chave para a implementação de qualquer política pública.

Considerando-se os avanços que o Brasil obteve nas últimas décadas, sob diferentes regimes e governos, e o papel que o Estado neles exerceu, constata-se que o saldo em favor do servidor público é amplamente favorável.

O Brasil é um país que hoje tem peso no cenário mundial. Possui quadros de alta qualidade técnica no Itamaraty, no sistema bancário (Banco do Brasil, Banco Central, Caixa Econômica Federal, Banco de Brasília e outros bancos estaduais), na Fazenda, no Planejamento, na Educação, em vários postos do Executivo, e ainda nas Forças Armadas, no Judiciário e no Legislativo.

Considere-se ainda que, ao longo de todo esse período, houve retrocessos no tratamento dado ao servidor. Sucessivos governos lhe impuseram a conta das crises, congelando salários, deixando de atualizar planos de cargos e carreiras.

Mais que isso, tornou-se uma espécie de patinho feio da vida pública nacional, estereotipado como preguiçoso, quando, ao contrário, em grande medida, dá mais do que recebe. O que muita gente desconhece é que a vocação para servir é uma realidade.

Conheço grandes quadros técnicos no serviço público brasileiro que poderiam ter valiosos benefícios e vantagens na iniciativa privada, mas que optaram por servir ao Estado. Realizam-se empreendendo políticas públicas cujos benefícios chegam a milhões, o que não é possível laborando em uma empresa do setor privado.

Na Embrapa e na Emater-DF, por exemplo, há cientistas de primeira linha, em condições de trabalhar em qualquer empresa de ponta do Primeiro Mundo, mas que preferem dedicar sua vida ao Estado. Em todos os segmentos e escalões do serviço público, do mais modesto aos mais elevados, há gente assim, a quem é preciso fazer justiça.

Por isso, para que esse patrimônio não se perca — e, ao contrário, se fortaleça — , é fundamental registrar a importância do servidor público e do seu amor em fazer do seu trabalho uma verdadeira profissão de fé a serviço de uma coletividade que dele depende.

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CARLOS HEITOR CONE. Fotos e fatos. Antigamente, nas velhas Redações, evitava-se a publicação de fotos impactantes FOLHA SP 28.10

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MUITOS, QUASE todos nós, ficamos chocados com as fotos do cadáver de Gaddafi divulgadas pela mídia mundial.

Antigamente, nas velhas Redações, evitava-se a publicação de fotos impactantes.

Em agosto de 1976, era editor de uma revista e tive em mãos a foto de JK após o acidente na estrada, evidente que nem pensei em publicá-la, nem mesmo o Instituto Carlos Éboli, onde a foto foi feita para constituir peça importante do inquérito, distribuiu aquela imagem para o grande o público.

Em outro caso, não idêntico, mas análogo, há tempos, como editor de uma revista ilustrada, recebi de um repórter que trabalhava na minha equipe a foto de uma moça estuprada que foi jogada ao mar no Chapéu dos Pescadores, trecho da avenida que liga o Leblon a São Conrado.

Para todos os efeitos, foi a imagem mais terrível que meus olhos já viram, pois os assassinos da jovem usaram uma garrafa de Coca-Cola para sodomizar a vítima ainda em vida.

Há uma corrente de profissionais da mídia que adota a tese da necessidade de informar tudo o que acontece, o leitor tem o sagrado direito de saber de tudo, nos mínimos detalhes. Mesmo os escabrosos, de péssimo gosto e que em nada contribuem para clarificação de um fato, por mais delituoso que seja.

Mas voltemos ao caso de Gaddafi. Um ditador criminoso que massacrou milhares de adversários e de gente que nem chegava a ser inimiga dele, povo inocente que ele não poupou para se manter no poder por mais de 40 anos.

Merecia o fim que teve, nem por isso a foto de seu cadáver mutilado serviria para confirmar a tese de que o crime, no final das contas, não compensa.

O corpo de Che Guevara também foi fotografado, mas a imagem que resultou de seu cadáver teve efeito contrário, muitos viram em seu semblante sereno, os olhos entreabertos sem revelar agonia ou desespero, a semelhança com o próprio Cristo. E por falar em Cristo, o próprio.

É sem dúvida o corpo mais exposto da história, em toda a sua crueza. Os cristãos fizeram dele o símbolo de uma religião que mudou o mundo. No início, bastava a cruz para lembrar o sacrifício do Calvário.

Mais tarde, sobretudo na Renascença, pintores e escultores colocaram o corpo quase nu coberto de chagas, porejando sangue da cabeça aos pés. Nas catedrais espanholas há crucifixos terríveis, impossível qualquer tipo de prece diante de um homem que muitos consideram um Deus.

Tivemos também a exposição do corpo de outro ditador, Benito Mussolini, que foi pendurado num gancho de açougue, de cabeça para baixo, numa praça de Milão.

E para citarmos um exemplo doméstico da vingança que não respeita a morte, temos o caso de Tiradentes. Não bastou enforcá-lo.

A rainha de Portugal mandou esquartejá-lo, pedaços de seu corpo foram expostos ao longo da estrada que ligava o Rio de Janeiro a Ouro Preto, então capital de Minas e sede da Inconfidência. De um lado, a vingança da Corte contra o rebelde; de outro, a lição para que ninguém mais tentasse se libertar da metrópole europeia.

Por acaso, citei exemplos contraditórios. Dois tiranos (Mussolini e Gaddafi) e dois heróis de causas populares (Che Guevara e Tiradentes).

O caso de Cristo é especial. Um dominicano francês, frei Corigan OP, publicou um artigo nos meados do século 19, propondo que a igreja abolisse o corpo de Jesus dos crucifixos, ficasse apenas com a cruz enxuta e poderosa, bastava como símbolo e mensagem. E para espantar os demônios e os vampiros.

Para compensar a falta de um elemento humano como logotipo de uma religião que prega o amor, ele propunha a imagem do Menino Jesus na manjedoura de Belém, os braços estendidos, não para pedir proteção, mas para proteger aqueles que desejava salvar.

Bem, encerro esta crônica fazendo uma autocrítica. Falei em Gaddafi, Che Guevara, Tiradentes, JK, Mussolini e Jesus Cristo.

De quebra, na jovem estuprada. Contrário a boa norma do jornalismo, falo muito e não concluo nada.

De bom grado, deixo a conclusão para os outros -se por acaso é possível concluir alguma coisa da história da humanidade.