segunda-feira, 31 de maio de 2010

País não está pronto para a nova classe média, diz Bolívar

FSP 31/05

É preciso "evitar o oba-oba", afirma doutor em ciência política e diretor de instituto de estudos econômicos

Entraves do país são infraestrutura, mão de obra especializada e educação, diz autor de "A Nova Classe Média"

O Brasil não está pronto para a nova classe média.
Tampouco esse segmento populacional está devidamente preparado para suas recentes conquistas em termos de mobilidade social.
As afirmações são de Bolívar Lamounier, doutor em ciência política pela Universidade da Califórnia e primeiro diretor-presidente do Ipesp (Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo).
Em parceria com Amaury de Souza, ele acaba de lançar o livro "A Nova Classe Média" (Campus-Elsevier).
Na entrevista abaixo, ele discute a sustentabilidade da nova classe média e diz ser preciso "evitar o oba-oba".

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/images/ep.gif


Folha - Quais são as principais características dessa nova classe média?
Bolívar Lamounier - Estamos falando de algo em torno de 80 milhões de pessoas, um agregado social imensamente heterogêneo.
É um megaprocesso de mobilidade social. É o conjunto da classe C ascendendo a condições e aspirações mais altas de consumo .
Em razão disso, as famílias que a integram tornam-se mais "ambiciosas". Têm mais interesse em aumentar sua renda, querem um nível educacional mais alto para si e para seus filhos, manifestam desejo de obter um bom emprego ou de se estabelecer por conta própria etc.

Essa nova classe média é "sustentável"?
No nível macro, a sustentabilidade depende do crescimento econômico a taxas elevadas -e ambientalmente compatíveis. Hoje, no Brasil, há um clima de exagerado otimismo, mas é preciso cautela para não cantarmos vitória antes do tempo.
Por outro lado, o que chamamos de ascensão da classe C se confunde em larga medida com a expansão do mercado interno e a redução das desigualdades de renda, condições que tendem a tornar o processo inteiro mais sustentável, quer dizer, menos suscetível a crises.
O nível micro refere-se à geração da renda pelas famílias, à educação, ao empreendedorismo etc. Por exemplo, existem milhões de pessoas "empreendedoras", mas muitas não estão preparadas para isso. Do outro lado, a política pública mais dificulta que ajuda: carga tributária elevada, complicações burocráticas etc.

O Brasil está pronto, do ponto de vista estrutural, para essa nova classe média?
O avanço realizado nas últimas duas décadas é muito grande, mas eu não diria que está pronto. Basta atentar para a infraestrutura, obviamente incapaz de sustentar taxas elevadas de crescimento, a mão de obra especializada -que já começa a faltar- e a educação, de modo geral muito ruim.

E a nova classe média está preparada?
É preciso evitar o oba-oba. O aumento do consumo é salutar e as pessoas têm atualmente aspirações altas. Além de adquirirem mais escolaridade, os indivíduos precisam investir mais em si mesmos, ou seja, em sua própria produtividade, seja para conseguir empregos estáveis e de boa qualidade, seja para se tornarem empreendedores.

domingo, 30 de maio de 2010


Ensino de má qualidade atrapalha avanço da ciência e tecnologia

Para palestrantes da 4ª CNCTI e professores da UnB, formação de bons profissionais depende mais do ensino básico que das universidades
UnB 30/05

Os debates desta quinta-feira, 27 de maio, da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia foram marcados por críticas ao sistema de ensino brasileiro. Professores, pesquisadores e especialistas na área defenderam que a má qualidade do ensino básico dificulta e até emperra a formação de recursos humanos qualificados em ciência, tecnologia e inovação.

Mozart Neves Ramos, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou que apenas 23,7% das crianças que concluem a 4ª série do ensino fundamental realmente aprenderam matemática. Na 8ª série, apenas 14,5%. No ensino médio, o número é ainda menor, somente 9,8% dos alunos. “Como podemos esperar alguma coisa dessas pessoas que não aprenderam os conteúdos mínimos para ingressar na universidade”, questionou o professor.

Outros dados preocupantes apresentados por Mozart revelam que a má formação dos jovens brasileiros é culpa também de quem ensina. Apenas 58% dos professores de matemática no Brasil têm formação para lecionar a disciplina. “Imaginem se vocês levam uma pessoa querida para uma cirurgia e chega na hora o hospital diz que o cirurgião não poderá fazer o procedimento, mas que tem um pediatra ótimo. É isso que acontece com o ensino no nosso País”, disse indignado.

“O grande passo dessa conferência em relação às anteriores foi identificar que formar recursos humanos qualificados na área não é mais responsabilidade da universidade, e sim do ensino básico”, resumiu o professor Isaac Roitman, biólogo e secretário de comunicação institucional da Universidade de Brasília, que esteve presente no encontro.

ESTÍMULOS - Para a professora Solange Amorim e Amato, da Faculdade de Educação da UnB, valorizar os professores dando uma boa remuneração é a chave para o sucesso da educação no Brasil. “Só assim os docentes terão interesse em se manter na profissão, terão medo de perder o emprego e a consequência é correr atrás para ensinar de forma excelente”, afirma. Ela acredita que os baixos salários estão entre as causas da evasão de profeo serviço público. “Se o concurso paga R$ 6 mil, pague ao professor esse salário. Ele estará motivado.”

Marco Antônio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) sustentou que o programa ABC na Educação Científica Mão na Massa - que ensina ciências desde as séries iniciais - é uma das experiências mais positivas hoje no Brasil para envolver crianças em pesquisas. “Se colocarmos esse projeto como uma política pública de responsabilidade do governo federal teremos no nosso país mão de obra muito qualificada no futuro. É assim que funciona com as nações emergentes que mais evoluem economicamente.”

Sônia Marise Salles Carvalho, professora do Departamento de Teorias e Fundamentos, explica que nessa fase, a criança precisa ser estimulada e o ensino de ciências é o caminho. “Precisamos aguçar a curiosidade. Depois que a criança aprende ciência tudo passa a fazer sentido. Ela aprende a problematizar e resolver”. Na UnB existe a disciplina Ensino de Ciência e Tecnologia I e II que prepara futuros professores para o ensino de ciências na pré-escola e na alfabetização.

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Biografia revela o dia a dia de Célia Helena

Livro e revista acadêmica reconstituem o legado da artista e educadora no teatro e na memória cultural do país

FSP 29/05
Escrita por Nydia Licia, "Célia Helena: Uma Atriz Visceral" reconstrói sua trajetória através de tons distintos. Por uma via mais intimista, alguns familiares e colegas de palco fazem depoimentos espontâneos ao relembrar anedotas mais atrevidas de coxia.
Numa vertente mais clássica, o livro combina relatos de grandes diretores com trechos de resenhas publicadas por críticos de teatro.
Recebem maior atenção suas participações no Teatro Oficina, com a histórica montagem nos anos 1960 de "Pequenos Burgueses", de Máximo Gorki, dirigida por José Celso Martinez Corrêa, e nos anos 1970 de "Pano de Boca", dirigida por Fauzi Arap.
Com isso, o grande trunfo do livro é alinhavar passagens mais marcantes de sua carreira a fragmentos da memória cultural do país.
Ao se voltar para seu passado como educadora, porém, os generosos testemunhos de colaboradores que serviram como seu braço direito à frente da criação do Teatro-Escola Célia Helena focam mais as dificuldades do dia a dia, não possibilitando ao leitor acessar com clareza seu legado didático.

REVISTA
Esta pequena falha na biografia parece se redimir na bem-vinda revista "Olhares", uma fusão de estudos acadêmicos com textos voltados à prática teatral, publicada pela Escola Superior de Artes Célia Helena sob a editoria de Lígia Cortez e do convidado Luiz Fernando Ramos, também crítico da Folha.
Com conteúdo abrangente e sólido, este primeiro robusto número abre com uma reflexão dos diretores Renato Ferracini, Marcelo Lazzaratto e Marco Antonio Rodrigues sobre a pedagogia do ator.
O "processo colaborativo" é abordado por Antônio Araújo e Rosyane Trotta. Há uma brilhante discussão sobre o "trabalho de mesa" por profissionais da área, que culmina com uma bela entrevista com Maria Thereza Vargas e Nydia Licia sobre o desenvolvimento da prática de se debruçar sobre os textos nas décadas de 1940 e 1960.
Nas originais seções fixas, merecem destaque "Técnica", em que o iluminador Davi de Brito dá dicas sobre sua arte; "Dramaturgia Latino-Americana", com a peça "Mulheres Sonham Cavalos", do argentino Daniel Veronese; e "Retrato", um grande final com Cleyde Yáconis, por Oswaldo Mendes.
"Olhares" acaba por cristalizar o verdadeiro legado de Célia Helena, fundadora de um espaço de discussão que se tornou hoje um dos maiores núcleos de pesquisa em artes cênicas no país.


CÉLIA HELENA: UMA ATRIZ VISCERAL

AUTOR Nydia Licia
EDITORA Imprensa Oficial
QUANTO R$ 30 (160 págs.)
AVALIAÇÃO bom

RAIO X
CÉLIA HELENA

VIDA
Atriz paulistana (1936-1997) teve forte presença no teatro brasileiro nos anos 50 e 60.
Em 1977 fundou o Teato-Escola Célia Helena.


Filme acompanha a vida íntima de ex-guerrilheiro

"Em Teu Nome" baseia-se em história real do juiz João Carlos Bona Garcia

Ao recuperar a saga de Bona, o diretor Paulo Nascimento quis falar sobre o amor nos tempos da ditadura

FSP 29/05


De tanto ver filmes sobre a ditadura militar, Paulo Nascimento decidiu, ele próprio, fazer um filme sobre o tema. Ou melhor, um filme que não fosse sobre o tema. "Quis fazer um filme da época da ditadura sem ser sobre a ditadura", diz o cineasta gaúcho.
Nascimento lembra de uma porção de filmes que tratam da luta armada e pergunta: "Mas como era a vida pessoal desses jovens?".
É essa vida que Nascimento leva à tela em "Em Teu Nome". O filme origina-se na história de João Carlos Bona Garcia, 64 anos, hoje juiz no Rio Grande do Sul.
Bona ingressou no movimento estudantil aos 17 anos e, após o golpe militar, tornou-se guerrilheiro. Preso, foi torturado e, depois, banido para o Chile. O exílio estendeu-se ainda para Argentina, Argélia e França.
"Quando ouvi o relato do Bona e da mulher dele, vi que tinha um filme pronto", diz o diretor. "É também a história de uma mulher apaixonada que vai atrás do marido e tem filhos e uma vida no exílio."
Nascimento nasceu quatro dias depois do golpe, em 3 de abril de 1964. "Cresci ouvindo essas histórias. E sabia que um jovem, mesmo que fizesse parte da luta armada, tinha muitas dúvidas e conflitos. Tentei mostrar isso."
Quem também cresceu ouvindo essas histórias foi a atriz Júlia Feldens, sobrinha de Boni que, no filme, vive o papel da própria mãe, irmã do protagonista. "Minhas escolhas na vida passam muito pela história do meu tio. A geração dele era muito idealista e corajosa."

Filme “A Alma do Osso ” convida a experimentar e a observar a solidão

FSP 29/05

"A Alma do Osso" é o primeiro filme de uma trilogia sobre a solidão feita por Cao Guimarães. Na sequência, filmou "Andarilho" (2007).
O fecho da trilogia será uma ficção sobre a solidão nas grandes cidades, adaptação de "O Homem da Multidão", o conto de Edgar Poe, que Guimarães co-dirigirá com Marcelo Gomes ("Cinema, Aspirinas e Urubus").
Em "A Alma do Osso", o "personagem" é Dominguinhos, que aos 71 anos vive sozinho em uma gruta nas montanhas de Itambé do Mato Dentro (MG).
Durante mais de meia hora do filme, o ancião não emite uma palavra. O filme apenas registra seus hábitos, como o trabalho meticuloso de preparação do almoço e o percurso para buscar água.
Só no final ele solta o verbo. Mas não para explicar quem é, como e por que foi parar ali. Conta histórias avulsas, numa linguagem de nexos complicados.
Guimarães recusa todas as fórmulas do documentarismo convencional e os modos invasivos de investigação. O que pede ao espectador é que descubra, observe e experimente, por meio das imagens, a solidão, o silêncio e o delírio de Dominguinhos.


A ALMA DO OSSO

DIREÇÃO Cao Guimarães
ONDE no Cine UOL Lumière
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO ótimo

Amigo poeta

Folha localiza correspondentes anônimos de Drummond em pesquisa de arquivo e conta como criaram relação com o escritor por meio de cartas

FSP 29/05

Num papel de carta decorado com adesivos de bichinhos, uma zootécnica de Rio das Ostras (RJ) escreveu, em 16 de fevereiro de 1987: "Querido Drummond, tenho certeza que você sabe o quanto me senti feliz em receber seu livro. Eu esperava que você me respondesse, mas não acreditava. Entende, né? Quase morri. Foi muito bom".
Ela então relata como a correspondência lhe deu sorte, fala do novo emprego na prefeitura, da mudança de casa, do namorado, das leituras. Abre o coração.
"Eu poderia te escrever melhor, mas é que que[neste ponto a escrita é interrompida pelo adesivo de um ursinho]ro te escrever como falo, senão não faz sentido. Aí, me perco." Ela se despede com "muitos beijos carinhosos" e deseja "tudo de bom".
A zootécnica de Rio das Ostras, que não foi localizada pela reportagem (assinava Soraia Leraik), é um dos 1.812 correspondentes de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) registrados no arquivo do poeta na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio.
É conhecida a sua correspondência com outros grandes escritores, como Bandeira, João Cabral e, especialmente, Mário de Andrade, já editadas em livro.
Menos notória é a relação que criou do nada, por carta, com dezenas, talvez centenas, de desconhecidos -leitores, aspirantes a poeta, professores, mineiros desterrados como ele, curiosos.
A Folha revirou os arquivos e, a partir da correspondência passiva, encontrou alguns desses interlocutores nem tão célebres.
Descobriu também um Drummond solícito e educado com qualquer remetente (costumava se penitenciar com esparro zombeteiro pela demora na resposta), quase sempre afetuoso. Conforme a demanda, assumia o papel de conselheiro sentimental, tutor literário, comentador das miudezas cotidianas.
Os que conheciam a fertilidade de Drummond no quesito têm certeza que há incontáveis cartas dele espalhadas por aí, prontas a semear acervos e estudos.
Na visão do neto Pedro Graña Drummond, responsável pelo espólio do avô, "para ter uma ideia mais ampla dessa correspondência, haveria que fazer um levantamento minucioso, e também anunciando a iniciativa em jornais, para tentar encontrar os destinatários das cartas que ele mandou".

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Em dez anos, todas as escolas do país precisarão ter biblioteca

Medida, prevista em lei, vale para colégios públicos e privados

FSP 26.05

Todas as escolas do Brasil deverão ter bibliotecas daqui a dez anos. A medida está prevista em lei sancionada ontem pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vale para todos os estabelecimentos, públicos e privados.
O acervo de livros deverá ter pelo menos um título para cada aluno matriculado.
Segundo o censo escolar, em 2008 apenas 37% das escolas de educação básica do país tinham biblioteca.
A pior situação é na região Norte, onde só 20% dos colégios oferecem esse tipo de estrutura. No Sul, que tem o melhor cenário, 58,6% das escolas possuem biblioteca.
Estudo recente do Ministério da Cultura mostra ainda que 21% das cidades não têm bibliotecas municipais.
O autor da lei sancionada ontem, deputado federal Lobbe Neto (PSDB-SP), admitiu que o prazo de dez anos para a instalação das bibliotecas é longo. De acordo com ele, o prazo original previsto no projeto era de cinco anos, mas acabou sendo alterado na tramitação do texto.
Marcelo Soares, diretor de políticas de formação e materiais didáticos da educação básica do Ministério da Educação, diz que a pasta colabora enviando acervo e recursos às administrações que pedem verba para biblioteca.
Ele afirma que a responsabilidade principal pelo cumprimento da lei é dos Estados e dos municípios, que têm a jurisdição sobre a maior parte das escolas do país.
Para ele, a biblioteca é indispensável mesmo com o avanço da internet, porque o acesso à rede é restrito no Brasil e o ideal é a convivência dos livros com a tecnologia digital. A taxa de escolas com biblioteca no país é quase a mesma da de escolas com acesso à internet (35%).

Estudante vai de colégio precário da periferia de SP a faculdade top

Sara Nishimura, 18, estudou no Bandeirantes, está na Poli e já sonha com vaga no MIT

FSP 26.05
Com os três salários mínimos ganhos pelo pai, a única opção de estudo de Sara Izumi Nishimura, 18, era a escola pública do bairro, que sofria com a falta de laboratórios, de biblioteca adequada e até de papel higiênico.
Ela era a caçula de cinco irmãos numa família que vivia da venda de ovos que o pai fazia de porta em porta, a bordo de uma Kombi.
Nascida no Jardim Raposo Tavares, região pobre na zona oeste de São Paulo, ela sabia desde criança o que queria fazer na vida: estudar. Mas logo percebeu que a tarefa não seria assim tão fácil.
Na escola que frequentava, os enunciados das provas tinham que ser anotados pelos alunos em folhas próprias de caderno, pois a verba para o xerox também faltava.
A lição passada pelos professores nunca era suficiente para o apetite da aluna.
A menina recorria, então, aos livros dos primos mais velhos, com os quais podia estudar conteúdos que ainda não tinha aprendido. A mãe, Kiyoko Hashimoto, 58, tinha de lembrá-la até de comer.
Foi na oitava série que a sorte de Sara começou a mudar. Percebendo o talento da aluna, uma professora a indicou para o processo seletivo da fundação Ismart -organização que oferece bolsas em escolas particulares para jovens pobres. Dos 1.430 inscritos, apenas 56 chegariam ao final das quatro fases.
Meses antes da prova, ela estudou como nunca. Não tinha final de semana nem noites de descanso. Foi aprovada. "Minha mãe chorou mais do que eu."
Poderia, agora, escolher onde estudar. Tinha à disposição um rol de colégios de elite, com mensalidades médias que superavam de longe os rendimentos da família.
Optou pelo Bandeirantes, mensalidade de R$ 1.700, 18 laboratórios e segundo colocado entre as particulares paulistas no Enem. Após ser aprovada em um vestibulinho do colégio, entrou no 1º ano do ensino médio.

ESTUDO NO INTERVALO
Para chegar ao Paraíso, onde fica o Bandeirantes, Sara tomava um ônibus e um metrô e acordava às 4h45 todos os dias. Faltou só cinco vezes, quando ficou hospitalizada por uma infecção.
"Era uma excelente aluna", afirma o professor Osmar Antônio Ferraz. Nas salas divididas por desempenho, cursou o 1º ano na sala "B", onde era a melhor estudante. Nos dois anos seguintes, pulou para a turma "A", sempre entre os 15 melhores.
Logo fez amigos, tão estudiosos quanto ela. O grupo escondia-se embaixo das carteiras na hora do intervalo para que o bedel não os visse estudando na sala de aula, o que era proibido no recreio.
Os amigos de bairros nobres tinham casas no litoral. "Pouco vaidosa", afirma que não estranhou o desfile de roupas de marca que via nas horas do intervalo.
Certa vez, uma amiga cochichou: "Olha, aquela menina tá com roupa da Daslu". "Só pensei: "Nossa, como ela percebeu isso?"."
Sara prestou vestibular para engenharia elétrica. Entrou na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde cursa o 1º ano, na posição 170, dentre 2.606 candidatos. Também foi aprovada em primeiro lugar no mesmo curso na Unicamp.

VIDA UNIVERSITÁRIA
Universitária, diz que agora tem outros interesses além do estudo. Entrou no time de beisebol feminino da USP e quer um namorado que seja tão ocupado quanto ela.
Afinal, Sara pretende continuar estudando. Já planeja mestrado e doutorado no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos. O que a preocupa não é se será aprovada. Mas qual será a bolsa de estudos que a ajudará a chegar lá.

Coleção traz canções praieras e voz grave de Dorival Caymmi

Livro-CD, nas bancas no domingo, destaca compositor baiano

FSP 27.05

Mais fácil seria listar quem não o gravou, mas entre os principais intérpretes de Dorival Caymmi estão Carmen Miranda, João Gilberto, Gal Costa, Anjos do Inferno e Maria Bethânia.
Desde o fim dos anos 1930 até hoje, Caymmi é um dos nomes mais influentes da música brasileira, com sua sensibilidade, humor, ritmo baiano, voz grave e canções lapidarmente simples.
É dedicado a ele o 12º volume da Coleção Folha Raízes da Música Popular Brasileira, nas bancas no domingo.
Caymmi nasceu em Salvador em 1914. Cresceu ouvindo rádio, músicas baianas, formando conjuntos e compondo as primeiras canções.
Em 1938 embarcou para o Rio de Janeiro e já em 1939 se destacou: Carmen Miranda cantava sua canção "O que É que a Baiana Tem?", em dueto com o autor, no filme "Banana da Terra".
A partir daí foi muito gravado pelos Anjos do Inferno, Dick Farney, Trio de Ouro, Orlando Silva. Depois, João Gilberto, Gal, Bethânia, Gilberto Gil, Nana Caymmi.
Gravou também uma série de discos solo, entre os anos 1950 e 1970. Continuou compondo, lenta e caprichosamente, até sua morte, em 16 de agosto de 2008.
Escreveu sambas-canções, canções praieras, cantos para Xangô e Mãe Menininha do Gantois. Entre as mais famosas, "É Doce Morrer no Mar", "Acontece que Eu Sou Baiano" e "Vatapá".
O compositor e documentarista Aluisio Didier é o autor do livro sobre Caymmi, que vem com biografia, discografia, letras e fotos.
O CD acompanhante traz "O que É que a Baiana Tem?", com Caymmi e Carmen Miranda, "Marina", com Dick Farney e "Maracangalha", com Tom Jobim, entre outros sucessos.

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OPINIÃO AS "DUAS" LÍNGUAS

"Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões"

Versos de "Língua", de Caetano Veloso, sintetizam (des)enredos das "duas" línguas


E QUE ISSO (AS "DIFERENÇAS" IDIOMÁTICAS) NÃO SEJA MOTIVO PARA NINGUÉM SE CHATEAR EM PORTUGAL. SE VOCÊ NUNCA FOI, VÁ. VÁ HOJE, VÁ AGORA. SE JÁ FOI, REPITA




FSP 27.05

A entrada em vigor da reforma ortográfica brasileira intensificou a confusão que muita gente faz entre ortografia e língua. Nas conversas aqui e ali e na imprensa, foi um tal de "Mudou a língua", "Lula assina a lei que muda a língua" etc. Isso tem valor científico igual ao de frases do calibre de "Masturbação dá espinha", "Leite com manga, morre" etc.
Reformas ortográficas, como o nome já diz, mexem na ortografia, ou seja, na maneira de grafar as palavras. Um dia já se escreveu geraes (gerais), cam (cão), portuguez (português) etc. Quando se fala de língua, fala-se do sistema, da estrutura, e isso não se muda por lei ou decreto.
A (até agora fracassada) tentativa de unificar a grafia do português nos oito países que o têm como língua oficial surgiu da suposta necessidade de igualar ou aproximar o que é desigual em aproximadamente 1% do léxico português, ou seja, a grafia.
Em Portugal, grafa-se "direcção", "adoptar", "facto", mas isso não basta para que se diga que a língua de lá é diferente da de cá. Há diferenças, sim, de timbre (abertura da vogal: no Brasil se diz "prêmio", que aqui se grafa com circunflexo; em Portugal, diz-se "prémio", que lá se grafa com agudo), de vocabulário (aqui se diz "bonde", que em Portugal vira "eléctrico"), de formas (aqui se diz "Ela está dormindo"; em Portugal, é mais comum "Ela está a dormir") etc.
Outra diferença significativa se dá na emissão das palavras: nosso português é mais aberto, mais vocálico; o de lá é mais fechado, travado (parece que sai dos dentes...). Para muitos brasileiros, isso torna a língua "deles" irremediavelmente diferente e quase incompreensível.
Pois esses dois fatores (emissão e vocabulário), além de outros, como o uso dos pronomes ("Havia um aqui, mas tiraram-no", disse-me com toda a naturalidade uma funcionária da companhia telefônica, referindo-se a um telefone público que funcionava com cartão de crédito) fazem muitos brasileiros se sentirem num país de língua estrangeira quando estão em Portugal.
Nessas horas, um pouco de boa vontade e de leitura dos grandes escritores lusitanos pode ajudar. Quem já leu um clássico português não se surpreende quando vê numa publicidade da Coca-Cola a frase "A vida sabe bem", em que se emprega o verbo "saber" (como já se empregou no Brasil) com o sentido de "ter gosto", "ter sabor" ("A vida sabe bem" equivale a "A vida tem gosto bom" -com Coca-Cola, na publicidade).
Esse contato com os clássicos lusos (e também com os brasileiros, como Machado) facilitaria a compreensão de uma frase, que lá vi há algum tempo, exibida num cartaz do Ministério do Turismo ("Açores: férias que nunca esquecem", que equivale a "Açores: férias que nunca caem no esquecimento").
O que acabei de dizer em sabe Deus quantas linhas foi resumido brilhantemente por Caetano Veloso, que, no início da sua genial e antológica "Língua", diz isto: "Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões". Está dito tudo: a minha língua (o português do Brasil) se faz roçando (com todos os sentidos de "roçar") o português de Portugal. Em outras palavras, nossa língua e a deles são a mesma coisa, embora não sejam a mesma coisa. Simples assim? Simples assim.
E que isso (as "diferenças" idiomáticas) não seja motivo para ninguém se chatear em Portugal. Se você nunca foi, vá. Vá hoje, vá agora. Se já foi, repita. Eu, que já fui inúmeras vezes, iria agora, sem hesitar. Alguns dos motivos você encontra nos outros textos deste caderno.
Antes que alguém pergunte, o tal "Acordo Ortográfico" por ora é solenemente ignorado em Portugal. E, cá entre nós, não consigo imaginar um comerciante português substituindo uma placa centenária da fachada de sua loja só porque alguns selenitas acham que "direção" é melhor do que "direcção". A coisa lá ainda não pegou. E, pelo jeito, não vai pegar. É isso.

Pasquale Cipro Neto viajou a convite da CVC