quinta-feira, 30 de setembro de 2010

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Uma democracia sem adjetivos vai às urnas

Fonte: valoronline.com.br 30/09

"Hegel observa em uma de suas obras que todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem, por assim dizer, duas vezes. E esqueceu-se de acrescentar: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa." Esta é uma das mais repetidas afirmações do filósofo alemão Karl Marx, que abre "O 18 Brumário", talvez porque a realidade sempre se confronte com formas de farsas saudosas de tragédias.

O clima criado nestas eleições foi uma farsa inspirada na tragédia de 1964. Chegou-se ao grotesco. A guerra eleitoral ressuscitou de um passado que merece ser deixado para trás teses paranoicas de implantação de uma república sindicalista ou do comunismo totalitário, e acusou e pintou de tintas fortes supostos algozes da democracia. É uma situação irreal, pois o cenário dessa batalha é uma campanha eleitoral onde todas as instituições democráticas estão a postos e operantes: partidos legalmente constituídos apresentam seus candidatos aos eleitores e pedem seus votos; o acesso ao eleitor é democraticamente garantido por leis estáveis; uma Justiça que bate a cabeça, mas julga, mantém-se como poder independente; um governo eleito e reeleito pelo voto direto governa; o Congresso faz leis; a polícia investiga, criminosos vão para a cadeia. O país tem um presidente que, a despeito da alta popularidade, rejeitou artifícios constitucionais comuns no continente para concorrer a um terceiro mandato, afastando os exemplos de Hugo Chávez, da Venezuela, e Álvaro Uribe, da Colômbia. A oposição fala o que quer - e raras vezes na história falou tantos desaforos contra autoridades elevadas ao poder pelo voto popular. Aliás, não disse um centésimo deles a militares eleitos por Colégios Eleitorais, na ditadura militar.

Enfrentar a candidata de um presidente com 79,4% de aprovação, segundo o CNT/Sensus divulgado ontem, não é uma tarefa fácil, mas a disputa democrática em nenhum momento deve usar de qualquer meio para chegar a um fim. A mobilização de setores conservadores, a ida à caserna com discursos de "denúncia" de supostos atentados à democracia, o insuflamento do clima de Guerra Fria 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, o terror à mobilidade social - tudo isso traz do passado o que o Brasil não gostaria de recriar para o seu futuro. Os velhos medos conservadores não cabem no novo mundo. Nem no Brasil de 2010. E são eles que estão sendo chamados às urnas, na impossibilidade de interlocução com setores que fogem ao controle da política tradicional.

Clima de Guerra Fria tirou os programas do debate eleitoral

Esse clima tirou do eleitor oportunidades preciosas. Como, por exemplo, a de ouvir do candidato do PSDB, José Serra, algum projeto coerente de Brasil para um eventual governo tucano. A campanha de Serra voltou ao período pré-governos FHC, onde as promessas surgiam do nada e visavam atingir um público sem discernimento. As campanhas eleitorais pós-Collor - que deram dois governos a Fernando Henrique Cardoso e dois a Luiz Inácio Lula da Silva - introduziram no linguajar de campanha a promessa responsável, que tinha que vir com a devida prova de que o Orçamento permitiria seu cumprimento. Serra vai asfaltar a Transamazônica, aumentar o salário mínimo para R$ 600 e dar 10% de aumento para os aposentados no ano que vem - e vai prometer o que mais vier à cabeça com o fim de suplantar o apelo popular de Dilma Rousseff (PT), a candidata que vem com o carimbo de Lula.

Dilma, por sua vez, ao se colocar na defensiva e grudar a sua imagem no governo de Lula, deixou de dizer muito. "Estamos no meio de uma guerra cambial internacional", constatou o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Os EUA e a China protagonizam a guerra. "Quando dois elefantes deste porte lutam, os espectadores podem ser pisoteados", alerta Martin Wolf, do Financial Times, no artigo "Guerras cambiais e demanda fraca", publicado no Valor de ontem. O eleitor vai para as urnas sem saber o que a candidata favorita da disputa fará para desarmar a armadilha cambial, como ela vê a política de juros de Lula e como conduziria a política monetária, antes que as patas dos elefantes repousem num país que vive o seu maior período de estabilidade, e gostaria de aproveitá-lo para vencer a desigualdade e a pobreza.

Do debate eleitoral, também escapou o que pensa Marina Silva (PV), que cresceu nos últimos dias de campanha e tende a se consolidar como uma nova e bem-vinda liderança no cenário nacional. Para não ser acusada de candidata de uma nota só, engrossou o seu programa com vários outros temas, mas sem conseguir vencer a contradição de ser uma candidata que veio da esquerda e se encontrou no centro com outras pessoas - pessoas de bem, que se diga. Um programa bem intencionado não revela, todavia, uma proposta que transcenda a ideia central da sustentabilidade.

Vamos para as urnas no domingo. Faltou informação relevante para a decisão do voto, sobraram boatos e vitupérios. Ainda assim, vamos votar num país governado por um presidente eleito pelo voto popular, com um Congresso funcionando e uma Justiça atuante. Nosso voto será direto e secreto. Os eleitos serão empossados. Os derrotados à Presidência farão oposição; os vencedores serão legítimos governantes. Assim é a democracia. Que o bom senso dos atores políticos não a levem de novo para dentro dos quartéis. Deixem o país fora disso. O voto direto e secreto tem que ser capaz de resolver as diferenças políticas entre os brasileiros.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política.

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Morre Arthur Penn, diretor de "Uma Rajada de Balas", aos 88

Fonte: folha.uol.com.br 30/09

Diretor levou Emmy e Tony por "O Milagre de Anna Sullivan"

Morreu anteontem à noite, um dia após completar 88 anos, o diretor norte-americano Arthur Penn, segundo informou seu empresário Evan Bell. O cineasta fez "Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Balas" (67) e "Caçada Humana" (66), entre outros.
Nascido na Filadélfia, ele estava doente havia um ano, quando foi internado em Nova York com pneumonia. Ele teve complicações cardíacas, segundo sua filha.
Penn primeiro ficou famoso em 1957, com a montagem para a TV de "O Milagre de Anna Sullivan" para a série "Playhouse 90", que ganhou um Emmy de direção, roteiro e atriz (Teresa Wright).
Em 1959, ele reencenou o texto para a Broadway e levou o Tony de melhor diretor dramático, autor e atriz (Anne Bancroft).
Fez outra versão do texto de William Gibson para o cinema, que levou os Oscars de melhor atriz (de novo para Bancroft) e atriz coadjuvante (Patty Duke).
No cinema fez nove filmes em 25 anos. O primeiro deles foi "Um de Nós Morrerá", com Paul Newman, em 1958.
"O Pequeno Grande Homem", de 1970, trazia Dustin Hoffman no papel principal. Em seguida, trabalhou com Marlon Brando e Jack Nicholson no faroeste "Duelo de Gigantes" (1976). "Caçada Humana" trazia Brando ao lado de um jovem Robert Redford.
Mais foi com "Uma Rajada de Balas" que o levou ao grande público e o transformou em mestre para muitos cineastas. O diretor Paul Schrader disse que "ele pavimentou o caminho para uma geração de novos diretores".
O projeto inicial da história de amor entre dois ladrões de banco (vividos por Faye Dunaway e Warren Beatty) nem era de Penn.
Ele aceitou o convite após ser convencido por Beatty, que também era produtor do longa, a filmar o roteiro de dois novatos, Robert Benton e David Newman.
A lendária crítica Pauline Kael, em sua primeira resenha para a revista "New Yorker", o descreveu como "um filme americano excitante", apesar de ter criticado a performance de Dunaway. O filme foi indicado a dez Oscar, mas venceu apenas em fotografia e atriz coadjuvante (Estelle Parson).
Seu irmão mais velho, o também famoso fotógrafo Irving Penn, morreu em outubro do ano passado.
Deixa mulher, Peggy Maureen, e dois filhos.

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Escritor satiriza discurso de cientistas e de ambientalistas

Fonte: folha.uol.com.br 30/09

Ao construir personagem principal, McEwan quis retratar lado estúpido das pessoas muito inteligentes

Para autor, tragédia por aquecimento global é questão de tempo e Brasil pode ajudar a propor soluções

O protagonista de "Solar" é Michael Beard, um cientista cinquentão, premiado já há muito tempo por um trabalho relacionado a Einstein, quando o romance principia.
Pouco incomodado com o aquecimento global e a perspectiva de o mundo acabar, ainda assim ele integra uma comissão do governo britânico -gestão Tony Blair- dedicada a desenhar saídas para o momento crítico. Apesar de viver conquistando mulheres, o personagem é um fracassado do ponto de vista afetivo. Glutão e desleixado, vê sua quinta mulher traí-lo com um pedreiro, no melhor estilo "O Amante de Lady Chatterley".

Depois, será levado a ter uma filha à sua revelia. O que muda sua trajetória é um acontecimento inusitado. Um jovem aprendiz, que também estava tendo um caso com sua mulher, morre em um acidente em sua casa.

Beard não só faz com que a tragédia pareça um crime para incriminar o pedreiro, como rouba uma ideia do rapaz relacionada ao aproveitamento de energia solar por fotossíntese artificial.

A trama se estende até 2009, quando Beard se instala no Novo México, num empreendimento de uso da luz solar.


PROTAGONISTA
McEwan concorda com as semelhanças entre Beard e Henry Perowne, o protagonista de "Sábado", mas também vê diferenças.

"Perowne via o mundo desde o alto. Beard é fraco em suas emoções. De certo modo, representa a todos nós. Tem o grande atributo de ser muito inteligente e de agir de modo muito estúpido, como muita gente", explica.

O personagem de Beard é patético até comover e a narrativa anda pontuada de cenas engraçadas. Como a que relata como o pênis do personagem quase congela quando ele tem de urinar na neve.

McEwan, ainda, satiriza todo o tempo os discursos dos cientistas e dos defensores do ambiente.


TRAGÉDIA
O escritor diz não ter dúvidas de que uma tragédia se avizinha como consequência do aquecimento global.

"Não mudaremos nada apenas por sermos bonzinhos. Para isso é preciso lidar com gente ruim e ambiciosa.

Comprar um carro menor não resolverá nada, apenas adiará o problema."

Apesar de ter críticas quanto ao modo como o governo britânico trata o tema, acha que o Reino Unido lidera as iniciativas na Europa.

"Mas todos contamos com o poder do Brasil, que está surgindo como nova potência mundial, para ajudar nessa questão", completa.

(SYLVIA COLOMBO)


SOLAR

AUTOR Ian McEwan
TRADUÇÃO Jorio Dauster
LANÇAMENTO Companhia das Letras
PREÇO R$ 48 (344 págs.)

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BNDES investe em cinema para classe C

Fonte: folha.uol.com.br 30/09

Operação de R$ 3,7 mi em Sulacap, no Rio, é nova ação do banco, principal financiador do cinema brasileiro

Inauguração de seis salas no complexo Cine 10 no final de semana é primeira fase do projeto Cinema Perto de Você

O Jardim Sulacap, no subúrbio do Rio de Janeiro, integrava, até hoje, a larga estatística dos sem-tela espalhados pelo Brasil. Habitado, sobretudo, por moradores de classe média e média baixa, o bairro nunca atraiu os donos de salas de cinema. O negócio, segundo os empresários, seria inviável.
Pois a partir deste final de semana seis salas funcionarão ali. O complexo Cine 10 é a primeira operação do programa Cinema Perto de Você a ser colocada de pé. É, também, mais uma das pontas da indústria do audiovisual brasileiro na qual o BNDES coloca recursos e carimba seu logo governamental.
Desde que criou o departamento de economia da cultura, em 2006, o banco injetou R$ 142,2 milhões na indústria audiovisual. Apenas no edital de produção de filmes, beneficiou, em 2009, 25 longas.

Somados os recursos distribuídos por concursos públicos -com utilização de incentivo fiscal- e a participação em fundos de investimento, o BNDES já ultrapassa a Petrobras, histórica financiadora do cinema nacional: foram, ao longo de 2009, R$ 31,3 milhões do banco contra R$ 26,6 milhões da petrolífera.


INDÚSTRIA
"Desde 2006, adotamos um enfoque econômico", diz Luciane Gorgulho, chefe do Departamento de Economia da Cultura. "Entendemos que, como banco de desenvolvimento, deveríamos ser mais do que meros patrocinadores. Queremos desenvolver os vários elos da cadeia produtiva."

Explica-se assim a chegada do BNDES ao novo circuito voltado à classe C. O banco entrou na operação, de R$ 3,7 milhões, com recursos próprios, concedendo empréstimos em condições favoráveis aos empresários e também como agente financeiro do Fundo Setorial do Audiovisual.

"Os planos de financiamento nos permitiram cobrar ingressos mais baixos", diz Adhemar Oliveira, um dos sócios. O ingresso mais barato será R$ 2 e o mais caro, na sala 3D, no sábado, R$ 18.

Também tem a ver com a tentativa de fazer a engrenagem da indústria rodar o apoio do BNDES ao Rio Market, a rodada de negócios que acontece dentro do Festival do Rio.

Foi durante o Rio Market que Manoel Rangel, presidente da Agência Nacional do Cinema (Ancine), divulgou, anteontem, os resultados do prêmio adicional de renda, destinado às produtoras que mais se destacaram nas bilheterias ou nos festivais de cinema.

"O BNDES entendeu que o segmento audiovisual tem, além do valor simbólico, um valor econômico", diz Rangel. Dos 15 longas premiados pelo bom desempenho -de acordo com um sistema de pontuação elaborado pela Ancine- oito tiveram algum tipo de recurso do BNDES.

"Nosso foco são filmes com potencial no mercado interno ou externo", diz Gorgulho. "Para isso, nos baseamos nos planos de negócio apresentados pelas empresas produtoras."

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

29ª BIENAL DE ARTES

Ataques reacendem debate na Bienal

Pichador de "liberte os urubu" diz que é "indiferente rabiscar obra" e que ética da rua não é a mesma do pavilhão

Artistas defendem ideia dos curadores de convidar pichadores para a exposição, mas repudiam os ataques


Fonte: folha.uol.com.br 29/09


Na rua, uma regra não escrita entre pichadores é que um não pode passar por cima do trabalho do outro, "atropelar", no jargão do asfalto.
Mas o comportamento mudou dentro do pavilhão da Bienal, onde um dos integrantes do grupo Pixação SP, que integra a mostra, pichou no último sábado a instalação do artista Nuno Ramos.
"Todo "pixo" é feito de forma ilegal, todo mundo se arrisca e por isso tem respeito", disse Djan Ivson, autor da ação. "Mas a gente não tem nada a ver com esses artistas, não tem relevância nenhuma o trabalho deles. Para nós, é indiferente rabiscar a obra."
Desde a abertura da exposição, ataques às peças de Ramos e da dupla Kboco e Roberto Loeb têm reacendido o debate em torno da pichação, levantando dúvidas sobre a tentativa de inclusão do estilo pelos curadores dessa 29ª edição da mostra.
Depois dos ataques à Bienal há dois anos, que resultaram na prisão de Caroline Pivetta, os curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias decidiram fazer um convite a representantes do gênero.
"São códigos diferentes, na rua eles estão entre eles e o respeito é mútuo ali", diz Dos Anjos. "Mas é essa diferença de regras que a gente está testando nessa Bienal, a gente assume o conflito."
Loeb, que teve seu trabalho pichado, vê no episódio um reflexo da desigualdade.
"Manifestações extremas desse tipo carregam a cor social do que está ocorrendo, a gente não está num país certinho", afirma. "Quem se alça a outros espaços é visto como um cara que diverge da comunidade, que saiu da turma, é uma briga de classes."
Sua análise parece valer tanto para pichadores quanto para seu parceiro na Bienal, o artista Kboco, que também começou na arte de rua. "Não faço arte para ganhar dinheiro", diz Kboco. "Já comprei briga com a elite."
Num gesto comedido, Nuno Ramos decidiu não prestar queixas contra Ivson, reforçando o que chama de "espaço para o diálogo" que deveria ser a Bienal. Ele também discorda da visão de luta de classes e de fricção entre os códigos de conduta.
"Não é possível fazer uma generalização, nem acho que isso tem a ver com a origem dele", afirma Ramos. "A classe alta também pode atacar."
Cildo Meireles, outro artista da Bienal, defendeu a atitude dos curadores, mas criticou os ataques. "Não compreenderam o espírito da coisa", diz o artista. "Isso é uma raiva mal resolvida, um ato de desespero que não podemos confundir com arte."
Há oito anos, uma obra de Lenora de Barros no Maria Antonia também foi pichada. Autores da ação mostraram até um projeto da intervenção à artista. Mas no caso da Bienal, ela diz não ver "nenhuma intenção artística".
"Eles vivem da transgressão", diz. "Mas ao mesmo tempo a situação acaba gerando figuras isoladas, que não respondem pelo grupo."
"Não acho que foi vacilo a Bienal ter chamado pichadores", opina a artista Adriana Varejão. "Mas a Bienal está virando uma plataforma de heróis da pichação, algo meio marqueiteiro. Estão querendo virar celebridade."

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Sobre a desigualdade

Fonte: valoronline.com.br 29/09

réplica: Autor de "A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil" contesta crítica a ideias que desenvolve em seu livro.

A edição do "Eu& Fim de Semana" (17, 18 e 19 de setembro) traz resenha do sr. Pedro Chadarevian sobre meu livro "A Construção da Sociedade do Trabalho no Brasil", que acaba de sair pela Editora FGV. Já publiquei o suficiente para saber que livros e artigos têm vida própria, ou melhor, uma vez "na rua", são apropriados pelos leitores, e sempre de maneira surpreendente. Mas a resenha do sr. Chadarevian me deixou em dúvida se ele realmente leu o livro que resenhou.

A crítica do sr. Chadarevian começa no terceiro parágrafo, e da maneira mais espantosa. Com que, então, faço "colagem" de teorias econômicas antagônicas? Mas meu livro, como diz o resenhista, não é de economia! Gary Becker não faz parte de meu referencial teórico, não é citado uma vez sequer. O autor não é obrigado a conhecer o que escrevo, mas se se desse ao trabalho de ler ao menos os títulos dos artigos e livros listados em meu currículo Lattes, saberia que escrevi pesadamente contra as teorias do capital humano. E Michel Aglietta (outro economista de minha "colagem") figura numa nota de rodapé... Meu livro não é de economia, menos ainda de sociologia econômica, nem faz colagem de economista algum. Faço uma sociologia historicamente informada, que por vezes dialoga com a economia e outras disciplinas, para tentar desvendar o enigma de nossa persistente desigualdade.

Sou acusado, ainda, de tratar o Estado como "entidade suprema e intocável" diante dos conflitos na esfera produtiva. Crítica verdadeiramente espantosa. Nas páginas 87 a 97 apresento breve teoria do Estado, em que o trato como ordem jurídica e institucional que resulta da (e ao mesmo tempo estrutura a) luta de classes. O Estado, portanto, é um processo, não uma "entidade", menos ainda "intocável". Resulta dessa má leitura a incompreensão, pelo resenhista, do sentido de Estado "antissocial". Uso esse conceito para qualificar o Império e a República Velha. À página 97 lê-se que, no período em apreço ali (1822-1930), "as estruturas estatais se consolidaram de modo a garantir a exclusividade de acesso ao processo constitucional (...) a determinadas e restritas camadas sociais, em detrimento da maioria [da população]. Na base desse modo de construção estatal esteve a impossibilidade estrutural de o centro imperial enraizar-se no território como força antitética aos poderes locais, que, afirmando seus interesses privados (isto é, interesses econômicos cuja consecução exigia o controle absoluto sobre a força de trabalho) como interesse público, impediram que a 'questão social' (muito particularmente, a liberdade de trabalho e, posteriormente, as condições de vida das classes que viviam do trabalho) fosse alçada à agenda constitucional, funcionando, pois, como eixo principal da reprodução das desigualdades sociais, econômicas, políticas, estatutárias e culturais que clivaram a sociedade brasileira por muitas décadas".

Ora, não é isso que sou acusado de não ter feito? Pois o que me é criticado é justamente o que passo 60 páginas para demonstrar. Faço-o porque, sem isso, não se compreende a enormidade da transformação operada depois de 1930, quando tem início a construção de nosso ainda capenga Estado de bem-estar social. Quando Vargas foi apeado do poder em 1945, o Estado brasileiro já não era antissocial como antes. Não pude demonstrá-lo cabalmente no livro resenhado, pois, para tornar o trabalho publicável, deixei para um segundo volume a análise da construção estatal depois de 1945.

Essa ausência, contudo, não compromete a compreensão do argumento principal: com a legislação social instituída sob Vargas, os brasileiros, antes dele excluídos, passaram a fazer parte do processo de construção estatal, simplesmente por que se tornou legítimo lutar pela efetividade da legislação social e trabalhista plasmada em constituições sucessivas. O legado varguista foi a promessa de integração ao mundo dos direitos sociais e do trabalho, promessa jamais cumprida, mas almejada pela maioria dos brasileiros que migraram dos campos para as cidades ao longo das décadas. O desafio era desvendar os mecanismos miúdos da adesão da maioria àquela promessa, que, ao lado da repressão estatal à dissidência de esquerda, impediu que a desestruturação da vida no campo resultasse em convulsão social aberta, como aconteceu em tantos outros lugares do planeta. Dizer, como quer o sr. Chadarevian, que a elite conservadora impregnou "o subconsciente das massas com o seu ideal de meritocracia liberal" é má sociologia. O desafio é mostrar como isso se deu; e por que os brasileiros aderiram a uma ordem que lhes foi, quase sempre, hostil. Meu livro tenta fazer justamente isso.

Espanta-me perceber que o resenhista desconhece os avanços da pujante historiografia sobre escravidão e construção do capitalismo no Brasil produzida nos últimos 15 ou 20 anos. A interpretação de Octavio Ianni, sociólogo da predileção do sr. Chadarevian, está há muito ultrapassada. O capitalismo no século XIX já era mundial, e o Brasil era parte do circuito dos capitais industriais nascentes no primeiro mundo. O capital excedente oriundo do tráfico negreiro e do comércio mundial de produtos tropicais aqui produzidos com mão de obra escrava era expropriado principalmente pela Inglaterra, a quem pagávamos juros sempre crescentes de uma dívida também crescente. No fim do século XIX, o capital inglês aqui investido já era quase do tamanho do PIB nacional, e metade desse mesmo PIB estava comprometida com pagamento de serviços da dívida, sobretudo aos ingleses. O Brasil dos anos 1800 estava na periferia do capitalismo, como hoje, e como hoje, já era capitalista. Obviamente, não era um país industrial, como, de resto, nunca chegou a ser. Nem por isso está ou esteve fora do circuito global do capital.

Há muito caíram por terra, também, as interpretações segundo as quais não havia mercado interno no país, ou que a economia estava toda voltada para o mundo exterior, ou que os trabalhadores extrínsecos ao que o sr. Chadarevian chama de "centro dinâmico" eram "lúmpen", ou que o capitalismo entre nós começou com a imigração estrangeira etc., visões que configuram o que qualifico de interpretação "sãopaulocêntrica" do Brasil. Falta grave é não conhecer a evolução do conhecimento no tema sobre o qual se aceita fazer uma resenha.

Por fim, não trato a sociabilidade atual como herança das relações escravistas. A herança da escravidão é usada para explicar, principalmente, a sociabilidade pré-1930 e a construção do Estado antissocial. A Era Vargas foi, dentre outras coisas, o início do processo de construção do Estado social entre nós, processo ainda em curso, na verdade sempre inacabado, por que fruto da luta de classes. E a escravidão ainda deixa marcas em nossa sociabilidade, mas a relação não é de causalidade direta. Um século se lhe sobreveio, e é disso que trato nas 463 páginas do livro, talvez de forma ineficaz, já que o sr. Chadarevian não o percebeu. Ou não leu.

Adalberto Cardoso é professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

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Primeiro filme de Glauber é livre da "estética da fome"

Fonte: folha.uol.com.br 29/09


Para quem busca conteúdos, é quase impossível detectar Glauber Rocha em "Pátio". O filme de 1959, autodefinido como "experimental", pouco tem a ver com o que se conheceria depois como "a estética da fome".
Ali está um pátio dividido em quadrados pretos e brancos, como no xadrez, onde um homem e uma mulher evoluem, ora juntos, ora separados, como num balé amoroso. Em torno deles, a vegetação viçosa e, atrás dela, o mar. O céu, com suas nuvens, é o último elemento da natureza evocado no filme.
Glauber tomou a providência de mostrar seu primeiro trabalho a Walter Hugo Khouri, a quem considerava o melhor diretor brasileiro. Khouri deu a bênção ao jovem baiano, chegando a definir Glauber como um cultor do "cinema absoluto", seja isso o que for.
Não importa muito: estamos diante de um filme cujos elementos lembram a "avant-garde" dos anos 20, que de fato aspirava a uma pureza cinematográfica.
Ele já explora o espaço cênico, matéria em que se destacaria como mestre. Talvez seja esse o aspecto a reter, balizado pelos embates entre natureza e cultura, homem e mulher, preto e branco.
Em "Pátio" há muito e não há nada do Glauber maduro.
O talento, a afeição pelo cinema, o gosto pela experimentação, a ousadia -tudo isso está no filme. O lado político, que às vezes obscurece os demais, ainda não aparece.
Mas fica claro que Glauber já sabia, como ensina John Ford, que o que importa no cinema é onde enquadrar a linha do horizonte. O resto vem naturalmente.

"PÁTIO", DE GLAUBER ROCHA
ONDE pq. Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, portão 3, tel. 0/xx/11/5576-7600)
QUANDO hoje, às 9h e 12h
QUANTO grátis
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo


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Para ver no Festival do Rio

Fonte: valoronline.com.br 29/09

A ampliação do espaço para documentários nos grandes festivais generalistas de cinema é uma das características marcantes da última década, como reafirma agora o Festival do Rio 2010, que acontece de hoje até o próximo dia 7. Ao lado de ciclos de não ficção já tradicionais do evento, como a competição de documentários nacionais na Première Brasil e a Mostra Dox, destacam-se neste ano programas específicos dedicados ao ambiente, à política e ao documentário para a internet (web doc).

Há um pouco para todo tipo de espectador. Proponho abaixo um roteiro doc para concorrer nas próximas semanas com o sol do Rio. Mas leve a esteira para o cinema: ao menos uma das dicas abaixo é desses filmes para ver de joelhos.

"Armadillo", de Januz Metz (Mostra Limites e Fronteiras). Vencedor da Semana da Crítica de Cannes 2010. A primeira missão de um grupo de jovens soldados dinamarqueses no Campo Armadillo, situado na província de Helmand, no sudoeste do Afeganistão. A guerra a quente.

Repare no excepcional trabalho de câmera de Lars Skree.

"A Autobiografia de Nicolai Ceausescu", de Andrei Ujica (Panorama do Cinema Mundial) ,"hors concours" em Cannes neste ano. A ascensão, poder e queda do último ditador comunista da Romênia, a partir quase tão somente de materiais de arquivo, sem recorrer a textos explicativos, entrevistas ou narração em voz off. Do mesmo codiretor, ao lado de Harun Farocki (atualmente com retrospectiva na Cinemateca Brasileira, em São Paulo), de "Videogramas de uma Revolução" (1992). Definitivo.

"Bassidji, Os Guardiões do Regime", de Mehran Tamadon (Dox). Vencedor do DocLisboa 2009. Um mergulho no cotidiano da mais radical facção armada extraoficial de apoio à República Islâmica do Irã. As entranhas da ditadura Ahmadinejad.

"The Cove", de Louie Psihoyos (Ambiente). Oscar de documentário 2010. Um thriller documental sobre o massacre de golfinhos por pescadores japoneses. Filme de estreia de Psihoyos, ex-fotógrafo submarino da "National Geographic". Bem intencionado, mas não nega a origem.

"Diário de uma Busca", de Flávia Castro (Première Brasil). Prêmio da critica em Gramado 2010. Uma tragédia familiar e o combate à ditadura de 1964 se entrelaçam na reconstituição pela diretora do passado do pai. Tocante.

"Um Filme Inacabado", de Yael Hersonski (Expectativa). Melhor montagem no Sundance 2010. O desmonte de uma operação cinematográfica de propaganda do regime nazista, sob a forma de um filme encenado sobre o pretenso cotidiano dos judeus no gueto de Varsóvia.

"Os Guerreiros do Greenpeace", de Suzanne Raes (Ambiente). As memórias de um grupo de ecologistas, tragicamente atingido pela bomba que em 1985 afundou seu barco, o Rainbow Warrior. Poderia chamar-se "Nós que Amávamos Tanto a Revolução ...Verde".

"Restrepo", de Tim Hetherington e Sebastian Junger (Dox). Grande Prêmio do Sundance 2010. O cotidiano de um pelotão de soldados americanos no Vale do Korengai, no Afeganistão. Um "Armadillo" americano.

"Santos Dumont: Pré-Cineasta?", de Carlos Adriano (Première Brasil). O novo filme de um dos mais inovadores cineastas brasileiros em atividade. "A partir do carretel de mutoscópio de Santos Dumont (1901), que encontrei no Museu Paulista da USP e foi base de minha tese de doutorado na ECA, abordamos aspectos históricos e artísticos do pré-cinema e do cinema de reapropriação de arquivo, por meio de entrevistas, documentos e metáforas poéticas", adianta Adriano. Totalmente inédito, indico no escuro, sem pestanejar.

"O Último Trem para Casa", de Lixin Fan (Expectativa). Melhor filme de Amsterdã 2009. Ex-câmera de uma TV estatal chinesa, Lixin Fan recorre, em seu segundo filme, a uma abordagem observacionista tradicional, sem narração ou comentários, para acompanhar por dois anos um casal de chineses que trocou a pacata vida agrária nas províncias pelo duro cotidiano de operários de confecções na cidade grande. Uma denúncia contundente das enormes pressões sob a vida cotidiana e familiar do modelo capitalista autoritário chinês. As sequências torturantes nas abarrotadas estações de trem, que embarcam 32 milhões de chineses para a única pausa anual, agarram-se na memória.

Amir Labaki é diretor-fundador do É Tudo Verdade - Festival Internacional de Documentários.

E-mail: labaki@etudoverdade.com.br

Site do festival: www.etudoverdade.com.br

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Privados discutem custo de biodiversidade

Em reunião no Japão, em outubro, serão apresentados estudos sobre os custos econômicos da falta de preservação

Fonte: folha.uol.com.br 28/09

Segundo as Nações Unidas, a humanidade perde de US$ 2 tri a US$ 4,5 tri a cada ano com danos ambientais

O fracasso das negociações internacionais para conter o ritmo de perda da biodiversidade no planeta até 2010 e as perspectivas pouco animadoras para a reunião de Nagoya (COP 10), no Japão, vêm aumentando a pressão sobre o setor privado para que assuma parte da responsabilidade.
É um movimento semelhante ao que ocorreu no ano passado, nas discussões sobre mudanças climáticas, em que a falta de convergência para chegar a um amplo acordo entre governos acabou ampliando a importância das ações envolvendo empresas e organizações.
Os argumentos para atrair o setor corporativo também se repetem. E focam um aspecto que toca fundo às corporações: os potenciais impactos econômicos sobre os negócios gerados pela perda da biodiversidade.
"Continuamos destruindo a biodiversidade porque ainda não conseguimos olhar para os benefícios da conservação em termos econômicos", defende o economista indiano Pavan Sukhdev.
O indiano coordenou o estudo "A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade [TEEB, na sigla em inglês]", promovido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Para Sukhdev, empresas devem assumir papel de liderança nessa discussão. "E não porque achem isso bonito ou simpático, mas, sim, porque estamos falando de impactos bilionários, que afetam praticamente todos os setores produtivos."
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ESTUDO AMPLO
Desenhado para orientar as discussões em Nagoya, em outubro, o TEEB é considerado o mais completo estudo já realizado sobre o valor econômico da biodiversidade.
Calcula quanto valem os "serviços" prestados pelos ecossistemas à humanidade (como a regulação do clima, a polinização de flores etc.).
Os resultados, ainda que longe de gerar consenso, impressionam. Segundo a ONU, a humanidade perde de US$ 2 trilhões a US$ 4,5 trilhões por ano com a destruição da biodiversidade.
O cálculo só leva em consideração a destruição relacionada a florestas, mananciais e vegetação dos mangues, deixando de fora, por exemplo, mares e oceanos.
Representantes da ONU prometeram divulgar em breve um estudo específico para as condições brasileiras.
"A maior biodiversidade do planeta se encontra nas florestas do Brasil, que detêm cerca de dois terços de todos os recursos genéticos do globo, excluindo-se os oceanos", aponta o professor Mário Christian Meyer, diretor do Programa Internacional de Salvaguarda da Amazônia (Pisad).
Especialistas torcem para que esse tipo de levantamento resolva o problema da falta de métricas financeiras e pesquisas objetivas sobre biodiversidade, que consideram a principal causa da aparente indiferença da sociedade em relação ao assunto.
"Dos três grandes temas que nortearam os debates da Eco 92, que são biodiversidade, florestas e clima, somente o primeiro ficou esquecido, pouco quantificado do ponto de vista econômico e carente de regulação", aponta Beto Veríssimo, pesquisador sênior do Imazon.
"O maior desafio é fazer com que os ecossistemas tenham mais valor preservados do que sendo usados para outros fins", diz Tasso Azevedo, consultor de Sustentabilidade, Florestas e Clima.
De acordo com estudo que será publicado brevemente pelas Nações Unidas, as 3.000 maiores companhias do planeta são hoje responsáveis por impactos ambientais que, na ponta do lápis, somam cerca de US$ 2,2 trilhões anualmente.

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O voto supremo

Editorial Correio Brasiliense



Fonte: correioweb.com.br 28/09


Diante de uma campanha tão ruim, o eleitor tem para este domingo a difícil missão de escolher os candidato de sua preferência. Essa suprema decisão, com consequência para os próximos quatro anos, infelizmente será tomada em condições desfavoráveis. Marcada por candidatos sem carisma, escândalos de ocasião e uma balbúrdia jurídica, a eleição frustra a expectativa daqueles que aguardam alguma renovação na política brasileira. Permanecemos no país da intolerância à imprensa, do proselitismo, do aparelhamento do Estado, da ação criminosa de aloprados, da grande família de aproveitadores do dinheiro público. Do ponto de vista do eleitor, o embate entre candidatos à Presidência da República se resume a escolher entre um suposto continuísmo ou embarcar na aventura de quem ainda consolida o discurso diante da tal opinião pública.


Soma-se à circunstância política o impasse no Supremo Tribunal Federal, que confundiu ainda mais o eleitor. É preciso fazer uma ressalva, porém. Pode-se criticar a postura de um ou outro ministro na análise da Ficha Limpa, mas injustiça maior seria chancelar uma lei de evidentes pontos questionáveis sem um debate aprofundado. A infelicidade para o eleitor foi a Ficha Limpa ter ingressado no plenário do STF a poucos dias do pleito. Tivesse surgido em outro período, provavelmente a questão seria encaminhada de forma mais serena. E, a depender do que se anuncia para esta semana decisiva, outros pontos polêmicos poderão ser resolvidos em cima do laço: a obrigatoriedade de levar documento de identificação às urnas e o melodrama com ares peronistas protagonizado pelo casal Roriz.


Os eleitores de Brasília, talvez como sina pelo cinquentenário da cidade, têm mais responsabilidades. A tragédia provocada pela quadrilha desmascarada na Operação Caixa de Pandora abalou profundamente a confiança dos brasilienses nas instituições. É chegada a hora de mostrar que a capital não tolera políticos que, por má-fé ou incompetência, perpetuam o atraso social.

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CNJ vai alterar resolução sobre precatórios

Fonte: valoronline.com.br 28/09

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai revisar a Resolução nº 115, que regulamentou a Emenda Constitucional nº 62. A norma altera a forma de pagamento dos precatórios e transfere aos Tribunais de Justiça (TJs) o controle dos pagamentos, que antes ficava a cargo dos próprios devedores. Muitos tribunais enfrentam dificuldades para cumprir a resolução, especialmente a criação de listas únicas de credores, que vão orientar a ordem de preferência nos pagamentos, e a administração de uma conta única para os precatórios de todo Estado.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por exemplo, não sabe como fazer para administrar uma lista com mais de 900 entes devedores. A Corte deve administrar a maior dívida do país - R$ 20,6 bilhões em precatórios, distribuídos em 645 municípios.

A dívida dos Estados nem sempre é proporcional ao número de municípios. O TJ do Rio Grande do Sul administra R$ 5,2 bilhões em precatórios, em 496 municípios. Já no TJ do Espírito Santo, são R$ 9,2 bilhões devidos por 78 municípios. Outros montantes que se destacam são os controlados pelo TJs do Rio de Janeiro (R$ 4,4 bilhões) e de Minas Gerais (R$ 2,9 bilhões). Na Justiça do Trabalho do Rio Grande do Sul, de acordo com dados preliminares, está a maior dívida, R$ 1 bilhão, seguida pela Justiça trabalhista do Espírito Santo, com R$ 950 milhões. A Justiça do Trabalho de São Paulo ainda não prestou informações. Os dados foram enviados por alguns TJs e Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) ao CNJ e serão apresentados em um seminário no dia 30, durante o qual serão discutidas soluções para os problemas de implementação da Resolução 115.

De acordo com o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do CNJ, Ives Gandra Martins Filho, as soluções debatidas no seminário devem ser uniformizadas e servir de base para editar a revisão da Resolução 115. "O encontro vai procurar soluções para tornar viável o pagamento dos precatórios e fazer com que a Emenda 62 não seja uma frustração", diz. Para o ministro, os créditos trabalhistas foram prejudicados depois da Emenda 62, por causa da transferência de responsabilidade dos pagamentos para os TJs. "Muitos Estados estavam em dia com o pagamento desses precatórios, que são considerados alimentares. A Justiça do Trabalho fazia acordos com os entes públicos." No seminário, o Banco do Brasil deve apresentar aos tribunais um produto capaz de gerir as contas de todos os municípios, outra dificuldade que os TJs têm encontrado para implementar a Resolução nº 115.

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9ª BIENAL DE ARTES

"Toda arte flutua num mar de palavras"

Fonte: folha.uol.com.br 28/09

Joseph Kosuth, norte-americano que inventou a arte conceitual, repudia forma e mercado em nome das ideias

Artista está na Bienal de São Paulo com painéis que ampliam definições dos pontos cardeais, trabalho feito em 1967


Joseph Kosuth tira uma caneta preta do bolso e pinta por cima de manchas brancas, falhas na impressão de seus quatro painéis expostos na Bienal de São Paulo. Um segurança corre para impedir, e Kosuth reage brandindo sua credencial de artista.
São dois lados da figura estranha que é Kosuth. Aquele homem que repudiou a forma, de rosto desconhecido mesmo para quem conhece sua obra, tentava ali corrigir justo a forma de seu trabalho.
No café do Museu de Arte Moderna, até os curadores da Bienal perguntavam quem era o senhor todo de preto, de chapéu, óculos e bolsa também negros, que olhava pela janela as esculturas no jardim do parque Ibirapuera.
Kosuth é o americano que no auge do expressionismo abstrato dos anos 50, aquele dos respingos alucinados de Jackson Pollock e campos de cor de Mark Rothko, rompeu com a pintura, a escultura e com tudo que veio antes.
Do nada, queria uma arte calcada na linguagem, na exploração semântica. Tentava rever a secura asfáltica da vida em forma de obra de arte.
Isso quer dizer que Kosuth opera no intervalo -também semântico- entre ver e olhar. "Arte se baseia em falácias", resume. "Sabemos que ver não é o mesmo que olhar, que alguém pode nunca olhar de verdade para algo que está vendo há dez anos."
Ou ouvindo. Seus primeiros trabalhos, que inventou quando pensava que tudo já tinha sido feito, eram ampliações de definições de palavras extraídas do dicionário em letreiros preto e branco.
Transformavam a palavra escrita e ouvida em objeto visual escancarado como revelação, enunciados com a pretensão de anular nuances e distorções dos significados.
"Acreditava que um artista devesse fugir à tradição", lembra. "Ser artista é fazer perguntas sobre o significado da arte e estar engajado na produção de significados, isso deve ser a tarefa sempre."
Kosuth então se desvencilhou da forma. Na busca por esses significados, consultou primeiro os dicionários, depois os livros de filosofia. Quase toda sua obra são palavras, em painéis monocromáticos, como os da Bienal, ou escritas em néon, mas nunca figura, paisagem, cor.
"Quando alguém faz um trabalho figurativo, arrisca ter a obra abraçada pelo público, acolhida demais", diz Kosuth. "Perde a potência, a capacidade de fazer perguntas, despreza o dever primordial de levantar questões."
Sem usar as próprias palavras, Kosuth avança sobre o discurso dos outros, de Nietzsche e Wittgenstein a Hitler e Kafka, para sublinhar também o trabalho dos outros, esculturas renascentistas, Picasso, Duchamp.

MAR DE PALAVRAS
"Toda a arte flutua num mar de palavras", afirma. "Artistas formais parecem não entender às vezes que mesmo a forma pura tem um significado, que não operam num vácuo, e por isso um trabalho formal acaba virando só decoração muito cara."
Nas palavras ácidas de Kosuth, é um "rabicho adiposo da modernidade achar que arte é esforço decorativo". E no encalço dessa gordura formal, ele viu surgir formas distintas de olhar para a arte.
"Emergiram histórias paralelas da arte, a história da arte tradicional e a história do mercado da arte", resume. "Damien Hirst e Jeff Koons são figuras emblemáticas dessa história do mercado, mas não contribuíram para um corpo de ideias."
Kosuth acredita que erraram a mão quando quiseram ser sexy demais, do mesmo jeito que Andy Warhol e Roy Liechtenstein, que começaram no preto e branco e então caíram na tentação da cor.
"Artistas não devem ser amados pelas formas, mas pela ideia por trás do trabalho", resmunga Kosuth, que ainda se veste todo de preto.

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Literatura

O acordo priorizou o critério fonético ?

Fonte: opopular.com.br 28/09

Primeiro secretário da Academia Brasileira de Letras, o escritor e gramático Domício Proença Filho esteve recentemente em Goiânia para participar de uma palestra no Tribunal de Justiça de Goiás. Antes de sua conferência, ele conversou com a reportagem do POPULAR sobre o novo acordo ortográfico da língua portuguesa. Autor do estudo Nova Ortografia da Língua Portuguesa, lançado no ano passado, ele apontou virtudes e falhas das mudanças. Na entrevista, ele também comentou sobre o impacto do chamado internetês em nossa língua.

Como o senhor está vendo a implementação do acordo ortográfico?

No Brasil, com muita tranquilidade. A mídia, em geral, adotou o acordo. Até porque os termos do novo regulamento ortográfico mudam muito pouco para nós. Ele muda 0,5% das palavras usadas no Brasil e 1,6% das usadas em Portugal. Esses percentuais foram calculados num universo de 110 mil palavras que foi considerado como um vocabulário comum das nações soberanas que falam português.

Em Portugal, a resistência está bem maior.

Sim, está. Uma das razões que encontro para essa resistência é que o acordo valoriza mais o critério fonético em detrimento do critério etimológico, embora ele não tenha abandonado o critério etimológico. Mas ele priorizou o critério fonético e Portugal é muito cioso de sua fonologia. Houve concessões de parte a parte.

Não haveria nessa resistência questões políticas e econômicas? O Brasil é hoje o país de língua portuguesa mais importante do mundo, com um grande mercado editorial e com vistas a atender o público africano que fala português.

Um acordo ortográfico não envolve aspectos meramente linguísticos. Ele envolve, e muito, aspectos políticos e econômicos. Alguns dos opositores do acordo entendem que o Brasil, com mais de 190 milhões de habitantes, com a força que a língua portuguesa tem, sobretudo nos países africanos, teria ainda mais poderio. No que se refere ao mercado editorial, ele não depende só da ortografia. Ele é um elemento que vai facilitar a presença de livros didáticos brasileiros em alguns países, mas isso depende de um caráter político muito maior, que passa pela política externa brasileira. Em meu entender, o acordo tem mais vantagens que desvantagens. Ele tem vantagens porque vai ajudar na alfabetização, vai ampliar o mercado para o universo lusófono, não só do Brasil, já que haverá intercâmbio entre todos. Na diplomacia, ele vai facilitar a inserção do Brasil em mecanismos internacionais, como a ONU. O acordo simplifica a ortografia, mas não unifica a ortografia. Ele não pode unificar a ortografia porque ela é não unificável. Uma vez que o sistema ortográfico, que a representação gráfica está ligada à pronúncia das palavras, o texto faz concessões às várias pronúncias. O problema fundamental da reforma é o hífen.

Pois é, por que não simplificar o emprego do hífen?

Nesse aspecto, o acordo é tímido, poderia ter sido mais radical. Nas regras do uso do hífen, ele até simplificou, diminuiu o número de regras. Mas não foi possível uma simplificação ainda mais radical. Ainda temos algumas regras de uso do hífen, que acabam não sendo tão complicadas, mas não têm uma lógica com que você possa estabelecer um padrão mais rigoroso. Mas o acordo reduziu bastante as opções. Um bom guia pode resolver isso.

Como o senhor percebe o fenômeno do emprego da linguagem da internet, o chamado internetês, que está cada vez mais disseminado?

A internet é irreversível. A linguagem da internet, com suas reduções, atende à própria natureza do meio. Essa linguagem exige uma economia de meios, com mensagens bem mais curtas e que se tornou um modismo, mas acho que dificilmente ela se espalhe até afetar o uso geral da língua. As reduções da internet pressupõem o conhecimento anterior da palavras. Se você escreve "vcs", está introjetada em sua mente a palavra "vocês". Senão, ninguém traduz. Algumas palavras de uso menos comum não são utilizadas na linguagem da internet porque senão seria muito difícil o usuário decodificar. O que se decodifica são palavras como abraços (abç) ou beijos (bjs).

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Esse fenômeno não acarretaria o risco de um empobrecimento de vocabulário?

O empobrecimento de vocabulário independe do internetês. A pessoa amplia seu universo vocabular por meio da leitura de diversas manifestações, na mídia ou em livros. Se esses instrumentos de ampliação do universo vocabular continuarem como estão, dificilmente a internet terá uma influência negativa. Acho que o internetês fica restrito àquele tipo de mensagem. Ainda não vi ninguém escrevendo, nem mesmo uma redação escolar, um texto inteiro dessa forma.

Existem novos autores na literatura que usam esse internetês como um estilo, ainda que seja para marcar um personagem ou um universo específico. O que o senhor acha disso?

A literatura habita o espaço da liberdade. O oxigênio da arte é a liberdade. O escritor, que é um criador, funda significados, ele pode violentar qualquer norma e não é punido por isso. Não há nenhum delegado que vá cobrar isso dele (risos). Ele pode, ao caracterizar um personagem, fazer com que ele seja reconhecido por essa linguagem. Ele está singularizando o personagem que se vale desse recurso, é uma característica do personagem.

A internet ajuda a divulgar o livro e a literatura?

Claro. Não se pode desprezar a internet de forma nenhuma. Uma mensagem que é postada ali vai para o mundo inteiro instantaneamente. Na Academia Brasileira de Letras, todas as nossas palestras, atividades, nossos textos são postados instantaneamente na internet. São milhares de pessoas tendo acesso àquele material. A internet está possibilitando à ABL a experiência de estimular a criação literária, a partir de um concurso de minicontos pelo Twitter, com 140 caracteres. O resultado foi surpreendente. Não esperava que houvesse tanta criatividade.

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Pobreza e baixa escolaridade impedem ida à Justiça

Fonte: valoronline.com.br 28/09

O baixo nível de escolaridade e a situação de pobreza impedem boa parte da população brasileira de ter acesso ao Judiciário. Estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostra que esse fatores foram determinantes para que 63% das pessoas que tiveram algum tipo de direito lesado no ano passado não recorressem à Justiça. Caso tivessem optado por esse caminho, o número de novos processos - que foi de 25,5 milhões em 2009 - seria 170,3% maior.

A pedido do CNJ, o técnico Alexandre dos Santos Cunha, do Ipea, cruzou dados do relatório Justiça em Números 2009 e indicadores socioeconômicos e revelou que 53,54% da demanda pode ser explicada pelos níveis de educação e social dos que recorrem ao Judiciário. "Muitas pessoas não procuram a Justiça por desconhecimento ou por entenderem que é um caminho muito caro", diz o técnico.

Em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com melhores indicadores - 7,5 anos de estudo (ensino fundamental incompleto) e 19,55% de pobres -, o número de casos novos para cada 100 mil habitantes é 43% maior do que a média nacional. Já o grupo com os piores indicadores, composto por Bahia, Ceará, Alagoas, Maranhão, Pará e Piauí, está 66% abaixo da média. Nessas regiões, o nível médio de escolaridade é de 5,33 anos e 59,18% das pessoas estão na linha da pobreza.

A partir desse cruzamento de informações, o técnico constatou que o acréscimo de um ano na escolaridade média da população poderia aumentar a demanda anual em 1.182 novos processos a cada 100 mil habitantes. Já o impacto da redução de um ponto no percentual de pobreza resultaria em 115 novas ações.

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TRE derruba liminar que impôs censura

Fonte: opopular.com.br 28/09

Decisão que impedia veículos de comunicação de publicar informações sobre investigação contra governador do Tocantins foi derrubada por 4 a 2

Durou apenas um fim de semana a liminar concedida pelo desembargador Liberato Póvoa, do Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Tocantins, que proibiu veículos de comunicação de publicar informações sobre investigação do Ministério Público Estadual (MPE) de São Paulo sobre a suposta organização criminosa acusada de fraudar licitações públicas na qual o governador do Tocantins e candidato à reeleição, Carlos Gaguim (PMDB), é citado. Ontem, a liminar foi derrubada por 4 votos a 2 em sessão extraordinária realizada no TRE-TO.

O relator da liminar votou pela manutenção da censura e foi acompanhado pelo juiz Francisco Coelho, mas os outros quatro integrantes da Corte (um juiz está afastado temporariamente) votaram por não referendar a liminar. A medida que impôs a mordaça à imprensa no Tocantins ganhou repercussão nacional.

O presidente do tribunal, desembargador José de Moura Filho, que não precisava votar, mas optou por exercer o direito, anunciou que votaria "pelo restabelecimento da liberdade de imprensa". Aos jornalistas, disse que a Corte agiu corretamente, e acrescentou: "O Supremo já tem julgado que com a imprensa não tem restrição de informação nenhuma.

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FMI vai examinar sistema financeiro do Brasil a cada 5 anos

Fonte: valoronline.com.br 28/09

SÃO PAULO – O Brasil foi incluído em uma lista de 25 países cuja saúde financeira passará por um exame profundo do Fundo Monetário internacional (FMI).

Os exames serão obrigatórios e realizados a cada cinco anos, com vista à estabilidade financeira mundial. O órgão diz que escolheu os sistemas financeiros mais interligados e que receberam forte impacto durante a crise mais recente.

Fazem parte da lista os Estados Unidos, epicentro da crise financeira, e 14 países europeus: Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Rússia, Espanha, Suíça, Suécia, Turquia e Reino Unido.

Também estão dentro Austrália, Canadá, Hong Kong, Índia, Japão, México, Cingapura, Coreia do Sul e China.

De acordo com o FMI, a decisão fortalece a fiscalização integrada dos países que compõe o fundo. Antes, esses exames eram feitos de forma voluntária.

A ideia, diz o FMI, é apertar a fiscalização de setores financeiros com potencial de afetar a estabilidade global. “A crise econômica global deixou à vista as conseqüências econômicas devastadoras que uma crise financeira em um país pode ter sobre a economia global”, argumenta o fundo.

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Votos em troca de subsistência

Fonte: correioweb.com.br


Em cidades arrasadas pelas cheias no Nordeste ou em recantos esquecidos pelo poder público no DF, a venda de votos é encarada como arma legítima para vencer o quadro de miséria ao qual estão expostos

Vale do Mundaú/Brasília — O cenário é de guerra. As perspectivas, quase inexistentes. Nas cidades alagoanas arrasadas pelas cheias de junho, brasileiros transformam a campanha política na única esperança de reconstrução das vidas. Há meses, as vítimas das enchentes esperam por políticos interessados em votos com a lista de pedidos em mãos. Entre as necessidades enumeradas estão tijolos, cimento, móveis, colchões e lotes. Qualquer coisa é bem-vinda para quem perdeu tudo: pertences, parentes e a capacidade de sonhar.

A espera tem sido em vão. Desde a tragédia, candidatos evitam passeios e campanhas nas cidades atingidas pelas cheias. Segundo os moradores, nenhum político tem percorrido as ruas devastadas ou apertado a mão dos que aguardam a chance de pedir algo. A ausência, no entanto, é apenas física. Jingles circulam pelas ruas em carros de som alugados e placas de candidatos sorridentes foram colocadas em meio aos destroços. “Visitas eles não fazem. Estão com medo do assédio. Precisamos de tudo e eles sabem disso. Só vamos votar em quem nos ajudar. A situação é essa. Mas ninguém apareceu. Os candidatos só colocaram plaquinhas com a cara deles. O que vamos pedir às placas? Alguém tinha de aparecer”, diz o comerciante Ednaldo Bernardino, sobrevivente de Branquinha (AL).

Em Santana do Mundaú (AL), um grupo de 40 moradores chegou a preparar uma lista de pedidos aos candidatos. Nela estavam comida, escola e uma “ajudinha” para pagar contas vencidas. “A gente combinou que só iria votar em quem ajudasse a gente de alguma forma. Para quem perdeu tudo, era uma chance boa. Mas os candidatos não apareceram, nem para a gente pedir que intercedam pela gente em Brasília para o dinheiro do socorro chegar logo”, conta o pedreiro Antonio Gabriel da Silva.

Guerra vizinha
Perto do poder a situação não é diferente. A reportagem percorreu cidades do Distrito Federal e encontrou gente vivendo sem as mínimas condições de subsistência. Esquecidas pelas promessas do passado, essas vítimas do descaso do poder público admitem que venderiam o voto por “qualquer ajuda”. Elas querem coisas simples: um prato de comida, luz no barraco repleto de lama. “Eu venderia o meu voto ao primeiro político que viesse aqui e prometesse ao menos um acesso para eu chegar na minha casa. Nem que fosse só para passar uma máquina. Quando chover, não poderemos chegar aqui. Esqueceram da gente!”, relata a gari Patrícia Alves, moradora do condomínio Porto Rico, em Santa Maria. “A polícia não vem porque o carro não entra. O Samu também não. A luz não chega e o esgoto passando na nossa frente. Por isso, a gente combinou que iria ajudar ao político que ajudasse a gente. Mas eles não apareceram. Só os cabos eleitorais, mas a gente não acredita neles. Vamos ficar nesse esquecimento”, completa o vizinho José Mazzolo.

No Itapoã, as ruas de barro refletem a distância entre a conscientização pela escolha de bons candidatos e a miséria. “A gente sabe que não deve vender voto, mas se esquecem de nós. Quem vai deixar de votar em alguém que ajuda? A gente tem de votar de qualquer jeito, né?”, afirma a sorridente Maria das Dores Santos, que aos 44 anos divide um barraco com cinco filhos.

Obstáculo
Até os órgãos mais empenhados em coibir a comercialização de votos levam em conta as distorções sociais. Tanto que no Brasil nenhum eleitor foi punido por receber favores de candidatos. A expectativa de venda de votos acontece, apesar da campanha Eleições Limpas ter chegado aos rincões. Os brasileiros à espera de propostas para escolher os candidatos ouvem falar da importância de não trocar votos por favores pessoais e escolher candidatos ficha limpa. Nunca se falou tanto na importância de fazer boas escolhas. Nunca se trabalhou tanto para conscientizá-los. O obstáculo à construção de um cenário político melhor é resumido pelo aposentado Cicero Braz, 75 anos, morador de Branquinha. “Nunca falaram tanto em voto bem dado. A gente até sabe e ouve sobre isso. O problema é que para quem não tem um pão para comer todo dia, escolher analisando a história deles fica cada vez mais difícil. Quem sabe um dia essa pobreza não acabe e a gente possa votar direitinho, né?”.


Consciência popular
A campanha Eleições Limpas é uma iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em parceria com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com o tema Não Vendo meu Voto, a ideia é conscientizar os eleitores da importância de cada um na escolha dos futuros políticos. Fôlderes com linguagem simples foram distribuídos em vários estados brasileiros. No mês passado, promotores em todo o país foram às ruas falar sobre a importância das eleições e esclarecer dúvidas dos eleitores. Em alguns estados, como o Espírito Santo, foi possível até fazer denúncias de tentativas de cooptação de votos.

O custo da escolha errada

Investigações da PF indicam que a corrupção política lesou em R$ 2,5 bilhões os cofres públicos nos últimos quatro anos

Izabelle Torres

Se a miséria em que vive grande parte dos brasileiros justifica a disposição de eleitores para negociar votos em troca do que deveria ser oferecido pelos governos, o preço de colocar no poder políticos mal intencionados representa uma sangria aos cofres públicos. Nos últimos quatro anos, 20 operações da Polícia Federal desbarataram esquemas de corrupção comandados por quem foi eleito para representar a população. Levantamento realizado pelo Correio mostra que o prejuízo causado ao erário por essas quadrilhas foi de R$ 2,57 bilhões. Dinheiro suficiente para construir mais de 75 mil casas populares ou 3.200 escolas.

São recursos desviados da saúde, da educação e de obras de infraestrutura. Dinheiro público que deveria ser usado para melhorar a vida dos brasileiros e que deságua na conta bancária de deputados, senadores, governadores, vereadores e prefeitos eleitos, na maioria das vezes, com votos comprados ou obtidos graças a promessas de vantagens pessoais. A busca de alguns por assistencialismo causa dificuldades na vida de outros. Se a responsabilidade por colocar políticos corruptos no poder fosse dividida por todos os eleitores, cada um teria de pagar R$19 para ressarcir os cofres públicos. “O grande desafio é conscientizar as pessoas de que os favores oferecidos hoje, amanhã vão se transformar em falta de segurança, de educação e na deficiência dos serviços de saúde e transporte que elas mesmas são vítimas”, resume o procurador eleitoral de Santa Maria, Ricardo Contardo.

Metade das operações da PF envolvendo a atuação de políticos corruptos encontrou esquemas de desvio de recursos destinado a obras de infraestrutura. A outra parte seria usada em investimentos na saúde e na educação se não tivessem ido parar em contas pessoais.

Desvios
No Amapá está o caso mais recente e o mais custoso ao erário. Segundo o inquérito da operação Mãos Limpas, o desvio de recursos no estado chega a R$ 820 milhões. Um dos suspeitos de chefiar a quadrilha é o atual governador Pedro Paulo Dias (PPS), eleito como vice de Waldez Goes (PDT). Ambos foram presos. Em 2006, a chapa da dupla recebeu mais de 160 mil votos.

O erro na escolha feita por eleitores de Alagoas e Rondônia para deputados estaduais também rendeu escândalos e cifras milionárias desviadas. Nos dois casos, mais da metade dos integrantes da Assembleia Legislativa foi presa. No primeiro, por conta de um rombo de R$ 280 milhões na folha de pagamento dos servidores. No segundo, R$ 100 milhões do Orçamento foram parar nas contas bancárias de deputados, prejuízos que poderiam ter sido evitados pela escolha correta dos ocupantes do poder.