segunda-feira, 26 de julho de 2010

Alceu elogia Pontos de Cultura e diz que novo tempo "chegou"

Com 38 anos de carreira, o cantor e compositor pernambucano Alceu Valença continua criativo, rebelde, crítico da indústria cultural, da importação de modelos e da falta de divulgação dos artistas brasileiros. Perto de completar 64 anos, em julho, continua com a vitalidade dos anos 1980, auge de sua carreira, e ainda cativa o público jovem, que revisita suas canções, olha com curiosidade para seus novos trabalhos, suas misturas de sons e ritmos.

Herdeiro musical de Luiz Gonzaga, de Jackson do Pandeiro e de Dorival Caymmi, Alceu deu novo brilho aos ritmos regionais, como baião, coco, toada, maracatu, frevo, caboclinhos, embolada, repentes. Em seu primeiro disco, lançado em 1972 em dobradinha com Geraldo Azevedo, já punha um tempero rock’n’roll nas batidas tradicionais nordestinas que continuaram marcando docemente o compasso de sua história musical, inclusive nos clássicos como Coração Bobo, Espelho Cristalino, Morena Tropicana, La Belle d’Jour, entre outros.

Nas letras das canções Papagaio do Futuro e Espelho Cristalino, ainda nos 70, Alceu já expunha a questão ambiental. O artista, aliás, sempre foi um inquieto “militante” da diversidade cultural brasileira. E da esperança, sentimento presente em muitas de suas letras, falando de amor ou da natureza.

Em suas turnês pelo exterior, o pernambucano influenciou artistas americanos, europeus e brasileiros das gerações mais recentes como Chico Cesar e Zeca Baleiro. Foi um divulgador do movimento manguebeat, de Chico Science e o Nação Zumbi. E considera que as imposições estéticas do imperialismo cultural americano e a falta de divulgação por parte dos veículos de comunicação de massa ainda dificultam o surgimento de novos artistas no país.

Com 28 álbuns lançados, Alceu Valença surgiu para o grande público na apresentação ao vivo no 7º Festival Internacional da Canção – tido como o último dos grandes –, com Papagaio do Futuro.

Era 1972, o clima de ebulição dos episódios anteriores não era mais tolerado pela ditadura, a Globo cedia a todas as pressões e as caras começaram a mudar. Despontavam nomes como Belchior, Ednardo, Fagner, Walter Franco, Raul Seixas, Sérgio Sampaio. A fase nacional foi vencida por Fio Maravilha (de Jorge Ben, com Maria Alcina), e Diálogo, samba de Baden Powel e Paulo César Pinheiro.

Alceu não figurou entre os primeiros, mas levantou a plateia ao se apresentar na companhia de Geraldo Azevedo e Jackson do Pandeiro. “Estou montado no futuro indicativo/ Já não corro mais perigo/ Nada tenho a declarar/ Terno de vidro costurado a parafuso/ Papagaio do futuro/ Num para-raio ao luar.../ Eu fumo e tusso/ Fumaça de gasolina/ Olha que eu fumo e tusso/ É fumaça de gasolina.”

Nos anos 1980 emplacou um clássico que fez história, o disco Cavalo de Pau, e nos anos 1990 outro, O Grande Encontro, na companhia de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Elba Ramalho.

Alceu é um entusiasta dos Pontos de Cultura, programa criado pelo Ministério da Cultura em 2005 que, por meio de convênios, fortalece iniciativas artísticas desenvolvidas pela sociedade civil nas comunidades. Atualmente, existem mais de 650 deles espalhados pelo país: “Esse projeto favorece realmente os mais carentes, mas a barreira ainda está na mídia, na imprensa. Precisamos aprofundar a discussão e a divulgação da cultura brasileira, que têm de ser em escala bem maior”, disse numa entrevista.

Em seu blog, o músico expressou assim a percepção de mudanças que vêm acontecendo no país: “Desde o início da minha carreira, botei o pé na estrada, me doía ver a miséria berrante da maior parte de nossa gente, quase sempre negros, caboclos, quase sempre nordestinos. Mês passado, ao viajar, em busca de locações para a Luneta do Tempo, pelo interior do agreste de Pernambuco (São Bento, Pesqueira, Alagoinha, Cimbres), me comovi vendo que os lugares por onde passei estão caminhando para um nível de vida mais digno. As cidades estão mais limpas, as casas bem pintadas, as praças ajardinadas, o povo mais feliz. Tenho consciência que precisamos avançar muito mais, sobretudo, na educação e na saúde. Cada vez mais acredito no Brasil e em nossa gente”.

E a esperança e a alegria que marcam sua poesia e sua música parecem continuar firmes na sua forma de pensar e ver o Brasil: “Demorou, mas chegou. Um novo tempo. Conseguimos resistir, por décadas, a toda sorte de colonialismo, intempéries sociais, econômicas e políticas. Saímos fortalecidos, mais maduros, sabendo, inclusive, que o processo está no início e que, portanto, precisamos continuar trilhando esse novo caminho. Não precisamos mais seguir a cartilha de ninguém. Agora negociamos com países africanos, árabes, europeus e asiáticos sem tutor e sem chancela de ninguém. Alegria, minha gente, alegria...”


Fonte: Rede Brasil Atual

LUIZ FELIPE PONDÉ

FSP 26/07

Do ponto de vista da pedra

Eu sei que podem me achar excessivamente cético, mas só acredito em Deus e na alma. Em mais nada

NUMA MADRUGADA, afundo em cigarros e insônia. Na TV a cabo, cenas de um filme chinês, "2046 - Os Segredos do Amor", fotografia de cores fortes, músicas incomuns, mulheres lindas, ancas deliciosas que sobem e descem escadas e se arrastam entre os lençóis. O filme não deixa de ser uma ode a esse antigo vício que muitos de nós, homens, temos: a paixão pelas mulheres e a mistura de afetos que as atormenta, a beleza insustentável, a forma infiel do corpo, o tédio incurável.
Uma chinesa se apaixona por um japonês. Seu pai a proíbe de amar o japonês, afinal o ódio aos horrores da guerra causados pelos japoneses justifica sua fala. O ano é 1967.
Ele volta para o Japão. Ela enlouquece, adoece, é internada. Põe-se a falar sozinha, definha sob a opressão da saudade. Vaga pelo quarto abraçando sombras.
E, aí, o filme me ganha definitivamente. Sim, eu sei que pessoas saudáveis não sofrem assim. Mas, em minha obsessão pelos que morrem de amor, não consigo admirar quem resolve bem a vida. Tenho certa paixão por quem fracassa no combate ao afeto. Certamente, tenho algum trauma primitivo, daqueles que fundam nossa personalidade despertando nossa alma.
Tem gente por aí que se julga inteligente porque não acredita na existência da alma -pobres diabos. Eu sei que podem me achar excessivamente cético, mas eu só acredito em Deus e na alma. Em mais nada. Eu, aliás, confio mais em almas penadas. Que assustam os sonhos à noite. Sim, eu sei. Melhor aqueles que tomam remédios, fazem terapias objetivas, meditam 15 minutos diariamente e viram budistas. Mas eu me encanto facilmente por gente que, como essa heroína chinesa, adoece de amor.
Vagando pela casa tentando relembrar cada palavra dita, cada cheiro, cada silêncio, cada gosto na boca, o toque da língua, a saliva, escorrendo a mão pelos seios, numa dança doce e macabra de acasalamento. Sozinha, beijando as paredes. O rosto coberto de lágrimas, os olhos vidrados, a boca salgada, a voz rouca de tanto gritar sozinha para os céus.
A incompreensão de todos à sua volta por tamanha incapacidade de se tornar indiferente ao amor morto. Sentir-se como uma folha esmagada contra o chão, elevada pelo vento, seca de tanto afeto, evocando a misericórdia dos deuses, eis minha fenomenologia do amor.
Lembro-me do conto de Edgar Allan Poe "A Queda da Casa de Usher". Não me esqueço da doença que afeta o irmão e a irmã Usher. O talento monstruoso do melancólico Poe esmaga o leitor de sensibilidade diante da morbidez do amor impuro entre os irmãos Usher, fundando uma cumplicidade de segredos na distância entre os séculos.
A degeneração mortal dos irmãos se materializa numa sensibilidade insuportável para com os detalhes concretos da existência física. As roupas pesam na pele, os sons das palavras faladas em voz baixa rasgam os ouvidos, o paladar da língua é ferido pelo gosto sem gosto do alimento, a claridade de um dia sombrio ofusca a pupila infeliz diante do peso da luz, o ruído das relações humanas tortura o lento passar das horas, até as pedras das paredes da casa de Usher são agonia.
Miseráveis irmãos buscam a nudez, o silêncio, a fome, a escuridão, a solidão como cura. A vida, pouco a pouco, se torna morte, buscando o impossível repouso na ânsia de se fazer também pedra.
Amar é estar impregnado de uma presença, como o acúmulo dos anos se torna limo entre as pedras. Como uma forma de infecção invisível que une corpo e alma no desejo.
Sim, eu sei que se trata de um modo ruim de viver. Devemos fazer o culto da vida saudável. Mas não consigo. Encanta-me a personagem que perde a batalha contra si mesma como minha chinesa insone.
Morbidez? Pouco importa. Fôssemos apenas um bando de mamíferos alegres, ao longo de nossos milhares de anos de existência, não sobreviveríamos. A dor é que nos adapta ao ambiente hostil.
O "direito à felicidade" é a nossa grande falácia: hoje somos superficiais até do ponto de vista das pedras. Já Tocqueville, no século 19, temia que a "mania da felicidade" tornasse todos nós os tolos do futuro. Amém.

%%%%%%%%%%%%%%

livro
O conquistador de palavras
CORREIOWEB 26/07

Dicionário Analógico da Língua Portuguesa, elaborado por Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, ganha nova edição, com prefácio de Chico Buarque de Holanda

Ninguém que tenha em mão o Dicionário Analógico da Língua Portuguesa poderá dizer que está sem palavras. O falante e/ou escrevente não vai mais se sentir tentando capturar um grão de areia no ar, mas só até aprender a consultar a obra de ideias afins relançada pela editora Lexikon 60 anos depois da primeira edição. Esse gênero de dicionário não oferece o sentido da palavra, função que cabe ao dicionário de significados (Houaiss, Aurélio, Caldas Aulete). A tarefa dele é socorrer o usuário quando ele quer dizer alguma coisa e… a palavra, fugidia, lhe escapa. Ou quando a que encontra não é exatamente a que procura; ou quando quer dizer de outro modo aquilo que já foi dito; ou quando procura uma imagem diferente para não cair no clichê, ou quando, como faz Chico Buarque de Holanda, quer aprender palavras bonitas para embasbacar as moças e esmagar os rivais (veja nesta página).

O filho de Sergio Buarque de Holanda é a estrela máxima que apresenta o Dicionário, com um texto delicioso, mas, para quem vive no Distrito Federal, o dicionário tem um interesse extra: o autor, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, é goiano da Cidade de Goiás. E, mais que isso, é um personagem e tanto pelos seus inacreditáveis feitos numa capital escondida entre serras e por seu temperamento distraído que fez dele personagem de causos que, mais de 50 anos depois de sua morte, estão sendo reunidos em livro, a ser lançado pelo biblioteconomista José Rincon Ferreira, neto do autor, a partir de anotações de José Sisenando Jaime. História como aquela em que ele, como de hábito, entrou na barbearia e esperou muito tempo para ser atendido até que uma moça bonita se aproximou e ele informou que estava esperando o barbeiro. Soube então que a casa não abrigava mais tesouras, navalhas e espumas de barbear. Era um prostíbulo.

O professor Ferreira ou o professor Ferreirão, como era conhecido, viveu toda a vida num casarão colonial do século 19 na cidade de Goiás. Quando estava grávida do primeiro filho, a mãe dele ficou viúva e teve de criar o garoto fazendo e vendendo doces. Dona Ritoca parecia ter uma noção do mundo para além dos limites da Serra Dourada. Mandou o filho de 17 anos estudar em Ouro Preto. Francisco voltou formado em agronomia, mas os interesses do jovem recém-formado eram muito mais amplos. “Ele era um homem do renascimento, um sujeito extraordinário para seu tempo e para o nosso tempo”, diz a neta Ana Maria Vicentini, psicanalista que já morou em Brasília e hoje vive em São Paulo.

Anuário Histórico
Nos seus 77 anos vividos, Ferreirão foi engenheiro do serviço público, professor do Liceu de Goiás, jornalista, gramático, cronista, ensaísta, autor de várias obras, entre as quais o Anuário Histórico, Geográfico e Descritivo do Estado e do Dicionário Analógico, que só foi publicado em 1950, oito anos depois de sua morte, graças ao interesse de um filólogo, o carioca Antenor Nascentes (1886/1972) que obteve da família as fichas com as anotações de Ferreira e providenciou a edição. Quem possuía e ainda possui a primeira edição do Dicionário Analógico era dono de uma obra rara e esgotada. A segunda edição só pode ser impressa depois de uma longa e vagarosa peleja judicial entre os herdeiros do autor e a editora Coordenada, de Brasília, que detinha os direitos de publicação.

Superada essa fase, a Lexicon Editora Digital, especializada em dicionários, comprou o direito de publicação da obra. Foram dois anos destinados a retirar perto de 20% das palavras ou termos já não utilizados pelos falantes da língua portuguesa, em especial alguns galicismos. E a inclusão de novos léxicos. A edição ficou com 764 páginas. Agora, a editora prepara o lançamento de uma versão on-line, para ser consultada gratuitamente e com permissão para colaboração de leitores. (Prática que a editora já adota no Aulete Digital (

Responsável pela atualização do dicionário e editor de obras de referências da Lexicon, Paulo Geiger explica que o uso de dicionário analógico é uma tradição das línguas anglo-saxônicas. Para fabricar o seu dicionário, o professor Ferreira usou como base a primeira obra do gênero publicada no Brasil, em 1936, do padre Carlos Spitzer. Mas a inspiração veio dos thesaurus (dicionário de ideias afins) de língua inglesa, modelo criado pelo lexicógrafo britânico Peter Mark Roget (1779/1869). A primeira tiragem do Dicionário Analógico sumiu das prateleiras em uma semana. “A segunda está no mesmo caminho”, diz Paulo Geiger. Já foram vendidos 10 mil exemplares, número razoável em se tratando de dicionário.

Trecho
Os dicionários de meu pai

Francisco Buarque de Hollanda

Pouco antes de morrer, meu pai me chamou ao escritório e me entregou um livro de capa preta que eu nunca havia visto. Era o dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Ficava quase escondido, perto dos cinco grandes volumes do dicionário Caldas Aulete, entre outros livros de consulta que papai mantinha ao alcance da mão numa estante giratória. Isso pode te servir, foi mais ou menos o que ele então me disse, no seu falar meio grunhido.

Era como se ele, cansado, me passasse um bastão que de alguma forma eu deveria levar adiante. E por um bom tempo aquele livro me ajudou no acabamento de romances e letras de canções, sem falar das horas em que eu o folheava à toa: o amor aos dicionários, para o sérvio Milorad Pavic, autor de romances-enciclopédias, é um traço infantil no caráter de um homem adulto.

Palavra puxa palavra, e escarafunchar o dicionário analógico foi virando para mim um passatempo (desenfado, espairecimento, entretém, solaz, recreio, filistria). O resultado é que o livro, herdado já em estado precário, começou a se esfarelar em meus dedos. Encostei-o na estante das relíquias ao descobrir, num sebo atrás da Sala Cecília Meireles, o mesmo dicionário em encadernação de percalina. Por dentro estava em boas condições, apesar de algumas manchas amareladas, e de trazer na folha de rosto a palavra anauê, escrita à caneta-tinteiro.

Com esse livro escrevi novas canções e romances, decifrei enigmas, fechei muitas palavras cruzadas. E ao vê-lo dar sinais de fadiga, saí de sebo em sebo pelo Rio de Janeiro para me garantir um dicionário analógico de reserva. Encontrei dois, mas não me dei por satisfeito, fiquei viciado no negócio. Dei de vasculhar livrarias país afora, só em São Paulo adquiri meia dúzia de exemplares, e ainda arrematei o último à venda na Amazon.com antes que algum aventureiro o fizesse.

Eu já imaginava deter o monopólio (açambarcamento, exclusividade, hegemonia, senhorio, império) de dicionários analógicos da língua portuguesa, não fosse pelo senhor João Ubaldo Ribeiro, que ao que me consta também tem um, quiçá carcomido pelas traças (brocas, carunchos, gusanos, cupins, térmitas, cáries, lagartas-rosadas, gafanhotos, bichos-carpinteiros). A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com o que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais.

Hoje sou surpreendido pelo anúncio desta nova edição do dicionário analógico de Francisco Ferreira dos Santos Azevedo. Sinto como se invadissem minha propriedade, revirassem meus baús, espalhassem aos ventos meu tesouro. Trata-se para mim de uma terrível (funesta, nefasta, macabra, atroz, abominável, dilacerante, miseranda) notícia.

Dicionário Analógico da Língua Portuguesa

2ª edição atualizada e revista, Francisco Ferreira dos Santos Azevedo, 764 páginas, editora Lexicon, R$ 70.
Blog sobre o professor Ferreira: http://franciscoferreiradossantosazevedo.blogspot.com/

domingo, 25 de julho de 2010

FERREIRA GULLAR

Fsp 25/07

No curso das últimas décadas, muitos jornais do Rio que fizeram história pararam de circular


A PRIMEIRA VEZ que entrei numa redação de jornal foi em São Luís do Maranhão. O jornal era "O Combate", cujo redator-chefe chamava-se Erasmo Dias, famoso por seus editoriais implacáveis. Fui até lá levado pelo poeta Manoel Sobrinho, o primeiro que conheci na vida, quando estava certo de que todos os poetas já haviam morrido, tal como os que lia na "Gramática Expositiva", de Eduardo Carlos Pereira.
Erasmo estava sentado numa sala pequena e escura, que mais parecia um buraco, e comia o almoço, ali mesmo, numa marmita, sobre sua mesa de trabalho. Manoel Sobrinho me apresentou a ele e pediu-me que lhe entregasse o soneto que trazia no bolso e que assinalaria minha estreia na literatura universal. De boca cheia, Erasmo garantiu que o publicaria no dia seguinte -e o publicou. Intitulava-se "O Trabalho", se não me engano. Saí um tanto desapontado com o ambiente daquela redação e com o jornalista.
As redações que conheci depois causaram-me melhor impressão, mesmo as outras de São Luís. Alguns anos depois, já no Rio, passaria de visitante a empregado. Deixo de lado as redações de "O Cruzeiro" e "Manchete", que eram revistas semanais, para referir-me às do "Diário Carioca", do "Jornal do Brasil", do "Diário de Notícias", porque as redações de jornal eram diferentes das das revistas. Sabem por quê? É que estas funcionavam (e ainda funcionam) de dia, enquanto as dos jornais funcionavam à noite.
Pelo menos nos que trabalhei, jornais matutinos que chegavam às bancas de manhã cedo, enquanto os vespertinos eram distribuídos depois do almoço. Mais tarde, viraram todos matutinos, como era inevitável que ocorresse, já que poucas notícias novas traziam em comparação com os concorrentes.
Mas, como disse, estes eram feitos basicamente à noite, às vezes entrando pela madrugada. O trabalho para valer iniciava-se por volta das seis da tarde, quando acabava o expediente das repartições públicas e as pessoas se recolhiam às suas casas. A cidade parava e o que acontecia, a partir daí, eram fatos ocasionais, como um crime ou um furo político.
Assim que o ambiente dessas redações era excitante e, em alguns casos, divertido, como o da redação do "Diário Carioca", de que já falei em outra ocasião. O espírito brincalhão, que ali imperava, era provavelmente reflexo do bom humor de seu redator -chefe, Pompeu de Souza, que induzia redatores e repórteres a explorar o lado pitoresco ou engraçado das notícias.
Desse espírito compartilhava Luiz Paulistano, o chefe de reportagem, que certa vez dedicou uma série de matérias a um gavião que devorava pombos nas torres da Igreja da Candelária, situada perto donde funcionava o jornal.
Esse espírito gozador e irreverente afinava comigo e, assim, quando fui para o "Jornal do Brasil", em 1958, ao iniciar-se a sua famosa reforma, levei-o comigo e logo tratei de pô-lo em prática, para desagrado do seu editor-chefe, que queria um jornal sério.
Mas outros companheiros, vindos daquela mesma redação brincalhona, terminaram por impô-lo no velho matutino que então renascia: "Moeda de Miss é beijo", "Descoberta a causa da falta de água no Rio: Macacos", "Detectado o vírus da icterícia: é redondo"...
Àquela altura, o "Diário Carioca" já fazia água, mal conseguia pagar os salários dos empregados. Levou 30 anos para fechar as portas, mas fechou-as. Jornais custam a morrer. O "Jornal do Brasil", em consequência da reforma que fez dele o mais moderno jornal brasileiro da época, conheceu longo período de prestígio, o que lhe aumentou a tiragem e os anunciantes.
No curso das últimas décadas, muitos jornais do Rio -alguns que fizeram história- pararam de circular. O "Jornal do Brasil" entrou em crise já faz tempo, tendo se mantido graças a acordos com políticos e empresários, que dele se valeram para incrementar seus próprios projetos. Ou porque pretendiam apenas se servir dele mais do que salvá-lo, ou porque, quando um jornal começa a morrer, não há quem o salve, a verdade é que sua morte foi recentemente anunciada.
Melhor assim do que vê-lo circulando, como vinha, destituído de todas as qualidades que fizeram dele um grande jornal.

$$$$$$$$$$

GILBERTO DIMENSTEIN

A melhor notícia da sucessão presidencial

FSP 25/07

Em começo de campanha, promessas dos candidatos mostram que sabem para onde vento está soprando

HÁ PERSISTENTES rumores de que determinadas escolas particulares, espalhadas pelo Brasil, estariam fazendo uma seleção de seus melhores alunos para prestar as provas do Enem, influenciando no resultado. As suspeitas sobre o truque fazem sentido do ponto de vista comercial.
A boa pontuação aparece na imprensa como sinônimo de porta de entrada para as melhores faculdades e, depois, para os mais cobiçados empregos. Isso se traduz em valor da mensalidade. Há casais que fazem reserva de matrícula antes mesmo de terem filhos. Há pais que preparam as crianças para os futuros -e estressantes- vestibulinhos.
O grupo Objetivo, por exemplo, viu-se obrigado a explicar, na semana passada, quando foi divulgada a lista do Enem, que não tinha como meta brilhar no "ranking" ao criar uma escola destinada aos seus melhores alunos, que lhes oferece prêmios de acordo com o desempenho em simulados. Se tivesse garantido a tempo o registro, fazendo valerem as notas, a "nova escola" estaria entre as cinco melhores instituições de ensino do Brasil.
Há, nesse debate, um desconhecimento sobre como aferir a qualidade de uma escola. Mas há também a melhor notícia da sucessão presidencial e aí basta analisar as principais promessas dos candidatos.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


O desconhecimento é baseado no fato de que boa parte (fala-se em até 70%) do desempenho de um estudante é resultado de fatores externos à sala de aula. Deve-se em geral às suas habilidades naturais -a inteligência, a disciplina e a força de vontade, por exemplo- combinadas com o "background" familiar.
Daí se pode avaliar como o "ranking" é impreciso. As melhores instituições têm mais recursos e tendem a atrair as famílias que têm mais dinheiro e são mais atentas à educação dos filhos. Resta saber se tudo isso vai gerar os melhores profissionais, já que o mercado de trabalho tem suas regras próprias de seleção.
Algumas escolas de elite criaram um índice, com a ajuda do Datafolha, para saber se seus ex-alunos estão empregados e quanto ganham muito tempo depois de formados.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


Independentemente da imprecisão, os indicadores criaram transparência e uma saudável competição, levando as instituições particulares a investir em qualidade, o que envolve cifras bilionárias. Depois da compra do Anglo pela Abril, a Pearson, dona do "Financial Times", arrematou, na semana passada, por R$ 900 milhões, o grupo COC.
A competição começa a aparecer no setor público -não só entre governos mas também entre escolas. A melhor notícia da sucessão presidencial até agora é que, neste início de campanha, as principais promessas dos candidatos presidenciais estão ligadas ao ensino. É um óbvio sinal de que eles sabem para onde está soprando o vento.
Na semana passada, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgou que as mulheres são a maioria do eleitorado. E as pesquisas informam que elas dão mais atenção à educação do que os homens, fenômeno especialmente visível na classe C, em que elas vêm ocupando mais posições como chefe de família e abocanhando melhores empregos.
São vários os trabalhos que mostram que, ao entrar no ensino médio, a mulher postergou a gravidez.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


Na semana passada, o IBGE informou que o índice de desemprego está em 7%. Seria bem maior se os jovens não estivessem retardando a entrada no mercado de trabalho para ficar mais tempo na sala de aula. Estima-se que, sem isso, o indicador já estivesse acima de 10%. É uma tendência que se acentuará com a aprovação da obrigatoriedade de ir à escola até os 17 anos de idade.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


São sinais inequívocos de que estamos deixando para trás, embora lentamente, o pior dos dados divulgados na semana passada pelo TSE: 1 em cada 5 brasileiros (27 milhões) não foi à escola ou é analfabeto. Computando os analfabetos funcionais, gente que não entende um texto com um mínimo de complexidade, chegaríamos, pelo menos, à metade do eleitorado.
De acordo com o TSE, o país ainda tem mais eleitores analfabetos do que formados numa faculdade.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


PS- Vale a pena ler o documento elaborado pelo Movimento Nossa São Paulo, divulgado na semana passada, em que são relatadas experiências bem-sucedidas de melhoria da qualidade de vida a partir das cidades. Verdadeiro manual de soluções inovadoras, dedica um capítulo às escolas. Veja, na íntegra, em www.dimenstein.com.br.

$$$$$$

A luz de Clara

CORREIOWEB 25/07

A história da mulher que mudou o rumo da própria vida, transgrediu normas, odeia preconceitos e seguiu a sua intuição. Aos 85 anos, quando a ribalta se acende, ela vira tantas outras, igualmente libertárias. Ainda chora, ri, encanta e renasce.

Eram 11h. Quando o portão dos fundos da casa simpática, sem ostentação alguma ou piso superior (paisagem comum naquela região), na 712 Sul, se abriu, ela disparou, às gargalhadas: “Se vocês não chegassem agora, eu iria me encontrar com meu namorado”. E nos manda entrar, segurando o chapéu elegante que a embelezou. Na sala, fotos de uma vida passada, presente sempre. Retratos em que ela vira outra pessoa. Vida que ri, chora, representa e renasce. Vida real. A dona da casa nos convida a sentar. E conversa como se fôssemos amigos de longa data. Conta a vida como se escrevesse um conto. É bom ouvi-la. É boa a sonoridade da sua voz. Faz bem vê-la, de qualquer forma. Até quando ela nem é ela.

A dona da casa se chama Clarestina Maria de Jesus. É mineira, um pouco goiana e candanga — de verdade e essência. Muito antes de a cidade de linhas retas existir, ela já estava por aqui, driblando a poeira e a incerteza vermelha do barro do Planalto Central. Era 1957 quando Clarestina decidiu que Brasília seria seu porto seguro. “Eu amo esta cidade. Foi a melhor escolha da minha vida”, ela se derrete, 53 anos depois.

A filha caçula do marceneiro Francisco e da dona de casa Maria Rita nasceu para brilhar. Mas a menina de Bambuí, lá nas Minas Gerais, só descobriu isso há pouco mais de duas décadas. Faz mal não. Não se conta o tempo quando se trata de Clarestina. “Me chamam de louca. Eu me amo por ser louca e não tenho limites. Nem meu pensamento”, avisa ela, logo nos primeiros minutos de conversa.

De fato. Clarestina está além do seu tempo. Sempre esteve. “Só fui feliz com meus amantes. Nem a rainha da Inglaterra teve tanta felicidade no amor como eu”, diz a mulher que se casou três vezes (“nenhum deles me fez feliz”), teve três filhos e amou com força de leoa. Ah, sim, Clarestina tem 85 anos. Por extenso: oitenta e cinco. Sim, não há equívoco. “Mas, sinceramente, me sinto com cabeça de 40 anos”, diz, sem pudores.

Do primeiro casamento, em Goiânia, nasceram suas duas filhas mais velhas. “Um dia, ele (o marido) quis me bater. Eu não deixei barato. Arrumei a mala, saí de casa, levei minhas duas filhas — uma doente (nasceu com problemas físicos e neurológicos) e a outra recém-nascida.” Clarestina contava 25 anos.

Tempos depois, arrumou o segundo marido. Mudaram-se para o sonho que seria Brasília. “Ele era funcionário da Caixa Econômica Federal”, diz. No primeiro ano, a família viveu no Núcleo Bandeirante. Depois, foram para a 712 Sul, endereço onde está há 53 anos. Veio o terceiro e último filho. Novamente a separação. E o terceiro marido, um militar pernambucano que servia em Brasília, mais jovem que ela nove anos. “Ele era ciumento demais. Tinha ciúme do ar que batia na minha perna. Não aguentei aquilo. Pedi para ele ir embora. Ele me ameaçou, falou até em me matar, mas consegui me livrar dele...”

Depois dos três maridos, Clarestina decidiu que não levaria mais nenhum homem para sua casa. “Como se diz hoje, só fiquei. Tive muitos amantes. E eles me fizeram a mulher mais realizada do mundo. Até na Prainha namorei. O último, que foi há muitos anos, uma noite me levou para a Prainha e me disse: ‘Aqui, meu amor, você pode gemer à vontade’. Ah, meu filho, fui muito amada e dei muito amor...”

Uma estrela
A vida de Clarestina seguiu. Criou seus dois filhos — uma menina e um menino. A filha mais velha, que nasceu com problemas, morreu ainda em Goiânia, aos 2 anos. A menina e o menino cresceram. Tiveram seus filhos. A mulher que nasceu para brilhar assistiu à chegada dos netos e dos bisnetos. “Minha bisneta mais velha tem 15 anos”, diz, orgulhosa da descendência.

A casa simples na 712 Sul ficou grande. Os espaços, enormes. Clarestina decidiu que era hora de fazer alguma coisa. Lendo jornal, descobriu uma oficina de teatro para pessoas de sua idade. “Odeio quando as pessoas usam a expressão terceira idade. É pejorativo. Tudo que é de terceira não presta. Prefiro idoso, é mais direto. Mais real”, ralha.

Clarestina contava 60 anos. “Fui lá. Era no Teatro Mapa’ti. Gostei do que vi.” Ali, ela se descobriu. Encantou-se com o palco. Encenou peças. Descobriu-se atriz. Há 10 anos, participa ativamente do grupo Viva a Vida, do diretor Tullio Guimarães. Ensaia no Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul. Virou, definitivamente, Clara Luz, nome que adotou artisticamente. Ninguém nunca mais a chamou de Clarestina.

Clara Luz estrelou dezenas de peças. Participou de filmes. Fez comerciais para televisão. Ganhou medalhas, certificados. E vive, com a aposentadoria do INSS de um salário mínimo, a ajuda dos dois filhos e a intensidade de adolescente feliz. “O teatro é uma faculdade de educação. É um desafio de vida. Ali você acaba com todos os seus preconceitos.” E revela: “Hoje, me libertei de todos eles (preconceitos). Odeio quem possa ter, seja ele qual for, por qualquer motivo. Preconceito é ignorância. Não entendo como alguém pode discriminar o outro”.

A mulher de 85 anos foi criada no catolicismo, mas conta que, hoje, sua religião é “a energia com Deus”. E acrescenta: “E com minha consciência também. É ela que me dá tranquilidade para chegar à compreensão de Deus”.

Planos? “A estreia da próxima peça, Vira virou, em setembro, no Teatro Dulcina”. Do que se trata? “É um texto bem bonito, de Maurício Witczak, que fala de uma mulher que não desiste do teatro. Faço a Leonora. No começo da história, ela diz à filha: ‘Não é assim que funciona a linha do tempo de um artista. É como um novelo de lã... O problema é que não consigo achar a ponta. Mas ela está aqui, no meio dessa madeira carcomida, desse cheiro de lembrança quase morta.. Nós tínhamos que ter estreado o espetáculo naquela virada do ano. Tudo teria sido diferente...” A lucidez de Clara é impressionante. E comove.

Viva em êxtase
Passava das 13h. Clara Luz precisava almoçar. A equipe do Correio a convidou para ir ao Beirute, na 109 Sul, reduto de sua gente — atores, formadores de opinião, intelectuais, gente que há muito não se importa mais com o que a mesa ao lado pensa. Ela prontamente aceitou. Colocou os óculos escuros, o chapéu, a bengala que lhe dá charme e partiu. Parecia adolescente.

Indago se ela deseja tomar suco de laranja. Clara Luz vira-se para o garçom e pergunta: “Você tem cerveja preta? Se tiver, aceito uma pequena”. Comeu quibe com nata, charuto e tomou sua cervejinha. Deliciou-se. Sentiu-se em casa. “Esse lugar é sensacional. Há tempos não vinha aqui. O quibe daqui não existe em lugar nenhum da cidade.” E riu, como menina-moça que faz travessuras longe dos pais.

A prosa, meio mineira, meio goiana, muito candanga, continuou. Clara Luz contou sobre suas viagens para o exterior. As vezes em que andou de navio na costa brasileira. Falou sobre política: “Sempre votei, mas desta vez não tô nada animada. Nem com os políticos, muito menos com a população, que não reage a nada, aceita essa safadeza toda”.

Discursou sobre a morte. “Sou a favor da eutanásia, mas o Brasil ainda não aceita. Pra que insistir quando alguém já não tem mais chance, só vegeta? Deixei um documento pronto onde autorizo que desliguem meus aparelhos e me cremem, aliás, o crematório já tá pago. Esse negócio de enterrar é um horror. A terra nos dá vida, alimento e a gente devolve pra ela a p... de um corpo podre...”

Despiu-se do falso moralismo: “Não sou santa, não. Quando tenho que mandar alguém para a PQP, mando mesmo...” Falou de amor: “Não, meu filho, encerrei a conta. Amei muito. Agora, só a vida e o teatro”. E fez uma revelação emocionada: “Tenho plena consciência dos meus 85 anos, mas não consigo conviver com as pessoas da minha idade. O papo é sobre idas ao médico e doença. Eu vou, sou hipertensa e diabética, mas me cuido e não falo só disso. Falo de vida. Pra que armazenar o que é ruim?”.

Essa é Clarestina Maria de Jesus. Ou seria apenas Clara Luz? Seja quem for, essa é uma mulher que ousou, rompeu, apostou, transgrediu. Chorou, riu, amou. Ainda transgride, ama, ri (“chorei o suficiente pra nunca mais ter que chorar, só no palco”) e vive como se hoje fosse para sempre. Clara é luz. É a luz de Clara, uma mulher incrivelmente arrebatadora.

Aplausos! Sempre.

-

TURISMO
Cidade-patrimônio atrai pelos negócios

CORREIOWEB 25/07

Pesquisa inédita do CET da Universidade de Brasília revela que os compromissos profissionais atraem 60% dos visitantes, que não ficam mais do que dois dias na capital da República

Turistas não faltam em Brasília. De segunda a segunda, eles estão espalhados pelos principais atrativos do Plano Piloto de Lucio Costa e Oscar Niemeyer. Tiram bastante fotos, gostam da cidade, acham tudo muito bonito e até voltam algumas vezes. Mas quase sempre para pernoitar. A capital do país não consegue segurar os visitantes por mais de dois dias. O Correio divulga, com exclusividade, pesquisa inédita com o perfil do turista do Distrito Federal. Os dados são do livro Impacto do turismo na economia do DF, que será lançado na próxima quarta-feira.

Os números confirmam a tese de que Brasília atrai particularmente turistas de negócios. Quase 60% dos que visitam a capital federal justificam a viagem com reuniões de trabalho ou participação em convenções. Quando o intuito é lazer, o percentual não chega a 7%. De férias ou não, pouco mais de 70% dos turistas ficam, no máximo, dois dias em Brasília. Os que chegam de avião são maioria. Mas ainda há muitos que vêm à cidade de carro. A recepção dos estrangeiros se revela incipiente — visitantes de outros países representam 3,4% do total.

Para traçar o perfil geral do turista, pesquisadores do Centro de Excelência em Turismo (CET) da Universidade de Brasília (UnB) que organizaram o livro usaram informações de uma amostra de 5.070 fichas de hospedagem distribuídas em hotéis da cidade em 2007. Foram aproveitados também números tabulados pelo Sistema de Informações Hoteleiras para o Turismo (Sihtur), coletados um ano mais tarde. Como não existe um banco de dados abastecido com frequência, a pesquisa a ser divulgada por meio do livro esta semana é o que há de mais atualizado e próximo da realidade.

O quadro feito pelo Correio com as principais informações do turista de Brasília traz uma média dos percentuais obtidos em 2007 e 2008. São Paulo e Rio de Janeiro lideram o ranking do estado de origem dos visitantes, seguidos de Minas Gerais e do vizinho Goiás. O próprio DF surge entre os cinco principais emissores, o que se explica, em parte, pelas promoções lançadas por hotéis da cidade para atrair clientes locais em fins de semana e feriados. Em 2007, os brasilienses só não foram hóspedes mais assíduos do que os paulistas.

Carência
A elaboração do livro com os dados inéditos levou dois anos. Diante da carência de informações sobre o turismo no DF, a extinta Empresa Brasiliense de Turismo (Brasiliatur) encomendou a pesquisa ao CET da UnB. “Tiramos leite de pedra. O que havia, até então, eram números dispersos, soltos”, conta a coordenadora do Núcleo de Economia do Turismo do CET e uma das organizadoras do livro, Maria de Lourdes Rollemberg Mollo. Segundo ela, a obra será útil para os governantes e para a sociedade. “A divulgação é o primeiro passo para se discutir e aprofundar o tema”, defende.

Para chegar ao perfil detalhado dos turistas de negócios e os de lazer, os pesquisadores foram a campo e validaram 1.906 relatórios preenchidos por visitantes nos principais pontos turísticos de Brasília. A Catedral é o lugar preferido pelos dois grupos. Em segundo lugar, aparece a Torre de TV, para quem está de férias, e os shopping centers, entre os executivos. “Sabendo do que o turista gosta e do que não gosta, governo e a iniciativa privada podem tomar decisões mais seguras. Essa é a importância dos dados”, comenta a professora Maria de Lourdes.

Os turistas de negócios são, geralmente, homens casados, vêm de São Paulo, têm entre 31 e 45 anos, ganham entre R$ 4,5 mil e R$ 9 mil e são concursados. As viagens costumam ser programadas pelo lugar onde trabalham. Chegam de avião, sozinhos, e se locomovem de táxi na cidade. Aparecem uma vez por ano e não passam mais do que três dias hospedados, quase sempre em hotéis ou flats. Por dia, gastam entre R$ 101 e R$ 300. Apenas um em cada quatro visitantes desse grupo vai a alguma cidade-satélite durante a estadia. A maioria recomenda Brasília, mas não pretende retornar.

Do lado de quem decide conhecer a capital do país a lazer, os mineiros são maioria. São homens e mulheres, entre 31 e 45 anos, que atuam em empresas privadas e têm uma renda inferior à dos turistas de negócios: entre R$ 901 e R$ 2.250. Mesmo assim, gastam na viagem a mesma quantia que os executivos. Montam os próprios pacotes, chegam de avião, mas percorrem a cidade de ônibus ou metrô. Também não passam mais de três dias, porém vão mais às cidades-satélites. Ao fim da estadia na casa de parentes ou amigos, recomendam o passeio e dizem que pretendem voltar.


LANÇAMENTO
O livro Impacto do turismo na economia do DF, organizado pelo Centro de Excelência em Turismo (CET) da UnB, será lançado pela Editora Senac na próxima quarta-feira, às 18h30, no Café Cultural da Caixa (Setor Bancário Sul, Q. 4). O exemplar será vendido a R$ 55.

%%%

Indicado para qualquer idade

CORREIOWEB 25/07

Foi-se o tempo em que cargos de chefia exigiam anos de experiência. O espírito empreendedor toma conta do mercado, fazendo surgir líderes cada vez mais jovens

Encontrar, na sociedade, jovens que já conquistaram o seu primeiro milhão não é raro. Seja por meio da internet ou de ideias inovadoras, o perfil desses meninos e meninas de 19, 20 anos se desenvolve de uma forma acelerada a cada dia. No mercado de trabalho, se 10 anos atrás eles eram os aprendizes e ainda sugavam conhecimentos dos mais velhos, hoje, eles são chefes de seções e até de departamentos. Uma prática nociva à adolescência ou ao futuro dos jovens profissionais? Segundo especialistas entrevistados pelo Correio, não.

De acordo com a coach e consultora do Instituto EcoSocial Meiri Inoue, as empresas estão com o foco na inovação e os jovens têm olhares diferentes, conseguem vislumbrar o que as pessoas desejam comprar, o que a sociedade quer em produtos diferenciados. “É uma necessidade de hoje e do futuro que a gente tenha mais lideranças capazes. Muitas pessoas nascem com habilidades e geralmente as aperfeiçoam pelo exercício delas. Quanto mais esse jovem com perfil de líder se expor, melhor ele será formado”, afirma a especialista.

Ser um líder é também saber se relacionar. Logo, as experiências e a capacitação podem começar cedo. Seja como representante de turma no ensino fundamental, organizando grupos de estudo no ensino médio, sendo escoteiro, voluntário em organizações sociais ou monitor de turma. Tudo aquilo que é um desafio, uma coisa nova, que precisa de novos aprendizados estimula a liderança e ajuda a traçar perfis promissores.

No caso do estudante de engenharia Vinícius Domingues, 19 anos, a experiência em gerir uma empresa e coordenar funcionários começou há um ano, quando ele decidiu apresentar um projeto para a universidade onde estuda. Ele queria montar um núcleo de engenharia na Empresa Júnior do UniCeub. Juntou alguns colegas, conseguiu a aprovação do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, convidou um professor para avalizar os trabalhos deles e dedicou-se à possibilidade de fazer projetos para a comunidade sem cobrar nada, apenas pelo aprendizado.

Ainda no terceiro semestre de um curso que dura cinco anos, Vinícius gerencia uma equipe de oito estudantes e aprendeu a identificar erros e acertos em sua gestão. “ No começo, centralizava muito o serviço. Acabava puxando tudo para mim. Depois, percebi que tinha que dividir as tarefas. Melhoramos bastante”, avalia. Ao compartilhar as responsabilidades, Vinícius começou a perceber quais eram as principais qualidades dos integrantes da equipe e em quais funções cada um poderia se encaixar.

“Nós o escolhemos para chefiar a equipe por mérito próprio, em uma conversa informal. Somos todos amigos e estamos aprendendo a cada dia. É um processo de construção do grupo”, diz o gerente de negócios da equipe, Leonardo de Oliveira, também com 19 anos. Foi nesse consenso que os jovens chegaram à conclusão de que reuniões, metas, comunicação e prazos são importantes para a boa realização do trabalho.

A sintonia e as descobertas já geram frutos positivos, que demonstram como o trabalho de equipe com pessoas jovens e inovadoras pode dar muito certo. Eles já fazem projetos para a cidade e foram convidados para reconstruir uma universidade no Haiti, abalado por terremotos no início deste ano. “Estamos na empresa pelo aprendizado e tentamos inovar a cada dia. De 20 a 25 de agosto, vamos participar da 67ª Semana de Engenharia e Agronomia, que será sobre projetos inovadores e novas tecnologias. Saindo de lá, vamos repassar tudo o que aprendemos para os colegas da faculdade. A capacitação e a experiência são essenciais para uma equipe que quer fazer a diferença”, ressalta Vinícius Domingues.

Segundo Juliana Saldanha, consultora de recursos humanos do Grupo Soma, o espírito empreendedor dos jovens aliado a um ambiente favorável de incentivo aos talentos é quase um processo natural para a formação dos chefes. “Um gestor muito jovem pode sofrer preconceito pela idade. Ele vai pecar em algumas coisas que um gestor mais experiente não pecaria por falta de vivência de mercado, mas a produção e o resultado finais vão valer. Se ele tiver a cabeça aberta para escutar as ideias de toda a seção, irá longe”, diz.

Outra forma muito frequente de ter experiências de liderança ainda no início da carreira são os programas de trainee. Empresas investem em pessoas recém-formadas e as transformam em futuros líderes. “É um dos melhores procedimentos, pois, como trainee, o jovem passa por todos os setores da empresa, o que possibilita uma visão global de como funciona cada departamento. Ter essa visão do todo é muito importante para um chefe”, ressalta Juliana Saldanha.


Muita cautela quando inovar

Ser um bom chefe é um processo de construção. Geralmente os jovens têm muito a aprender, mas também muito a contribuir. Porém, alguns cuidados precisam ser tomados. O líder que começou cedo e trabalha em um ritmo acelerado não pode cobrar demais daqueles que ainda não se acostumaram com a gestão jovem.

Tem também que tomar cuidado para não se tornar um chefe autoritário. “Como ele chega com ideias muito inovadoras, é preciso perceber a forma como o trabalho era realizado, entender as ideias conservadoras para analisar a melhor forma de condução da equipe”, comenta o diretor geral da Business Partners, Luis Savério.

Outro problema que pode ser enfrentado é o preconceito da equipe. Funcionários mais velhos podem não gostar de cumprir ordens de alguém com pouca idade. Nesse momento, é preciso ter jogo de cintura e tentar se comunicar com a equipe de forma igual, passando os dois lados para todos os integrantes e tentando melhorar aos poucos o relacionamento, mesmo sabendo dessa falta de compreensão.

É comum que o novo chefe se sinta frustrado por essa desaprovação. Mas a rejeição pode ser alterada com demonstrações de competência e, com o tempo, a aceitação acontecerá. “O jovem tende a ser um pouco afoito, mas nesse momento ele vai precisar se controlar ou pode colocar tudo a perder”, alerta Meiri Inoue, coach e consultora do Instituto EcoSocial. É preciso ter em mente, segundo ela, que o líder será o medidor de energias do local e que seu nível de resiliência vai determinar o andamento dos trabalhos da sua equipe.

Se associados à vocação e ao perfil já identificado de um líder, todos os problemas de falta de experiência podem ser resolvidos com um coach, em um processo de desenvolvimento de lideranças ou em uma especialização em gestão. “Hoje, a técnica não é primordial para se ver boas lideranças. Experiência e competência não são sinônimos de idade avançada. Se é possível aliar a técnica com cursos para embasar a prática, melhor ainda”, lembra Luis Savério. Caso os funcionários sejam compreensivos, trabalhar com pessoas de idades diferentes também pode ser uma forma de estimular parcerias.





Sob controle

Indivíduos resilientes são aqueles que conseguem administrar as emoções facilmente em situações de estresse. Essas pessoas também são capazes de explorar as características pessoais dos outros para reorientar comportamentos, promovendo a regulação dentro de um ambiente em desequilíbrio.



Só aceite se você …

» Sabe ouvir, conversar e mostrar o seu ponto de vista sem autoritarismo

» Está atento às diferenças dentro da equipe e sabe como alterá-las e explorá-las

» Motiva a equipe, estimulando o trabalho e o desenvolvimento técnico e interpessoal de cada funcionário

» É um multiplicador dos valores e da cultura da empresa

» Mantém a integridade e a coerência entre comunicação e ação

» Tem habilidade de relacionamento interpessoal com a sua equipe e com as de outros departamentos

» Tem capacitação e influência positiva para engajar as pessoas nos projetos da empresa

» É resistente a frustrações e, nos momentos de dificuldade, consegue passar tranquilidade para a equipe


Palavra de especialista

“O exemplo de jovens que são chefes ou ganham seu primeiro milhão muito cedo pode causar uma ansiedade exacerbada nos adolescentes. Um pular de etapas de forma inadequada pode ser prejudicial. Se um jovem decide abrir um negócio muito cedo só para dizer que é um empresário, sem ter preparo para aquilo, ele ficará frustado. Esses exemplos de sucesso têm que servir de incentivo, mas cada um tem que fazer o que gosta. Nem tudo que é bom para um também será bom para outro. É preciso ter um bom autoconhecimento e conseguir se diferenciar, não ser uma cópia. Dessa maneira é possível ser um chefe jovem e bem-sucedido.”

Juliana Saldanha, consultora de recursos humanos do Grupo Soma

%%%%%

turismo
O desafio de fazer o turista ficar mais

CORREIOWEB 25/07

Especialistas dizem que para convencer homens de negócios a passar mais tempo na cidade é preciso implantar ações básicas e divulgar as opções de lazer

Transformar o turista de negócios em turista de lazer e convencê-lo a passar mais tempo na cidade é o grande desafio de Brasília. Dados do livro Impacto do turismo na economia do DF mostram que quem conhece a capital do país não tem do que reclamar em relação ao serviço de hotelaria e à gastronomia. São muitas as atrações cívicas, culturais, religiosas e de aventura a serem exploradas. Basta, na opinião de especialistas ouvidos pelo Correio, começar a implantar ações básicas, como a instalação de um posto de informações turísticas no Aeroporto Internacional Juscelino Kubitschek.

Para a subsecretária de Turismo do DF, Jackeyline Mapurunga, no cargo há três meses, os visitantes de Brasília têm dinheiro no bolso e interesse em conhecer a cidade. “Precisamos apenas nos posicionar como capital e assumir as qualidades que temos. Brasília é contemporânea, charmosa, tem cultura e opções de lazer”, comenta. A Secretaria de Turismo trabalha para, antes da troca do governo, concluir um levantamento completo das atrações turísticas da região. Outras medidas para estimular o setor estão em andamento. O restaurante da Torre de TV, por exemplo, deve ser reinaugurado em agosto.

Criar pacotes em que o acompanhante do turista de negócios ganhe desconto é a sugestão do presidente da Associação Brasileira das Agências de Viagens do DF (Abav), Carlos Alberto de Sá. Com o benefício, acredita ele, os executivos poderiam trazer a família e esticar a estadia em Brasília. “Para isso, teríamos de incluir no pacote boas opções do que fazer nas horas vagas: teatro, shows, passeios pelo Lago Paranoá ou mesmo idas a cidades como Pirenópolis”, enumera. “Mas o governo precisa fazer a parte dele e ajudar com a divulgação”, pondera.

Copa
A tendência é que, com a Copa do Mundo de 2014 a caminho, o turismo em Brasília ganhe outro ritmo. “Temos muitos atrativos. Ocorre que o visitante de negócios vem com um foco muito bem definido. Se não apresentarmos as alternativas, ele não vai saber”, diz o vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no DF (Abih), Plínio Rabello. Um dos problemas do setor, na avaliação dele, são “monumentos de costas para o turismo”. “Como vamos divulgar lugares que não passam nem por manutenção periódica?”, provoca.

A Praça dos Três Poderes e a Catedral estão com as reformas quase concluídas. Em relação à gastronomia, quem vem a Brasília não pode mais reclamar da falta de bons restaurantes. Há opções para todos os bolsos e paladares, dos mais simples aos mais sofisticados. “Estamos preparados para receber os turistas porque o público daqui é exigente”, afirma o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes do DF (Abrasel), Sérgio Zulato. “Precisamos ter mais orgulho da cidade para acabar com esse estigma pejorativo de capital administrativa”, acrescenta Rabello.

Potencial
Nestas férias de julho, a servidora pública Eline Fialho, 29 anos, não quis saber de praia. Preferiu apreciar o concreto e o verde de Brasília durante seis dias. Fez o tour completo, com direito a caminhada pelo Parque da Cidade. “O potencial turístico daqui é incrível. Não vim só por causa dos parentes, Brasília é linda”, comenta a residente de Palmeiras de Goiás, a 72km de Goiânia. “Turismo gera emprego e renda. Mas o visitante precisa ficar mais tempo”, avalia a professora Maria de Lourdes Rollemberg Mollo, uma das organizadoras do livro que traz o perfil do turista de Brasília.

O amazonense Daniel Almeida, 53 anos, visitou a capital federal pela décima vez na semana passada, para participar de um encontro promovido pelo Ministério da Saúde. “Em nenhuma delas vim a lazer. Nunca ouvi ninguém dizer que passou férias inesquecíveis aqui. Potencial existe, mas ele tem que ser mais bem explorado”, diz. “Temos que conquistar o turista antes de ele chegar a Brasília. Aqui, fica impossível, porque ele já vem com a passagem de volta comprada”, sustenta o presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes do DF (Sindhobar), Clayton Machado.

As principais queixas dos turistas que não pretendem voltar a Brasília estão associadas ao custo de vida da cidade — considerado alto —, às poucas opções de lazer durante a noite e à dificuldade de locomoção por meio de transporte público. Outros entrevistados pelos pesquisadores reclamam ainda da acolhida na cidade. “Como o turista fica pouco tempo, ele não se envolve com a população como deveria. Essa impressão de ‘frieza’ vai mudar quando ele deixar de ser homem de negócios e virar turista de lazer”, acredita a professora Maria de Lourdes.

Precisamos ter mais orgulho da cidade para acabar com esse estigma pejorativo de capital administrativa”

Plínio Rabello, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no DF